«É necessária uma contra-ofensiva dos trabalhadores»

Entrevista a Aleka Papariga, secretária-geral do Partido Comunista da Grécia
Avante Edição N.º 1708, 24-08-2006

De visita a Portugal a convite do PCP, Aleka Papariga, secretária-geral do PC da Grécia (KKE, na sigla original), conversou com o Avante! e explicou algumas das razões que levam ambos os partidos a convergir na leitura e acção dos mais candentes problemas internacionais. A construção da alternativa revolucionária e o mais recente conflito no Médio Oriente foram temas abordados por Papariga, para quem, a guerra e a política de direita fazem parte de uma mesma estratégia do imperialismo com vista à subjugação dos povos aos seus interesses.
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- Quais são neste momento as lutas mais candentes dos comunistas na Grécia?

Aleka Papariga - O que procuramos fazer é combinar as tarefas de acumulação de forças no sentido de promover uma alternativa de poder popular com as lutas concretas em torno de problemas sociais mais imediatos.
Apesar da resistência, a classe burguesa no nosso país e em geral na UE tem mantido toda uma política antipopular, uma estratégia de recuperação capitalista que afecta cada esfera, cada aspecto da vida dos trabalhadores e do povo grego. A privatização da saúde e da educação; a tentativa de minar a segurança social e o aumento da idade de reforma, por exemplo, são elementos substanciais de uma estratégia de longo prazo na agenda do capital.
Sem querer dizer que as lutas «defensivas» não têm valor, pelo contrário, são imprescindíveis, é necessário iniciar uma contra-ofensiva por parte dos trabalhadores e das suas organizações, tarefa que exige paciência e muitas lutas de longo prazo. O problema central passa por encontrar a forma de, através dos combates quotidianos, levar a classe operária e as restantes camadas sociais a acumularem experiências que permitam tão brevemente quanto possível radicalizar a luta e impor transformações.

- Esses ataques aos serviços públicos de que fala estão a desenrolar-se em todos os países da UE, é nesse sentido que fala de uma estratégia coordenada do capital?

- A avaliação que fazemos é que esse entendimento sobre as grandes linhas políticas que vêm sendo aplicadas por diversos governos em vários países europeus, mas não só, também nos EUA, correspondem a opções claras. Elas representam simultaneamente a fórmula encontrada pelo capital para lidar com contradições intrínsecas à sua natureza, e um conjunto de instrumentos cujo objectivo é multiplicar os lucros e aumentar a reprodução de capital, dificuldades que o capitalismo não enfrentava em períodos anteriores.
O sistema está a perder a capacidade de absorver reivindicações e lutas dos trabalhadores ou de promover uma pequena redistribuição de rendimentos em favor dos desfavorecidos. Hoje não podem implementar políticas semelhantes às desenvolvidas no pós II Guerra Mundial.

- Diz que isso resulta das contradições internas do sistema, mas na Europa e nos EUA os povos também têm sabido resistir a projectos importantes para o capital, como o da chamada «constituição» europeia ou o aprofundamento do neoliberalismo militarista...

- O neoliberalismo não é unicamente uma forma de gerir o sistema, corresponde à estratégia contemporânea do capitalismo, por isso, quer governos de partidos social-democratas e socialistas, quer partidos conservadores e liberais, implementam a mesma política e o mesmo conjunto de medidas. Pese algumas particularidades, no essencial, a política que tem sido desenvolvida nos EUA e na UE é a mesma.
Quanto à «constituição» europeia, o nosso partido valoriza o facto de dois povos terem vetado o seu avanço e temos mesmo a certeza de que se mais referendos houvessem, mais derrotas sofreria o projecto. Estes obstáculos que são colocados à estratégia do capital são importantes, mas a recusa da «constituição» europeia não significa a abertura de uma perspectiva anti-imperialista por parte das pessoas que a votaram desfavoravelmente em França e na Holanda.
Por outro lado, o facto da UE ter decidido avançar com tal tratado, não quer dizer que no seu seio não subsistam contradições e desacordos, até porque permanece o desenvolvimento desigual entre nações, o que se reflecte em diferentes tempos e formas de aplicação das grandes linhas em cada país.

A resposta necessária

- Face a essa estratégia articulada do grande capital tem-se falado com insistência numa resposta articulada dos partidos comunistas, progressistas e de esquerda. Porque é que para o PC da Grécia o Partido da Esquerda Europeia não representa uma solução?

- Estamos empenhados na conjugação de forças, na construção de uma frente unida de luta em torno de razões comuns, claro. Mas que frente? Que tipo de cooperação e com que fins? Será uma frente onde pode caber Romano Prodi, ex-presidente da Comissão Europeia e actual primeiro-ministro de Itália num governo onde participa a Refundação Comunista? Será uma formação política que admite partidos que se aliam a forças conservadoras nos respectivos países? Qual foi o resultado do chamado centro-esquerda em França?
Na base ideológica desse Partido da Esquerda Europeia (PEE) surge ainda a rejeição completa da experiência de construção do socialismo no Leste da Europa e a sua contribuição para o mundo. Uma coisa é a análise crítica, a identificação dos erros cometidos, mas uma tal rejeição não serve nem os partidos comunistas nem os povos que pretendem optar por um rumo de ruptura com o capitalismo.
Depois temos que perceber que uma coisa são formas de cooperação e discussão entre todos, outra é a criação de um partido único, vertical, com uma direcção com capacidade de intervir no seio dos diversos partidos. O que necessitamos, de facto, é revitalizar essa dialéctica de entendimento, de cooperação entre as realidades nacionais e internacionais na luta anti-imperialista e revolucionária, e não de criar uma estrutura supranacional que ao mesmo tempo se dá bem com algumas das grandes opções do capital europeu.

- Neste aspecto particular uma das primeiras diferenças foi a posição assumida aquando da agressão contra a Jugoslávia. Os comunistas gregos manifestaram-se contra até porque a proximidade com os Balcãs vos dá um contacto mais directo da situação vivida...

- Não se trata de proximidade geográfica. É uma questão de classe! Durante os bombardeamentos da Nato nos Balcãs havia partidos ditos de esquerda em governos que se envolveram de forma muito empenhada na guerra.
Em resultado da agressão, a actual situação nos Balcãs demonstra, em primeiro lugar, que as relações capitalistas de produção se estão a solidificar, o sistema burguês está formado na maioria dos países. As classes burguesas desses países estão mais fortes e já pretendem satisfazer algumas das respectivas exigências, não se limitando a seguir as orientações do capital alemão ou britânico. Em segundo lugar, e até revelando uma certa contradição, a penetração do capital norte-americano e das forças mais influentes da UE tem cada vez mais peso, portanto, ao mesmo tempo que os povos perdem todos os direitos e conquistas alcançadas com o socialismo, num contexto mais complexo parece que as questões fronteiriça e étnica continuam a ser utilizadas para gerar discórdia, minar o entendimento deixando em aberto a perspectiva de novos conflitos militares na região.

- Tal como o PC da Grécia, o PCP também manifestou sérias reservas quanto ao PEE. Esse facto traduz um entendimento sobre os caminhos de cooperação e luta? É possível criar uma base forte para a mudança sem a fórmula do PEE?

- A experiência demonstra que quanto mais unidos, mais fortes, mais estáveis forem os objectivos dos partidos comunistas, quanto mais forte for o movimento comunista internacional, mais fácil será criar alianças com outras forças anti-imperialistas. É nesse sentido que trabalhamos e nos entendemos.

- Mas na Grécia e em Portugal existem outros obstáculos à acção, tais como as leis de financiamento e funcionamento dos partidos políticos, o que levante sérios problemas ao PC’s...

- O importante é perceber que essas medidas foram aprovadas para golpear o movimento popular de resistência e protesto. Medidas restritivas, repressivas contra os partidos comunistas, é verdade, mas cujo verdadeiro objectivo é atacar a capacidade e a qualidade da resposta dos povos. É isto que se torna necessário denunciar junto de todas as pessoas.

Capitalismo semeia a guerra

- Recentemente visitou o Líbano. Que impressão retirou dos contactos mantidos e da observação da situação no terreno?

- Nada mais do que o que todos os povos do mundo têm podido observar: a brutalidade da agressão israelita.
Os EUA, a UE e a ONU deram muito tempo a Israel para alcançar os seus objectivos nesta guerra. É importante sublinhar que se trata de uma guerra imperialista. Israel não está isolado nesta campanha, serve os interesses norte-americanos de uma rearrumação de forças no Médio Oriente levando para a frente um conflito decidido antecipadamente. Uns dizem que estava previsto para Dezembro, mas o facto é que encontraram um pretexto e avançaram.
Esta guerra levanta ainda outra questão mais geral e que julgamos ser decisivo aprofundar: saber se um povo tem o direito de defender o seu país com todos os meios disponíveis, incluindo a luta armada, e se os trabalhadores e a classe operária têm o direito de escolher os meios com que preservam a sua soberania e lutam pela emancipação social.
Dentro de dias vamos realizar um encontro em Atenas – no qual o PCP também vais estar presente – onde contamos juntar partidos comunistas e outras formações do Médio Oriente. O objectivo é discutir, trocar ideias, com destaque, claro, para a auscultação dos camaradas de Israel, do Líbano, da Palestina.

- Em caso de alargamento deste conflito pode haver uma contra-resposta conjunta dos partidos comunistas e dos povos nos diversos países?

- Os imperialistas quando não alcançam os seus objectivos desencadeiam intervenções armadas, semeiam conflitos. Está claro para nós que esta linha de política externa vai continuar procurando criar divisões entre as forças populares, quer entre países, quer no seio de cada país. Vamos abordar isso neste encontro que refiro e depois de analisarmos a situação podemos começar a traçar uma linha de acção.

- No que toca ao conflito no Chipre, qual é a posição assumida pelo PC da Grécia?

- Temos que tomar em conta que os EUA e a Grã-Bretanha pretendem ganhar a Turquia para o seu lado, isto é, alinhá-la com os projectos que querem implementar na região do Médio Oriente, portanto não vão hesitar em «oferecer-lhes» a ilha de Chipre e alguns arquipélagos no Mar Egeu.
A participação do Chipre na UE e a posterior entrada da Turquia não resolve nada, até porque a UE perdeu os seus próprios princípios e os únicos que agora fazem caminho são os dos grandes interesses, os correspondentes aos desejos estratégicos do capital dominante.

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