Declaração de Bernardino Soares, Membro do Comité Central do PCP

«A política do Governo favorece o sector privado e enfraquece o SNS e o direito à saúde»

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Está clara a política do Governo PSD/CDS na área da saúde: favorecer o negócio privado e desvalorizar o Serviço Nacional de Saúde, acelerando o que o Governo anterior já tinha em curso. Para a população está mais difícil o acesso aos cuidados de saúde.

Ao fim de quatro meses, entre demissões, nomeações e outras atribulações, o que fez o Governo?

Continuou a degradar o SNS:

  • Não deu nenhuma resposta às questões dos profissionais de saúde, boicotando e adiando as negociações; ao invés, propõe mais carga de trabalho, mesmo sabendo que essa é uma das razões do abandono do SNS pelos profissionais; propõe suplementos e bónus em vez da melhoria da remuneração base. Saudamos as recentes e próximas lutas dos médicos e dos enfermeiros, por melhores condições de trabalho e na defesa do SNS.
  • Manteve a situação de confusão em consequência da criação das Unidades Locais de Saúde que antes criticava.
  • Retardou os concursos para os médicos recém especialistas deixando-os à mercê da contratação pelos privados.
  • Tem em curso medidas de limpeza administrativa de lista de utentes em espera para médico de família (130 mil utentes) ou consultas de especialidade (com o reenvio de milhares para os cuidados primários).
  • Não resolveu os encerramentos sistemáticos de urgências e outros serviços.
  • Agravou o já baixíssimo nível de investimento público (15,6% no final do primeiro semestre), e tem em perigo a execução de vários projectos PRR.
  • Prepara-se para retirar mais funções dos centros de saúde do SNS transferindo-os para o sector privado, designadamente para as farmácias.

Em consequência, a saúde está mais cara e mais inacessível para os portugueses:

  • Aumentam os custos pagos directamente pelas famílias, em média 5,2% dos orçamentos familiares, a 3ª maior percentagem da OCDE; são quase 8 mil milhões de euros por ano, um valor que aumentou 33% entre 2020 e 2022; em 2023 terá sido ainda superior.
  • São preocupantes as despesas com medicamentos e a incapacidade para os comprar da população com menores rendimentos, em particular idosos (30% enfrentam despesas com saúde de pelo menos 10% do seu rendimento).
  • Mantém-se mais de 1 milhão e 600 mil utentes sem médico de família.
  • Muitas famílias não têm qualquer hipótese de recorrer ao sector privado e ficam sem acesso aos cuidados de saúde.

Entretanto acelera o favorecimento do sector privado, na sequência da política do Governo anterior:

  • Prepara-se a privatização dos cuidados de saúde primários de cerca de 800 mil utentes.
  • Avança a partilha de dados em saúde com os grupos privados quando o mesmo continua a não ser possível entre grande parte dos estabelecimentos do SNS. Apesar dos anúncios, não está em curso  um verdadeiro projecto de Registo de Saúde Electrónico/Processo Clínico Electrónico, sendo necessário esclarecer onde estão a ser gastos os 300 milhões de euros previstos no PRR para a transição digital da saúde.
  • Prepara-se a retoma das PPP, a somar às que o PS deixou, alargando desde já o papel da Altice, através da manutenção da gestão privada da Linha SNS24.
  • Aumenta a contratação de exames e tratamentos ao privado com custos acrescidos para o SNS (mais 30% em cinco anos).
  • Prepara-se a entrega de centenas de milhares de consultas ao sector privado sem que se saiba como vai ser o seguimento destes utentes após a consulta.

O Governo toma medidas conjunturais para problemas estruturais, que na verdade não quer resolver. A única política estrutural na saúde é, neste momento, entregar ao privado aquilo que for do seu interesse, transferindo cada vez mais recursos públicos. Cada Euro que o Governo transfere para o privado custa dois ao SNS: um que tem de pagar aos privados com o seu orçamento e outro que deixa de ter disponível para investir nos serviços públicos.

O privado floresce, mas não é solução para a população:

  • Há uma total falta de transparência do privado sobre as condições de contratação, horários e garantia de profissionais em número e especialização suficiente para assegurar os serviços.
  • A prática clínica é subordinada ao lucro; prolifera o incentivo a cirurgias e exames muitas vezes desnecessários; fazem-se cesarianas em vez de partos normais, por ser mais lucrativo.

O privado captura o interesse público, condiciona as decisões do Estado e não é uma resposta adequada. Alguns exemplos:

  • O caso da concertação de preços dos testes COVID a cobrar ao SNS em cada região, recentemente conhecido;
  • A condenação dos hospitais privados pela Autoridade da Concorrência por concertação de preços e ameaça de suspensão de serviços nos contratos com a ADSE;
  • A denúncia pela Entidade Reguladora da Saúde de publicidade enganosa sobre serviços de  urgências e atendimentos permanentes nos hospitais privados. De facto estes serviços, assim apresentados, não cumprem os requisitos de presença e diferenciação de profissionais exigidos, por exemplo, aos hospitais públicos;
  • A sistemática prioridade aos utentes privados em relação aos que são enviados pelo SNS, sem qualquer controlo público;
  • As frequentes reclamações dos utentes sobre questões financeiras, designadamente por sobrefaturação de actos.
  • A exiguidade da efectiva resposta dos seguros de saúde, que apenas suportam 4,3% da despesa em saúde apesar de propagandearem mais de 3,5 milhões de pessoas com seguros.
  • Só 8% dos tratamentos em hemodiálise são assegurados por entidades públicas; 70% da prestação destes cuidados está na mão de duas multinacionais.

Entretanto o privado floresce. Entre 2020 e 2022 as receitas aumentaram 30%. Em 2023 os lucros do grupo Luz Saúde aumentaram 16% e os do grupo CUF 9,5%. Curiosamente as suas taxas efectivas de IRC são de 4% no primeiro e 11,1% no segundo, apesar de a taxa nominal ser de 21%. Preparam-se mais investimentos e a construção de novas unidades, só possíveis com a garantia do poder político de que lhes vai ser garantida a sustentabilidade financeira.

Também a Indústria Farmacêutica pressiona para um aumento brutal dos seus rendimentos. Os custos do SNS com medicamentos aumentaram 30% em 5 anos, quer na despesa hospitalar, quer nas comparticipações em farmácia. Os custos para os utentes também aumentaram e muitos não conseguem comprar todos os medicamentos.

O Governo comporta-se como o agente de negócios do sector privado. Governa para engrossar os seus lucros, mesmo que isso signifique negar o acesso à saúde a largas faixas da população.

Mas só o SNS, moderno, com infra-estruturas e equipamentos renovados, mais profissionais e profissionais valorizados, pode dar resposta completa às populações, apostar na prevenção, garantir a proximidade dos cuidados e diminuir significativamente os custos para as famílias.

Este investimento no SNS é uma aposta no direito à saúde e um importante factor de desenvolvimento e justiça social, permitindo o acesso a todos, independentemente da sua condição sócio económica.

Medidas que, entre outras, se impõem de imediato:

  • O aumento da remuneração base dos profissionais, carreiras com progressão, dedicação exclusiva com majoração 50% no SNS;
  • O reforço imediato do investimento e financiamento do SNS;
  • A gestão pública, com autonomia, de todas as unidades do SNS e dos respectivos serviços;
  • A contratação imediata dos médicos recém especialistas recentemente formados;
  • A gratuitidade de medicamentos para maiores de 65, doentes crónicos e com insuficiência económica;
  • A fiscalização da prestação dos cuidados no sector privado, seja os que são contratados pelo SNS ou outras entidades públicas, sejam os que o são directamente com os utentes;
  • Racionalizar gastos com medicamentos, designadamente de consumo hospitalar, reforçando os meios do Infarmed e das comissões de farmácia e terapêutica de cada unidade.
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