Camaradas e Amigos,
Na Proposta de Lei Quadro apresentada pelo Governo PS sobre Transferências de Competências para as Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais”, bem como no seu Projecto de D.L sectorial da educação não se vislumbra qualquer vontade de valorizar e qualificar a escola pública, nem tão pouco de aproximar os centros de decisão das populações.
Aliás, de acordo com a proposta de lei do Governo PS, deste processo não pode resultar aumento da despesa pública, algo que tem sido comum aos vários processos de municipalização, quer pela mão de governos do PS ou do PSD e CDS. Tal como no passado, propõem-se transferir para os municípios matérias da competência actual dos órgãos de gestão das escolas e agrupamentos, numa clara política de centralização.
Não podemos considerar qualquer processo de descentralização de responsabilidades e competências sem iniciar um verdadeiro processo de descentralização política com a criação de regiões administrativas o que, como sabemos, não se vislumbra no imediato.
Aparentemente, este documento confirma a remissão da Administração Central para um papel meramente regulador. Que apenas os curricula e o corpo docente seriam assumidos pelo Estado.
Uma leitura mais atenta do D.L. Sectorial, atribui aos Municípios a competência da gestão, o que corresponderá a uma centralização de atuais competências dos Órgãos de Gestão Escolar e mais um empobrecimento à gestão democrática das escolas, e ao papel dos seus órgãos eleitos.
Uma reconfiguração de modelo como o preconizado exige uma discussão alargada com a Comunidade Educativa e com os Municípios, o que não bate certo com intenção iniciar a transferência de competências no ano lectivo de 2018/2019.
Para iniciar qualquer discussão sobre a descentralização de competências é necessário que exista uma proposta base de lei com a delimitação de atribuições entre os órgãos da Administração Central e órgãos da Administração Local, bem como com o enquadramento financeiro pressuposto, legislação de caracter universal e com fórmulas de financiamento claras.
Mais uma vez tal não acontece. Sendo remetido para uma eventual nova lei das finanças locais, ou para eventuais programas de financiamento mediante a afectação de verbas provenientes de fundos europeus estruturais e de investimento.
A análise dos diplomas não pode ignorar o estado de subfinanciamento dos estabelecimentos de ensino do 2.º e 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, o estado de degradação em que as muitas escolas se encontram, a ausência de equipamentos, assim como a insuficiência dos respectivos quadros de pessoal.
A perspectiva de garantir que a actual despesa seja repartida pelos municípios deixa um ónus e uma pressão para que estes passem a assegurar responsabilidades financeiras que até hoje os sucessivos governos nunca assumiram.
Ao subfinanciamento acresce o crónico subinvestimento dos sucessivos governos nos estabelecimentos de ensino que pretendem transferir para os municípios.
O cinismo não poderia ser maior. Por antecipação, enquanto simulam uma alegada discussão com as autarquias locais para a transferência destas competências, o governo chantageia os municípios para assumirem 50% das despesas elegíveis relativas à componente nacional do investimento nos estabelecimentos que pretendem transferir (e uma parte significativa não é elegível).
Em causa estará a responsabilização dos municípios por investimento urgente sem a atribuição de quaisquer instrumentos financeiros que lhes permita responder à reabilitação ou construção de estabelecimentos de ensino, mas também a limitação da própria gestão dos orçamentos das escolas através da obrigatoriedade da consignação de receitas dos próprios estabelecimentos para a sua manutenção e equipamento, com claro prejuízo do desenvolvimento de projectos educativos próprios.
O governo lava as mãos e empurra os municípios para soluções de gestão e contratação de recursos e de equipamentos educativos fornecidas por grupos económicos emergentes no sector da educação.
O caminho que já se iniciou com a aparente escola a tempo inteiro com as actividades de enriquecimento curricular e com a Componente de Apoio à Família, tenderá a alargar-se a outras componentes do processo educativo ao nível do Ensino Básico e do Secundário.
As matérias que este documento identifica como eventuais transferências para os Municípios, são as áreas que os sucessivos Governos têm votado ao subfinanciamento e desinvestimento.
Refere-se que “a Carta Educativa é, necessariamente, o reflexo, a nível municipal, do processo de ordenamento a nível nacional e intermunicipal da rede de ofertas de educação e formação”.
No entanto não se conhecem instrumentos de planeamento nacional ou regional, e uma vez mais não aparecem referências à elaboração pelo Ministério da Educação de uma Carta Educativa Nacional, nem tão pouco são conhecidos os parâmetros técnicos de elaboração e revisão das cartas Educativas. Importa lembrar que foram os municípios os primeiros a desenvolver instrumentos de planeamento, mesmo antes da legislação os consagrar.
Dizem que a “Carta Educativa deve refletir a estratégia municipal para redução do abandono escolar precoce e para formação do sucesso educativo”.
Importa lembrar que cabe ao Governo promover do ponto de vista pedagógico, as medidas de redução de abandono escolar precoce e do insucesso educativo, não só do ponto de vista curricular, mas do ponto de vista da colocação de professores e outros técnicos especializados, bem como de organização do ano lectivo.
Estabelece-se que “as características dos equipamentos educativos obedecem a termos de referência fixados, em conformidade com a Lei, pelos departamentos governamentais com competência na matéria”.
A execução é remetida para os Municípios, mas o Governo continua a concentrar toda a decisão, num claro desrespeito pelo princípio da autonomia do poder local.
O Poder Local Democrático tem conferido à Educação e ao Ensino um estatuto de prioridade na sua intervenção, mobilizando a comunidade para a reflexão e ação a favor da concretização deste direito fundamental de todos, devendo-se-lhe o protagonismo na constituição dos Conselhos Municipais de Educação.
Apesar da excessiva tipificação a que foram sujeitos pela lei, recentemente assistiu-se a uma melhoria ao nível da composição, passando a integrar os órgãos de Direcção e Gestão das escolas e agrupamentos. No entanto, mantém-se a confusão enquanto órgão consultivo do município e competências híbridas de outro tipo de órgãos, nomeadamente de gestão.
A proposta de criação de uma Comissão Executiva e uma Comissão Alargada nos Conselhos Municipais de Educação reforça a confusão entre um órgão consultivo e um órgão local e desconcentrado da administração escolar.
Se tomarmos como exemplo os transportes escolares, verificamos que a eventual concretização da proposta, nesta área, colocaria problemas de difícil resolução, quer a nível logístico, quer a nível financeiro, tanto maiores quanto maior for a dispersão geográfica e populacional e mais fraca a rede de transportes públicos existente.
Os impactos significativos nos custos e na extensão da rede não estão a ser tidos em conta, ficando assim evidente as reais intenções do princípio já anunciado de não aumento da atual despesa pública.
Por fim ignora-se o impacto nas estruturas municipais, quer ao nível de trabalhadores, nomeadamente no que se refere ao reforço das equipas técnicas e operacionais afectas à Unidade Orgânica da Educação, mas também ao nível das Unidades Orgânicas de Recursos Humanos, Gestão Financeira, Obras ou Contratação Pública, entre outras, com os necessários reforços de Estrutura Intermédia, como encarregados ou coordenadores técnicos, bem como da Estrutura Dirigente.
Parece estarmos perante um projeto em que os Municípios são assumidos como entidades que, podendo não ter a capacidade ou recursos para desenvolver as atribuições e competências propostos, poderão ter parcerias, ou seja, poderão ser um instrumento de privatização de funções sociais do Estado e Serviços Públicos.
A questão central neste projecto de diploma sectorial é mesmo a universalidade do direito à educação, a universalidade no acesso à educação e à Escola Pública, e a universalidade nas condições que garantam e promovam o sucesso educativo e que, com a aprovação deste diploma passariam a estar pulverizados pelos municípios, sem se garantir uma política nacional de educação e ensino, que é também garante de Soberania Nacional, potencial de transformação e de emancipação humana.