Camaradas,
A Educação tem sido das áreas mais fustigadas por políticas que, ora imbuídas de uma forte componente ideológica de matriz vincadamente neoliberal, ora orientadas por interesses puramente economicistas, têm provocado estragos que só o forte empenho dos profissionais e a profunda identificação dos portugueses com os princípios democráticos da Escola Pública impediram danos irreversíveis. E quando as políticas não são de ataque directo à Escola Pública, é forte a intenção, muitas vezes concretizada em medidas, de desvalorizar os seus profissionais, o que acaba por também se reflectir na capacidade de organização, funcionamento e resposta dessa escola de todos e para todos.
Reza a nossa história da Educação que, por norma, os governos PSD ou PSD/CDS são os que mais procuram subverter a matriz democrática da Lei de Bases do Sistema Educativo, contrariando, aliás, o preceito constitucional que impõe ao Estado a garantia de uma rede de escolas públicas capaz de satisfazer as necessidades de toda a população portuguesa. Nesse sentido, de uma forma mais dissimulada, como aconteceu no período em que Nuno Crato foi ministro, ou mais assumida, como fez David Justino, os ataques à Lei de Bases do Sistema Educativo destinam-se a aprovar alterações que diminuam a Escola Pública, enquanto resposta de qualidade, para todos, inclusiva e gratuita. Tentam introduzir o princípio da chamada liberdade de escolha, varrer níveis de participação e decisão colegial, criar novas tutelas e garantir mecanismos de controlo centralizado que eliminem espaços de autonomia, por menores que sejam. E se o PSD, com David Justino, viu travados os seus objectivos pelo veto presidencial de então, o anterior governo PSD/CDS viu esfumar-se o seu projecto de reforma do Estado, na verdade, de destruição das funções sociais do Estado, por vontade dos portugueses que, em 2015, retiraram a maioria parlamentar que, até aí, suportava o seu governo.
Já os governos do PS – mais facilmente, ainda, quando detêm maioria absoluta –, enchendo a boca com a Escola Pública, tomam medidas que, na prática, a fragilizam, abrindo portas que, à direita, mais tarde, facilita o desenvolvimento do seu projecto. Foi com o PS que os últimos laivos de gestão democrática foram extintos, como foi com o PS que se desferiram dos maiores ataques aos profissionais da Educação, em particular aos professores e educadores. Quem não recorda e não recordará, para sempre, o tempo em que Maria de Lurdes Rodrigues, ministra de Sócrates, em período de maioria absoluta do PS, desencadeou a maior campanha de desvalorização profissional e social dos docentes, chegando ao ponto de considerar irrelevante o facto de perder os professores, desde que isso lhe permitisse ganhar a opinião pública.
É bom não esquecer o passado, pois dele retiramos lições que nos ajudam a viver o presente e a preparar o futuro, mas falemos, agora, do tempo actual.
Com a derrota da direita e a existência de uma nova maioria na Assembleia da República, foi possível, desde logo, travar o curso da política geral, logo, também da educativa, que estava a ser desenvolvido. O dito guião da reforma do Estado ficou pelo papel e algumas medidas com significado positivo foram tomadas, verdade se diga, boa parte por influência ou iniciativa do nosso Partido. Recordo o fim dos exames nos 4.º e 6.º anos de escolaridade ou a gratuitidade dos manuais escolares; para os docentes, medidas como o fim da PACC ou das BCE foram muito importantes; para a generalidade dos trabalhadores, a reposição do valor integral dos salários ou o fim da chamada requalificação não podem nem devem ser desvalorizadas, até porque resultaram de grandes lutas que se travaram. Isto só para dar alguns exemplos de medidas que, entre outras, afastaram problemas que, não raras vezes, se arrastavam há anos e constituíam focos de conflito entre o governo e a comunidade educativa, no seu todo ou com alguns dos seus corpos.
Contudo, chegados que estamos à segunda metade da Legislatura, o tempo já não é o de resolver problemas avulsos, mas o de tomar medidas de fundo, que ataquem os problemas estruturais do sistema educativo português, que respondam às necessidades das escolas e que valorizem os profissionais do sector, respeitando os seus direitos e melhorando as suas condições de trabalho. Acontece que, por um lado, porque tais medidas exigem investimento a sério e não, apenas, ficcionado, por outro lado, porque não basta repetir uns slogans sobre a Escola Pública é mesmo necessário ter conhecimento, competência e convicção, chegados a este ponto constatamos que a porca começa a torcer o rabo.
São necessárias medidas de fundo. As escolas públicas necessitam, urgentemente, de voltar a ter uma gestão democrática. E essa é mesmo a pedra de toque da Escola Democrática, pois não há escola que possa educar para a democracia se ela mesma não se organizar democraticamente. E perdoem-me que afirme o que penso, mas, em minha opinião, os democratas não se deveriam envolver neste regime de gestão, legitimando-o. Pelo contrário, deveriam juntar as suas forças às de quem assume o combate a esse modelo e quer acabar com ele, devolvendo às escolas a democracia que lhes foi roubada e dando-lhes condições para poderem, de verdade, assumir a tão indispensável autonomia. A autonomia que às escolas faz falta não é a que se esconde por detrás da palavra homónima que, muitas vezes, os governantes usam. Nunca haverá autonomia enquanto as escolas, em vez de gestão democrática, continuarem a ser dirigidas por um órgão unipessoal e a esmagadora maioria de docentes e não docentes for afastada dos níveis de decisão mais elevados. Por esta razão, para o PCP, a defesa da gestão democrática das escolas terá de continuar a ser uma das suas prioridades na Educação.
Outras medidas são, igualmente, indispensáveis, como o documento base do nosso Encontro assinala. São necessários recursos que garantam a inclusão e não um faz-de-conta como se prepara o governo para fazer, com a publicação de um diploma legal, hipocritamente designado de regime de inclusão escolar, mas que, na verdade, se traduzirá num retrocesso enorme em relação ao que hoje existe, mesmo sabendo-se quanto, desde 2008, se retrocedeu.
O governo continua a adiar a aprovação do diploma para que, caindo em cima da preparação do próximo ano lectivo, não haja tempo para o contestar, mas, entretanto, já promove a formação que visa garantir a formatação dos profissionais. Eis outro dos combates prioritários que temos pela frente.
Outro, ainda, é o da descentralização e com a consciência de que esta designação está a ser usada pelo governo e pelo PS para esconder o que, realmente, está a ser negociado com o PSD. Mas Rio esclareceu, há dias, em entrevista na televisão: o que o seu partido está disposto a aceitar é um processo de municipalização e deixe-se o PS de rodriguinhos, pois é isso que também quer e negoceia com a direita. Não podemos, nem vamos aceitar a municipalização e por variadas razões, em nenhum dos casos estando em causa a confiança e respeito que nos merecem os actores do poder local democrático. Simplesmente, há competências que, pela sua natureza, não deverão ser dos municípios e mesmo em relação às que deverão, já se percebeu que o que o poder central pretende é ver-se livre de responsabilidades, de despesas e de chatices.
Há, ainda, outras medidas que continuam por tomar de que são exemplo a redução efetiva do número de alunos por turma, a valorização das vias artísticas ou a valorização das vias profissionais, desde logo a começar pelo seu financiamento… e esse tem sido o busílis da questão educativa: o financiamento da Educação, problema que advém da opção política dos governos. O Ministério da Educação é, de entre todos, o que ficou mais para trás.
Para parecer que houve reforço, os atuais governantes tiveram de comparar o incomparável – orçamentado de um ano com orçamentado para o seguinte _, mal-disfarçando o seu discurso de investimento na Educação. É verdade que se estancaram os cortes; é falso que tenha havido investimento.
Essa falta de investimento faz-se sentir, e de que maneira, na quantidade, na diversidade, na estabilidade, nas condições de trabalho e no respeito pelos direitos dos profissionais da Educação, designadamente no que respeita às suas carreiras, à necessidade de rejuvenescimento dos diversos corpos profissionais ou à organização dos respectivos horários de trabalho que, há muito, deixaram de corresponder à duração e organização que a lei estabelece. Às escolas faltam docentes, assistentes operacionais, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas, entre outros profissionais, pois o seu número tem vindo a ser reduzido muito acima do que tem sido a redução do número de estudantes e sem ter em conta as necessidades crescentes das escolas para satisfazerem as justas e legítimas expectativas que as comunidades em si depositam.
E não nos deixemos levar pelas loas de PS, PSD e CDS. Não é a revisão da Lei de Bases que resolverá os problemas. Os que a querem rever têm outros propósitos. Querem derrubar as portas que dificultam ou impedem a municipalização e a privatização. A Lei de Bases não tem de ser revista, tem é de ser cumprida.
Pare resolver os problemas e garantir que o governo desenvolve uma política patriótica e de esquerda também na Educação, são necessárias propostas e o nosso Partido é o que, nesse sentido, mais tem trabalhado. Mas não basta. Podemos ter as melhores propostas do mundo, mas se não lutarmos por elas, podemos crer que não serão tidas em conta, pelo menos as que exigirem maior investimento ou contrariarem mais frontalmente os ditames neoliberais dos grandes centros de decisão do capital, de que a OCDE é ponta de lança no mundo, defendendo e tentando impor sistemas educativos que formem para o mercado de trabalho e não sistemas que formem cidadãos em todas as suas dimensões, aptos, também, para o mundo do trabalho.
É neste contexto que a luta surge como principal motor das mudanças que são necessárias. E ao contrário do que tantas vezes se ouve dizer, os portugueses não lutam de mais, lutam de menos. Cabe ao nosso Partido e aos seu militantes, nas escolas (sejam docentes, trabalhadores não docentes, estudantes ou encarregados de educação), nas associações em que participam, nos sindicatos, nas autarquias, na comunidade que integram, dinamizar a luta. A luta por uma Escola Pública de qualidade, para todos, inclusiva e gratuita, pois, como afirmou Paulo Freire, a Educação não transforma o mundo, mas muda pessoas e estas são quem transforma o mundo. Lutemos, então, por essa Escola Democrática que será decisiva para as transformações por que nós lutamos e que a este mundo fazem cada vez mais falta.
Viva Escola Democrática! Viva o PCP!