Intervenção de Vasco Cardoso, membro da Comissão Política do Comité Central, Debate «Produzir mais para dever menos»

Portugal encontra-se hoje perante um insuportável e ilegítimo processo de extorsão dos seus recursos nacionais

Camaradas e amigos

O debate que hoje aqui realizamos no Porto é o segundo de uma série de quatro que estão a decorrer no âmbito da campanha nacional promovida pelo PCP por uma alternativa política patriótica e de esquerda.

Depois de uma abordagem sobre as questões relacionadas com o Euro, segue-se hoje uma reflexão sobre a produção nacional e o endividamento do país. Mais adiante, em Coimbra e depois em Lisboa trataremos de matérias relacionadas com as funções sociais do Estado, e também dos aspectos ligados à defesa da soberania nacional e do permanente e cada vez mais agudo confronto entre a política de direita e a Constituição da República Portuguesa.

Este é pois um debate da máxima importância e da maior actualidade.

Da máxima importância porque se destina a aprofundar e a divulgar os eixos essenciais da política patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao país e que aponta um caminho de ruptura com décadas de abandono do aparelho produtivo nacional e de agravamento da dependência externa.

E da maior actualidade porque ocorre dias depois do Tribunal Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade de um conjunto de artigos do Orçamento do Estado, decisão essa que tornou ainda mais visível o carácter insustentável da política de desastre que o Governo tem neste momento em curso e a urgência de lhe pôr.

Camaradas e amigos

Conforme se aponta no lema desta iniciativa, só produzindo cada vez mais se poderá dever cada vez menos. Esta é uma realidade incontornável para a qual justamente o PCP tem alertado ao longo de décadas. Não tem sido no entanto esta a opção de sucessivos governos cujas opções têm passado por um deliberado desprezo pelos sectores produtivos.

A indústria e a agricultura no seu conjunto representavam em 1986 cerca de 38% do PIB nacional, em 2012, esse valor já não ia além dos 17%. Ou seja, no período posterior à entrada de Portugal na CEE, estes dois sectores reduziram o seu peso no PIB em cerca de 55%. Inversamente o endividamento externo cresceu desmesuradamente. Se nos concentrarmos na dívida pública, e sem prejuízo a uma análise mais detalhada e reveladora das múltiplas componentes ilegítimas, verificamos que esta passou de cerca de 59% do PIB em 1995 ( cerca 51 mil milhões de euros, para 123% do PIB em 2012, ou seja, mais de 201 mil milhões de euros.
Uma dívida que resultou, não de um povo “a viver acima das suas possibilidades”, mas de um processo de aprofundamento da dependência externa e de subordinação aos interesses dos grupos económicos e financeiros e das potencias estrangeira. Mas é importante que se saiba que com o endividamento do país ganharam aqueles que nos impuseram a liquidação do aparelho produtivo – como a França e a Alemanha – e a quem passámos a comprar aquilo que o país deixou entretanto de produzir.

Com o endividamento do país ganharam e ganham os bancos da Alemanha, da Inglaterra, da Espanha, da Holanda, da França e também de Portugal, que de forma escandalosa se financiaram junto do BCE a taxas de juro de cerca de 1%, para depois adquirirem dívida pública cobrando 6%, 7% e até 8% ao estado português, numa ilegítima usurpação de recursos nacionais. Com o endividamento do país ganham aqueles que, por detrás da Troika, se preparam para saquear mais de 35 mil milhões de euros de juros dessa chamada ajuda externa que está a arrasar com o país.

Como consequência desse endividamento, da cumplicidade e papel da União Europeia e do quadro decorrente da natureza e funcionamento do capitalismo, Portugal encontra-se hoje perante um insuportável e ilegítimo processo de extorsão dos seus recursos nacionais ao mesmo tempo que está, não só mergulhado numa profunda espiral recessiva, mas também, confrontado com uma política de comprometimento do seu futuro, com quebras históricas no investimento – público e privado – com a privatização de importantes sectores estratégicos, com a fuga em massa de milhares de trabalhadores e um esmagamento sem precedentes do seu mercado interno.

A defesa da produção e do aparelho produtivo nacional é uma necessidade incontornável e inadiável para responder aos problemas estruturais com que o país se defronta. Não há saída para os problemas do crescimento económico, do emprego, do ordenamento do território, do endividamento externo e mesmo das finanças públicas sem uma política que inverta de forma sustentada o rumo de destruição da base produtiva do país.

Nenhum país pode ter futuro sem produção de bens transaccionáveis. Porque a população precisa de alimentar-se, vestir-se, alojar-se, deslocar-se, de todo um conjunto de meios de vida, que asseguram a sua subsistência, a sua ocupação e o seu bem-estar, que são produto das actividades agrícolas (e das pescas) ou das actividades industriais (extractiva e transformadora, incluindo também aqui a produção de energia onde Portugal é altamente deficitário).

Não há alternativa. O país precisa de produzir. E precisa de produzir mais bens transaccionáveis, em que progrediu pouco, se atrasou e está a perder muito.

O agravamento da crise do capitalismo expôs nestes últimos anos mais claramente a fragilidade do tecido produtivo português. Os persistentes défices comerciais fazem-se sentir agora no brutal endividamento externo e na incapacidade, mesmo que se aceitasse pagar o tributo à agiotagem internacional, de financiar o normal (mas distorcido) funcionamento da vida nacional.

Não há solução para este problema sem atacar frontalmente a causa primordial de as importações de bens excederem sistematicamente as exportações. Não há solução sem aumentar a produção nacional. E não apenas para aumentar as exportações, como defende uma certa linha de pensamento ligada às ambições económicas de alguns grupos, que no fundo em vez de pôr as exportações a servirem o país gostariam de pôr o país a servir as suas exportações. Aumentar a produção também para reduzir as importações: em vez de, como sucedeu durante anos, as importações substituírem a produção nacional, tem que ser agora a produção nacional a substituir as importações.

Os défices industrial e alimentar externos podem ser atacados de pronto aumentando a utilização da capacidade instalada nas fábricas e da terra desaproveitada na agricultura. A redução do défice tecnológico, que exige a superação de grandes atrasos e o investimento inovador, em novas áreas, incluindo na educação, formação e investigação, naturalmente morosas, será mais demorada, mas pode ser conseguida paulatinamente. A maior preocupação no imediato e nos próximos tempos é o défice energético, de difícil resolução, dada a grande insuficiência das fontes energéticas exploradas no país.

É também sabido que para as empresas produzirem é preciso que vendam ou, visto pelo outro lado, que lhes comprem. Mas para isso é necessário que a população tenha meios de o fazer. A elevação do poder de compra dos trabalhadores e das populações, sobretudo as mais carenciadas, que consumirão relativamente mais da produção nacional, é uma condição básica para combater a pobreza persistente, defender e melhorar os níveis de vida, corrigir injustiças e desigualdades, mas também uma condição imediata necessária para salvar numerosas pequenas e médias empresas, para travar a recessão e empreender o caminho de volta ao crescimento económico. O aumento do salário mínimo (tal como as baixas pensões) em vez de refreado deve ser acelerado.

Camaradas

A política patriótica e de esquerda que o PCP propõe vai em sentido contrário a política do FMI, do Banco Central Europeu e da União Europeia, trazidos ao país pela mão do PS, do PSD e do CDS/PP. O objectivo de saneamento das finanças e correcção sustentada dos desequilíbrios externos, não será alcançado cumprindo o chamado memorando de entendendimento como defendem estes três partidos que o assinaram, incluindo o PS.

O que sim é certo, absolutamente certo, é que, a não ser travada esta ingerência na vida do país e esta verdadeira agressão ao povo português, haverá mais recessão, mais exploração, mais cortes nos rendimentos dos trabalhadores, dos reformados, dos desempregados e das famílias, mais dificuldades, mais insegurança, mais pobreza.

A impossibilidade de continuar como dantes impõe a necessidade, e a agudização das dificuldades impõe a premência, de grandes alterações na organização e funcionamento da sociedade. Cabe às forças progressistas aproveitar a consciência desta inevitabilidade para reunir força social e política capaz de golpear profundamente o poder dos monopólios, derrotar a política de direita e de abdicação nacional ao seu serviço, derrotar as intervenções externas que os poupam e beneficiam, e fixar um novo rumo ao serviço dos trabalhadores, do povo e da pátria. È esse o contributo que o PCP continuará a dar.

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