Intervenção de Rogério Reis, membro do Comité Central, XXI Congresso do PCP

Revolução científica-técnica

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O fenómeno não é novo. Com a incorporação de cada vez mais técnica nos processos produtivos, tendemos a olhar para esta como um perigo para os nossos empregos, utilização da nossa força de trabalho e fonte dos nossos rendimentos.

Habituámo-nos a ver robots nas linhas de produção, que soldam e montam a uma cadência impossível de manter por qualquer humano; linhas de montagem inteiras operadas por uma só central de controlo; a substituição de portageiros ou cobradores de transportes públicos, por dispositivos automáticos; nos supermercados, dispositivos que registam as nossas compras sem intervenção de qualquer trabalhador; máquinas “multibanco” para movimentar a nossa conta bancária; contadores domésticos que registam os nossos consumos de água e electricidade à distância.

É pois natural a tentação de culpabilizar a técnica (e “por tabela” a Ciência que a suporta) pela aparente destruição de postos de trabalho que com ela parece inevitável.

A técnica (como a Ciência) são indissociáveis da humanidade, como espécie. É a nossa capacidade de entender a realidade, para a poder prever e modificar, que faz de nós uma espécie bem sucedida. Por isso mesmo este fenómeno de sofisticação dos processos produtivos não é novo nem novas são as suas consequências. O conhecimento e evolução técnica, em si mesmos, não estão imbuídos de propósitos de classe. Estes resultam das suas utilizações.

O avanço do conhecimento, permite libertar o homem do jugo do trabalho forçado para satisfação das suas necessidades que, por sua vez, se alargam e humanizam, devolvendo um tempo livre imprescindível à realização e felicidade humanas. Mas esta consequência não é, como nunca o foi, automática no modo de produção capitalista. Neste modo de produção, o menor peso do trabalho vivo na produção impele o Capital a procurar novas formas de intensificar a exploração.

A História mostra que a apropriação, por parte do Trabalho, de ganhos devidos à evolução técnica nunca é oferecida “de bandeja” pelo Capital mas fruto da persistente luta dos trabalhadores. Basta lembrar a longa luta pela diminuição da jornada de trabalho. Só a correlação de forças permite, em certos momentos, impedir um maior desequilíbrio nos ganhos da revolução científica-técnica.

E se a Ciência não é coisa de uma classe, isso não significa que as suas utilizações não sejam marcadas pelo sentido de classe. Como no licenciamento da rede 5G, onde os interesses comerciais geopolíticos falam muito mais alto que os interesses nacionais. Assim, o imenso avanço e potencialidades da chamada revolução digital, se livremente conduzidos pelo Capital, poderão constituir novos e fortes perigos para os trabalhadores.

Com a revolução digital, a informação, sua propriedade e utilização passam a ter importância transcendente. É o caso da massiva colecção de dados de uma realidade do trabalho, mas também dos serviços públicos, da Comunicação Social e das comunicações em geral, assentes em suporte digital, e que constitui o cerne da chamada Inteligência Artificial, que, a não ver a sua utilização regulada, pode constituir forte instrumento no ataque à legislação laboral, completa desresponsabilização civil do grande Capital no campo do consumo e da produção, factor constitutivo de ainda maiores monopólios transversais, para além de poder ser um seríssimo meio de controlo, manipulação e repressão de massas.

Temos consciência que esta contradição entre as aquisições, como espécie, e os perigos das mesmas, quando ao serviço de alguns, não se resolve a não ser na sociedade socialista por que lutamos. Mas temos que ter sempre presente que agora, como nos séculos XIX e XX, o nosso verdadeiro inimigo não é a máquina mas o modo de produção capitalista que determina a forma da sua utilização.

Neste momento, em que é particularmente evidente a importância de haver um forte e orientado investimento nacional na Ciência, e de não permitir que esta seja apropriada e manipulada com o fito do lucro de muito poucos, é claro que a luta dos trabalhadores passa também pela exigência de uma política científica nacional, traduzida em legislação, regulação e investimento ao serviço dos trabalhadores e do País, parte integrante da política patriótica e de esquerda que defendemos.

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