As Forças Armadas são um dos pilares da nossa soberania e, como tal, devem-se caracterizar por um propósito eminentemente defensivo, com capacidade de intervenção rápida em qualquer área do território nacional, nomeadamente ao nível de pessoal, equipamento, armamento e infraestruturas adequados às actividades e missões a executar.
Mas, o que temos hoje está em flagrante desfasamento com as necessidades nacionais, fruto das políticas de sucessivos governos que não quiseram concretizar o necessário processo de reestruturação, racionalização e modernização das Forças Armadas em linha com os valores e princípios constitucionais. Governos que contaram, em situações várias, com a complacência e conivência por acção e, ou omissão, de diversos chefes militares, uns alheados da realidade outros sobrepondo as teses atlantistas ao interesse nacional.
Desfasamento, que o governo PSD/CDS oficializou através da chamada Defesa 2020, um processo de reestruturação na área da Defesa Nacional sustentado em todo um edifício legislativo e doutrinário, aprovado na legislatura passada, que aprofunda o caminho da governamentalização da instituição militar, nomeadamente através da mimetização da estrutura superior das Forças Armadas a partir das estruturas da Nato e de outros países que a integram.
Com a Defesa 2020, cujas orientações essenciais estão vertidas no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o objectivo é aprofundar a estratégia de submissão nacional à União Europeia e à NATO, procurando criar novos laços de entrosamento e enfraquecimento da capacidade de acção autónoma das nossas Forças Armadas obrigando-as a partilhar meios fundamentais à nossa defesa militar e secundarizando o seu emprego na afirmação e defesa da nossa soberania. É, por isso, fundamental contrariar as iniciativas de especialização e esvaziamento das Forças Armadas de países de menor dimensão (como é o nosso caso), com a consequente periferização de uns países em relação a outros.
Foi no âmbito deste objectivo e sob a falsa excelência da gestão privada e a máscara da potenciação da competitividade que as OGMA - Oficinas Gerais de Material Aeronáutrico passaram a ser geridas pela EMBRAER (hoje detida maioritariamente pela Boeing), os Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram concessionados a privados, o Arsenal do Alfeite se encontra no limiar do seu estrangulamento pelo incipiente investimento e o não rejuvenescimento do seu quadro de pessoal, a Empordef vive o seu desmantelamento, e outras importantes empresas na área da indústria defesa foram alienadas.
Defesa 2020 que, nos seus traços essenciais, tem sido prosseguida pelo actual governo, seja através da adesão a novas estruturas multinacionais como a Cooperação Estruturada Permanente ou a Iniciativa Europeia de Intervenção, seja pelo planeamento do investimento em equipamento militar e em novas capacidades que dão prioridade à necessidade de emprego das Forças Armadas no âmbito das missões NATO.
Como resultado, as Forças Armadas continuam a percorrer um caminho de grandes limitações.
Por um lado, limitação de meios financeiros que levantam dificuldades à manutenção e redução da disponibilidade operacional dos equipamentos, à qualificação, ao treino e à formação do pessoal, tudo conducente à redução da capacidade operacional das Forças Armadas e, por outro, à degradação e ao enfraquecimento do vínculo da Condição Militar, com a violação de direitos dos militares, desde as penalizações nos vencimentos e as limitações na progressão da carreira até à degradação das condições para o exercício da actividade diária e o estrangulamento das condições de acesso aos cuidados de saúde e apoios sociais.
Consequentemente, as Forças Armadas confrontam-se hoje com enormes dificuldades de recrutamento, nomeadamente ao nível dos regimes de voluntariado e contrato, ao mesmo tempo que continua e aumenta o número de militares do quadro permanente que manifestam intenção de abandonar as fileiras, sendo que, muitos deles, mesmo obrigados a pagar elevadas indemnizações ao Estado, optam pela rescisão do vínculo.
Tudo isto, num quadro em que se pretende envolver os militares e a instituição militar na linha da frente de múltiplas tarefas para as quais não estão adequadamente preparados e apetrechados no plano humano e material, designadamente na área da protecção civil. E, a verdade é que, como o caso de Tancos também ilustra, as Forças Armadas não deverão dar prioridade a outras missões quando não têm condições para executar aquelas que são a razão da sua existência e só a elas estão cometidas.
Daí que, em matéria de Defesa Nacional, o nosso País precise também de ter pensamento próprio, sustentado nos valores e princípios constitucionais.
Precisamos de umas Forças Armadas alicerçadas numa relação de equilíbrio e cooperação entre os 3 ramos e em sintonia com a nossa realidade constitucional, demográfica, geográfica e económico-industrial. Forças Armadas com uma estrutura superior sem duplicações entre ramos e uma organização racionalizada, com equipamento, armamento e infraestruturas adequados às necessidades e capacidades nacionais, e com uma política de pessoal que garanta a estabilidade dos militares e assuma sem equívocos a condição militar em todos os seus múltiplos aspectos.
Uma política de Defesa Nacional em que as Forças Armadas tenham como principal objectivo o cumprimento da sua missão constitucional e não o seu envolvimento em forças multinacionais. Impõe-se contrariar a orientação vigente de sobrepor o respeito pelos compromissos assumidos no plano internacional às exigências e necessidades nacionais.
Portugal, tal como o PCP há muito reclama, precisa de uma nova política, patriótica e de esquerda, sustentada nos valores da Constituição da República e que se afirme na defesa da soberania e independência nacionais.