Colo, doce colo
Vítor Dias, Avante!, 14.03.2002
Pelos vistos, a campanha não podia terminar sem que responsáveis
do Bloco de Esquerda dessem mais um testemunho da sua peculiar "nova
forma" de fazer política que consiste em deturpar, fria
e premeditadamente, as posições do PCP.
Com efeito, discursando na Aula Magna e depois de se referir à
orientação do CDS-PP, Miguel Portas sentenciou que
"o problema do Partido Comunista nesta disputa eleitoral é
que a sua proposta é, no fundo, simétrica, obviamente
diferente, mas é simétrica [à do CDS-PP]. O
PS é péssimo, horroroso, mas desde que o PCP esteja
no Governo, a coisa obviamente que é outra".
A questão é apenas esta: Miguel Portas sabe perfeitamente
que o que o PCP anunciou e reiterou, para depois de 17 de Março,
foi a sua disponibilidade "para examinar com as outras forças
democráticas as possibilidades de definição
de uma política de esquerda (que signifique um ruptura com
a política até seguida) e de concretizaçao
de uma solução governativa capaz de a respeitar, garantir
e aplicar". Logo acrescentando que, para isto, o que mais conta
é o reforço da votação da CDU.
Confundir a precisa, rigorosa e importante substância desta
posição com qualquer propósito de ir para o
governo a qualquer preço e, ainda por cima, com o efeito
automático de transformar o "péssimo" em
óptimo e o "horroroso" em exaltante é uma
pura e lamentável desonestidade, bem representativa das mais
velhas e bafientas formas de fazer política, à esquerda
ou à direita.
Acresce que esta autoproclamada "esquerda moderna" também
parece não ter grande apreço pela coerência.
Em entrevista a F. Louçã (28/2), uma jornalista do
"Público", em ostensiva deturpação,
aludiu a que para o PCP "o PS e o PSD são a mesma coisa".
Louçã aproveitou gulosamente a boleia e logo desancou
no "discurso simplista do PCP, como se todos os gatos fossem
pardos em noite de lua nova". O problema é que se, neste
âmbito, não existissem dezenas de outras afirmações
de dirigentes do Bloco de brutal amálgama entre o PS e o
PSD (como o PCP nunca fez), aí estaria a recente afirmação
de Louçã no mesmo comício de que PS e PSD eram
irmãos "absolutamente siameses" para se saber em
que cabeças passeiam gatos pardos e quem é que debita
um "discurso simplista".
Os responsáveis do Bloco andam manifestamente felizes por,
nesta campanha, serem positivamente levados ao colo pela maior parte
dos órgãos de comunicação social que,
como é sabido, suspiram por uma política radicalmente
de esquerda.
Felizes podem estar, apesar do bonito serviço que em Dezembro
prestaram à cidade de Lisboa. Mas deviam saber que impunidade
política é coisa que, se não a reclamamos para
nós, também não a concedemos a ninguém.
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