"Três
desabafos" -
Vítor Dias, Avante!, 28.02.2002
Afrontando alguns flocos do espesso nevoeiro
que está sendo soprado para cima da pré-campanha,
permitam-nos os leitores três pequenos desabafos.
O primeiro é para dar mais um exemplo
de como, na ânsia da promoção da correntemente
chamada "bipolarização" PS-PSD, vai tudo
raso, sem rigor e respeito pela verdade.
Estamos a falar da última sondagem SIC/Visão
cujos resultados apareceram classificados num texto da SIC On-line
como "continuando a ainda a revelar uma forte tendência
bipolarizadora que penaliza tanto os partidos da esquerda como da
direita".
Ora o que esta sondagem revelava era que a
CDU, por comparação com a anterior (divulgada em 8/2),
subia 0,3 pontos percentuais, o que, por si só, desmente
a tese da penalização à esquerda pela dita
"bipolarização".
O segundo desabafo tem ainda que ver com esta
sondagem e é para que a devoção e hipnotização
pelos títulos e pelos números não nos faça
perder o contacto com certas realidades.
Acontece que quem consultar os quadros evolutivos
desta sondagem reparará entre a primeira (em 21.12.2001)
e a última (em 24/2) a CDU teria suposta ou alegadamente
perdido 0,8 pontos.
Mas o que, no país inteiro, poucos cidadãos
repararão é que 0,8 pontos numa sondagem telefónica
com 810 inquiridos em que só 548 expressaram uma intenção
de voto representa a fabulosa e impressionante quantidade de 4,3
pessoas a menos a preferir a CDU, o que tanto pode acontecer por
ser verdade como por mero acaso ou normal margem de erro de uma
sondagem telefónica.
O terceiro desabafo é para sublinhar
que, estando a coerência e cultura democrática de tantos
em crise ou em saldo, não é de admirar que não
faltem comentadores que, por um lado, vão adiantando que
a eleição está "em aberto" e, por
outro, tudo façam e escrevam para que os eleitores a dêem
como fechada no que toca à apresentação do
PS e do PSD como as únicas reais opções de
voto.
E, entre outros, foi assim que há dias
vimos Eduardo Prado Coelho a remar esforçadamente contra
"o facto consumado" e, logo de seguida, sentenciar que
"aquilo que neste momento é ideologicamente a única
coisa em causa" é "saber se o próximo governo
será o de Durão Barroso ou de Ferro Rodrigues".
Não esperamos que quem assim escreve
se abra para as razões fortes do pluralismo e de uma imprescindível
diversidade do quadro partidário que vá para além
do PSD e do PS. Mas ao menos não lhes faria mal escutarem
o pertinente aviso de José Medeiros Ferreira ("DN"
de 22/1) de que "a perversidade da personalização
das legislativas na figura do primeiro-ministro acabará por
criar a impossibilidade de mandatos de legislatura" e "por
impedir a adequação de alianças e coligações,
no quadro de uma mesma legislatura".
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