Anotações sobre a Campanha
Octávio Teixeira, "Diário Económico",
12.03.2002
A meia dúzia de dias das eleições, impõem-se-me
algumas anotações sobre a pré-campanha e a
campanha eleitorais realizadas pelos dois partidos que aspiram a
ser convidados a formar o futuro Governo.
Para quem entende que o esclarecimento popular deveria ser a prioridade
das prioridades, o primeiro traço que ressalta das campanhas
do PS e do PSD é o de que talvez nunca se tenha batido tão
no fundo. Se alguma prioridade tiveram, ela foi a de esclarecer
o mínimo possível, a de arranjar ou aproveitar qualquer
pretexto para não esclarecer o que quer que fosse, das políticas
que propõem como das suas consequências. Essa estratégia
foi visível desde o debate televisivo a dois. E atingiu o
seu maior despudor com o aproveitamento que ambos fizeram do Euro
2004 futebolístico. O PS a espremer o diferendo entre o FCP
e a Câmara do Porto, visando turvar as águas e nelas
pescar votos entre os adeptos daquele, conhecido que é o
seu bairrismo e fervor clubístico. O PSD ripostando com o
não menos lastimável aliciar dos corpos sociais do
SLB para um, ilegítimo e democraticamente intolerável,
apoio institucional do clube mais popular do país. O que
avulta destas atitudes similares, é a manifestação
do pouco respeito que a ambos os partidos parece merecer a consciência
política e democrática dos eleitores e a ameaça
de que a promiscuidade entre o mundo dos negócios no futebol
e a política poderá vir a sair reforçada destas
eleições. Perante uma campanha eleitoral deste jaez,
por parte dos dois maiores partidos, é indecoroso que ambos
solicitem aos eleitores uma maioria absoluta. E se a abstenção
vier a consolidar-se e reforçar-se, ainda assistiremos ao
despudor do PS e do PSD lançarem as culpas para o sistema
eleitoral, escamoteando as suas responsabilidades directas.
A segunda nota de destaque tem a ver com o facto do presidente
do PSD ter conseguido aquilo em que poucos acreditariam: fazer com
que a sua credibilidade perante o País fosse caindo com o
evoluir da campanha. Pelas permanentes contradições
nas afirmações que diariamente faz. E pelo enterro
progressivo que se viu obrigado a fazer da mãe de todas as
suas propostas eleitorais, a do «choque fiscal». Sepultamento
notório, por exemplo, quando num debate televisivo sobre
propostas económicas, o porta-voz do PSD, Tavares Moreira,
conseguiu a proeza de passar todo o debate sem a ele se referir.
Apesar de a primeira questão a ser-lhe colocada ter sido
a de explicar aquela proposta! Ou quando Cavaco Silva e António
Borges ficaram encavacados, ao ser-lhes pedida opinião sobre
a mesma, resolvendo ambos fugir à questão pela direita
baixa. A uma semana das eleições, é patente
que já nem Durão Barroso tem coragem para dela falar.
Pela inconsistência e flagrantes contradições
da mesma, fundamentalmente pelas perniciosas consequências
económicas e sociais que dela adviriam se viesse a ser concretizada.
O terceiro facto merecedor de realce foi o de, quer Durão
Barroso quer Ferro Rodrigues, terem sido obrigados, pela força
das circunstâncias, a abrir algum do jogo das suas medidas
económicas no âmbito da Conferência do Diário
Económico. O resultado não poderia ter sido mais elucidativo
dos seus projectos, no que concerne ao futuro que ambos preconizam
para os trabalhadores da função pública: o
congelamento dos respectivos salários. Ferro Rodrigues considerou
«lamentável que Durão Barroso não saiba
o que quer para o país a uma semana das eleições»,
por ter feito afirmações contraditórias sobre
a sua intenção de congelar os salários - uma
vez que no mesmo dia disse que os congelava em termos nominais e
que os congelava sim, mas «só» em termos reais.
Mas, pelos vistos, Ferro Rodrigues sabe mesmo o que quer fazer nessa
matéria. Socorro-me de uma peça no DE (assinada por
David Dinis e Luís Rego): «São os compromissos
de Ferro Rodrigues para levar Portugal ao défice zero em
2004: "congelar as despesas de funcionamento" do Estado,
"redução real da despesa corrente primária
em 1,3 pontos percentuais do PIB" e "uma política
de pessoal de rigor" na Administração Pública,
que "não pode ir muito além de garantir [a manutenção
do] o poder de compra dos funcionários públicos"».
A verdade é que qualquer destes compromissos significa, de
facto, a perspectiva de um congelamento nominal dos salários.
Representando as despesas com pessoal 78% das despesas de funcionamento
do Estado, e tendo em conta que aquelas despesas aumentam mais de
2% por simples efeito da evolução nas carreiras, o
prometido congelamento das despesas de funcionamento é uma
forma sofística de garantir o congelamento nominal dos salários.
O mesmo resultado se atinge com o desiderato de redução
da despesa corrente primária naquele volume, tendo em conta,
para além do referido, o peso das despesas com protecção
social (dando de barato que não é nestas que o PS
se prepara para prioritariamente cortar).
Em contraste com as campanhas eleitorais levadas a cabo pelos líderes
do PS e PSD, é da mais elementar justiça e de apreço
pela verdade distinguir a campanha conduzida por Carlos Carvalhas
e pela CDU. Porque me poderão acusar de ser suspeito, recorro
à comunicação social: «numa semana de
campanha tristemente marcada pelo pontapé na bola, com um
campeonato de futebol a transformar-se no único desígnio
capaz de mobilizar e dignificar os portugueses, Carvalhas insiste
nos problemas que colocam Portugal no último lugar da União
Europeia» (Expresso) ou «Carlos Carvalhas não
é um líder para quem vale tudo. Está à
caça de votos, obviamente, mas não usa a campanha
apenas como cenário para tempos de antena» (Público).
A CDU faz de facto a diferença. Nas suas propostas, sérias
e de esquerda, como na campanha que desenvolve. Estou convicto que
só o seu reforço eleitoral, no próximo domingo,
poderá evitar que o PS (ou o PSD) concretizem propostas como
a do congelamento dos salários dos trabalhadores da administração
pública.
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