"Mistério ou talvez não" -
Vítor Dias, Avante!, 11.02.2002
Olhando o andamento mediático da pré-campanha, todo
ele centrado e quase todo ele absorvido pela fraude política
das "candidaturas a Primeiro-Ministro" (que, como a vergonha
é pouca ou nenhuma, passadas as eleições há-de
dar lugar à velha milonga do PS e do PSD sobre "a aproximação
dos deputados aos eleitores") qualquer pessoa ainda tocada
pela ingenuidade teria boas razões para dizer que algo não
bate certo.
Com efeito, estranha situação esta em que, depois
de anos com os "media" e boa parte da opinião pública
a malhar, a maior parte das vezes na base de injustas generalizações,
nos "deputados" e na "Assembleia da República",
chegamos a eleições e fala-se muito pouco do que os
deputados de cada partido - fizeram.
E não faltariam motivos naturais para que isso pudesse ser
feito. Por exemplo, em várias publicações,
encontramos textos e trabalhos sobre a promissora inovação
da criação dos julgados de paz e como podem ser uma
útil contribuição para libertar os tribunais
clássicos de um conjunto de questões e querelas que
atrapalham o seu funcionamento. Mas, curiosamente, os autores desses
textos, talvez convencidos de que essa lei caiu do céu aos
trambolhões, esquecem-se quase sempre de referir que se tratou
de uma iniciativa legislativa do PCP só possível em
resultado de um aturado trabalho de estudo e reflexão.
Falou-se também muito nestes dias, e compreensívelmente,
do Alqueva e do carregar no botão do ainda Primeiro-Ministro
António Guterres. Mas, salvo raras e honrosas excepções,
quase ninguém lembrou nos "media" que o projecto-lei
do PCP destinado a assegurar soluções para que, no
que respeita à valia agrícola do empreendimento, as
centenas de milhões de contos investidos servissem o emprego
e desenvolvimento agrícolas da região e não
apenas o enriquecimento de alguns, foi implacavelmente chumbado
por uma ilustrativa aliança PS-PSD-CDS/PP.
Mas, ainda mais revelador e sintomático, talvez seja que
entre dezenas de opiniões assinadas que, entre eleições,
fazem gala de tratar "os deputados" e "a Assembleia
da República" à paulada verbal, ninguém
parece ter reparado no facto, e nos seus múltiplos significados,
de dos quatro principais partidos só o PCP ter prestado uma
informação detalhada e exaustiva da sua actividade
parlamentar na legislatura 1999-2002, como resulta claríssimo
da visita às correspondentes páginas na Internet.
Os ainda tocados pela ingenuidade podem mortificar-se à
vontade na busca da decifração deste mistério.
Nós, mais prosaicamente, desconfiamos que as coisas são
assim porque há quem esteja interessado em empolar face ao
olhos dos eleitores as diferenças que contam pouco e em soterrar
e silenciar as diferenças que contam muito.
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