"Se eu fosse do PS" -
Vítor Dias, Semanário, 11.01.2002
Abandonando desta vez o habitual plural majestático, se
eu fosse do PS, havia de fazer um esforço de frieza e de
cálculo para, por cima de controvérsias e estados
de alma, perceber que a convocação de eleições
antecipadas pode ter vantagens não despiciendas para o PS
por comparação com um penoso arrastar até ao
fim da legislatura.
Se eu fosse do PS, havia de perceber que, se for difícil
ganhar o eleitorado do centro e ainda que venhamos a perder as eleições,
talvez se possa explorar afincadamente os temores do eventual regresso
da direita ao poder para tentar reduzir significativamente a expressão
eleitoral dos que estão à nossa esquerda, assim avançando
para uma "normalização" do quadro político-partidário
nacional (os círculos uninominais depois farão o resto)
e assim ganhando sossego e impunidade para os futuros e estáveis
entendimentos no âmbito do sempre vivo, mesmo quando inorgânico,
"bloco central".
Se eu fosse do PS, havia de rezar para que, na semântica
das análises políticas, o domínio absoluto
fosse para expressões como "o avanço da direita"
e os contrapostos trabalhos e desafios da "esquerda" porque
essa é a melhor forma de sepultar e esquecer as responsabilidades
do PS e a história concreta dos seus últimos seis
anos de governo e de, por esta via, amalgamar à beira de
eleições o que antes delas foi claramente distinto
e de diferenciar o que muitas vezes foi próximo ou idêntico.
Se eu fosse do PS, haveria de convocar para o meu partido o direito
de exigir da s forças à esquerda do PS, e nomeadamente
do PCP, todas as mudanças, todos os sinais e todos os compromissos
antecipados que nós próprios, ao longo de seis anos,
nunca lhes demos nem daremos agora, até porque, salvo excepções
pontuais, estávamos bem mais ocupados a dar sinais e a fazer
concessões para os quadrantes da direita e designadamente
para essa força de fina substância democrática
que se dá pelo nome de CDS-PP.
Se eu fosse do PS, não deixaria de esfregar as mãos
de contente com essa abençoada fábula segundo a qual
o PCP fica com a fama de "isolacionista", de "intransigente",
de "recusar alianças" com o PS e de ser "alavanca"
do PSD contra o PS embora o PCP nunca tenha recusado qualquer boa
convergência com o PS e embora tenha sido o PS a ficar com
o proveito de já ter governado com o PSD e com o CDS e de,
nos últimos seis anos, de revisões constitucionais
a Orçamentos, de privatizações a contenções
salariais, da política de integração europeia
à política externa, se ter aliado frequente e repetidamente
ora com o PSD, ora com o CDS-PP, ora com ambos.
Se eu fosse do PS, havia de querer a cena do debate eleitoral obsessivamente
ocupada sobretudo pelas questões da "política
de alianças" por forma a que estas matem ou secundarizem
a discussão e as diferenciações em torno do
conteúdo das políticas realizadas no passado e a realizar
no futuro. E, não conseguindo este objectivo, como forma
de obrigar as forças à esquerda do PS a alinhar por
uma política de "mínimos" que signifique
o seu abandono da ideia global de uma nova política e ainda
como forma de estimular reflexos eleitorais do tipo "mal menor",
havia de querer que todo o debate de políticas se acantone
nas indiscutíveis diferenças em certos pontos entre
PS e PSD com propositado silêncio dos muitos e estruturantes
pontos de semelhança e identidade entre ambos que, ao longo
de seis anos, carradas de comentadores fustigaram em termos por
vezes bem mais duros e radicais do que os usados pelos comunistas.
Se eu fosse do PS, iria no bom caminho de, desta vez, pedir abertamente
a maioria absoluta e não hesitaria em afunilar as dificuldades
e desacertos do PS no facto de a não ter tido, embora por
honestidade intelectual não possa deixar de pensar com os
meus botões que, em seis anos, não são os -
vá lá !- sete meses de "drama" da votação
do Orçamento que explicam toda a série de desastres,
fracassos, casos, escândalos, sarilhos e demissões
dos outros 65 meses de governação do PS.
E, sobretudo, se eu fosse do PS, daria revigorado fôlego
à mistificação de que a única maneira
de impedir o regresso da direita seria votar no PS e mobilizaria
todos os "caterpillars" disponíveis para soterrar
a verdade de que, sendo a (necessária) derrota da direita
( do PSD sozinho ou acolitado pelo CDS-PP) não alcançar
uma maioria absoluta de deputados, os votos recebidos e os deputados
eleitos pela CDU não são votos nem deputados da direita
e, portanto, contribuem sempre para que a direita fique em minoria,
e que deslocações da CDU para o PS (ou as inversas)
não alteram em nada o resultado da direita, mas já
deslocações do PS para a CDU dão mais força
e possibilidades, depois das eleições, a uma política
e a uma alternativa de esquerda.
Sendo óbvio que não estou a ensinar o padre nosso
ao vigário mas antes a alertar os eleitores de esquerda para
perigosas armadilhas, só me resta terminar garantindo que,
como sou do PCP, é seguro e certo que, se Deus quiser, trabalharei
no sentido precisamente contrário a tudo o que antes disse
como se fosse do PS.
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