"Ainda a amnésia" -
Vítor Dias, Avante!, 04.01.2002
A cada dia que passa, mais se nos radica a convicção
de que a amnésia sobre o que realmente aconteceu no país
nos últimos seis anos está sendo a grande rampa de
lançamento para orientações políticas
assentes em reescritas da história recente que não
respeitam minimamente a verdade.
Por isso, como cautela contra essa suprema forma de dogmatismo
que é torcer a realidade até ela se encaixar nos esquemas
mentais pré-definidos (e só assim se consegue quase
inocentar o PS e muito culpabilizar o PCP), aqui se recomenda uma
viagem às políticas, às opções
estruturais, às escolhas de alianças, às principais
medidas, aos casos e aos escândalos que marcaram os seis anos
de governação do PS.
E também uma viagem (facilitada pela consulta da sua página
na Web) às orientações, tomadas de posição,
iniciativas, propostas, documentos, campanhas temáticas,
actividade e intervenções parlamentares do PCP no
mesmo período.
Ai se encontrará, com deficiências certas e prováveis
desacertos, um partido que, longe de andar a fechar portas para
coisas boas, procurou incansavelmente abri-las; um partido que procurou
sempre conseguir avanços positivos (se não foi assim,
venha a lista das magnificas leis ou excelentes medidas que o PCP
rejeitou); um partido que, sem esquecer as cruciais responsabilidades
do partido governante, e longe de qualquer "ponciopilatismo"
mas também da política de "do mal o menos",
combateu activamente a direita e as suas propostas enquanto o PS
se aliava com o PSD ou sobretudo com o CDS-PP; um partido que, desde
o primeiro minuto, denunciou viva e insistentemente os recuos na
reforma fiscal; um partido que, longe de qualquer voluntário
isolacionismo, sempre fez apelo à mais larga intervenção
social e à sua confluência com a exigência central
de uma nova política e de uma viragem à esquerda na
vida nacional.
Há entretanto algo - e talvez seja aqui que bate o ponto-
que não será encontrado: a disponibilidade do PCP
para, por meia dúzia de leis, reformas ou medidas positivas
(que aliás conseguiu e para as quais deu uma contribuição
decisiva), pagar o altíssimo preço de aparecer e ser
apresentado como força de apoio ou de suporte do Governo
do PS (por exemplo, viabilizando os seus maus Orçamentos).
E, por essa via, tornar-se cúmplice de três dúzias
de orientações, leis ou medidas absolutamente inaceitáveis,
com a óbvia consequência de comparecer nas próximas
eleições como ajudante subalterno do PS e como co-responsável
da sua política e da sua governação.
E se, por absurdo, alguém pensar que este era o bom caminho
para o PCP e para os valores e o projecto de esquerda que sustenta,
então que o diga abertamente, sem sofismas, circunlóquios
ou linguagem criptada.
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