"Não
será a política?" -
Ruben de Carvalho, Diário de Notícias, 22.02.2002
Não será a política?Num deveras interessante
artigo publicado no Diário Económico, Octávio
Teixeira deixa claros alguns dados particularmente oportunos.
Na verdade, poucas campanhas eleitorais do Portugal democrático
se têm desenvolvido com a relevância dos problemas económicos
- e especialmente das finanças públicas - como se
tem vindo a verificar nas últimas semanas.
Declarações dos candidatos, intervenção
de especialistas, entrevistas, artigos, comentários, enfim
uma verdadeira avalanche.Interessa desde logo sublinhar que toda
esta algazarra parece muito pouco inocente
. Ninguém ignora as dificuldades de conjuntura, sejam por
efeitos induzidos da situação internacional, seja
pelos erros de governação, mas tudo converge para
a criação de um estado de espírito que generalize
um sentimento de crise que conduza à aceitação
passiva de medidas anti-populares, apresentadas como "preço"
a pagar para a resolver.
O "choque fiscal" do programa do PSD é um excelente
exemplo do tipo de soluções para as quais se procura
cobertura.Ora, como refere Octávio Teixeira, há manifestamente
diversos equívocos no discurso dominante, desde o puro entorse
de números até à ocultação de
que o fulcro dos problemas se devem a opções e objectivos
políticos.
E convirá reter algumas ideias essenciais. Primeiro, a questão
da despesa pública e do défice situa-se em Portugal
a níveis perfeitamente razoáveis no quadro da zona
euro, pelo que "não se compreende que se queira erigir
o nível de despesa pública em Portugal como o problema
mais grave e nodal dos males da economia nacional".
Em segundo lugar, seja pelos atrasos estruturais do País,
seja pela tendência recessiva mundial, é evidente que
Portugal tem necessidades de investimento público que assegurem
um desenvolvimento que o investimento privado manifestamente não
consegue assegurar.
Terceiro, o controlo de qualquer défice pode sempre fazer-se
mediante duas abordagens, que, de resto, se não excluem:
diminuição das despesas ou aumento de receitas. E
se é uma evidência que o guterrismo esbanjou possibilidades
e geriu as finanças públicas de forma largamente insatisfatória,
é igualmente verdade que nada foi feito para corrigir os
erros da política fiscal.
A fuga ao fisco atinge no nosso país dimensões alarmantes,
mas, tão ou mais importante do que isso, a estrutura da fiscalidade
não apenas beneficia escandalosamente o capital como priva
o Estado de vultosas receitas.
Os benefícios fiscais de que goza o capital bancário
(que paga uma taxa efectiva de 18% de IRC, enquanto qualquer outro
empresário paga 30%) são, só por si reveladores,
a acrescentar ao facto de que a colecta sobre os lucros empresariais
figura em terceiro lugar nas receitas de impostos, depois do IVA
e do IRS.
A vozearia sobre a questão das finanças públicas
acaba assim a ocultar o conjunto de opções políticas
relativas à economia que envolveram as privatizações,
o desmantelamento da capacidade produtiva nacional, o agravamento
de desequilíbrio da balança comercial, o esbanjamento
de fundos estruturais, enfim, um modelo ditado essencialmente por
padrões neo-liberais, eles sim responsáveis pela situação
a que se chegou.
É a mudança dessa política que é indispensável.
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