Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

"Um orçamento que favorece o grande capital à custa dos trabalhadores e do povo"

No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2015, Paulo Sá afirmou que o esbulho aos rendimentos dos trabalhadores e do povo verificado desde 2013, continuam nesta proposta de Orçamento, contrariando a propaganda dos cortes temporários por parte do governo e dos partidos que o suportam, PSD/CDS.

(proposta de lei n.º 254/XII/4.ª)
Aprova as Grandes Opções do Plano para 2015
(proposta de lei n.º 253/XII/4.ª)
(apreciação conjunta, na generalidade)

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Em 2013, o Governo aumentou brutalmente a carga fiscal que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores por via da redução do número de escalões de IRS, do aumento da taxa de imposto em cada um desses escalões, da limitação das deduções à coleta e da introdução de uma sobretaxa extraordinária.
Em consequência destas alterações, a receita de IRS aumentou, nesse ano, 3200 milhões de euros, ou seja, 36%. Este aumento não foi — como o Sr. Primeiro-Ministro já tentou dizer hoje — resultado do crescimento económico, que, como se lembra, nesse ano nem existiu, nem foi resultado do combate à fraude e evasões fiscais; foi mesmo um esbulho do rendimento dos trabalhadores e do povo.
Em 2014, o Governo manteve este esbulho dos rendimentos dos trabalhadores, prevendo uma receita de IRS de 3800 milhões de euros, ou seja, Sr. Primeiro-Ministro, mais 42% do que a de 2012.
No Orçamento do Estado para 2015, o Governo pretende continuar a impor esta insuportável carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e do povo, prevendo uma receita de cerca de 4100 milhões de euros, ou seja, mais 45% do que em 2012.
Só nestes três anos, Primeiro-Ministro — 2013, 2014 e 2015 —, a receita adicional em sede de IRS será de 11 000 milhões de euros.
Na realidade, Sr. Primeiro-Ministro, em três anos, o Governo foi buscar aos bolsos dos trabalhadores o IRS de quatro anos.
O Sr. Primeiro-Ministro lembra-se, com certeza, de que este brutal aumento de IRS — aliás, como outras medidas dirigidas contra os direitos e os rendimentos dos trabalhadores — foi apresentado como sendo provisório, mas, na realidade, este brutal aumento de imposto já vai no terceiro ano consecutivo. Também aqui, Primeiro-Ministro, o Governo quer transformar em definitivo aquilo que, repetidamente, anunciou como sendo provisório.
Em 2015, os trabalhadores irão pagar mais impostos, seja através do IRS, seja pelo aumento dos impostos sobre o consumo, seja ainda pela introdução de novos impostos no âmbito da fiscalidade verde.
Sr. Primeiro-Ministro, esta opção do Governo de espremer os trabalhadores contrasta com a opção de, pelo segundo ano consecutivo, descer a taxa de imposto sobre os lucros das empresas, o IRC.
O Governo, depois de, em 2014, ter descido a taxa de IRC de 25% para 23%, quer agora reduzi-la de 23% para 21%.
Sr. Primeiro-Ministro, esta descida da taxa, associada ao aumento do número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos e à introdução de instrumentos de planeamento fiscal agressivo, colocados à disposição das grandes empresas, dos grandes grupos económicos, irá permitir que essas grandes empresas e esses grandes grupos económicos reduzam substancialmente os impostos a pagar.
A redução do peso do IRC na receita fiscal é uma evidência que ninguém pode negar, que o Sr. Primeiro-Ministro não pode negar. O IRC representava, em 2000, no conjunto dos impostos diretos, 37%; em 2013, já representava apenas 27% (menos 10 pontos percentuais!). No reverso da medalha, o IRS passou de 56% nos impostos diretos, em 2000, para 67%, em 2013 (mais 12 pontos percentuais!). Ou seja, os trabalhadores estão a contribuir cada vez mais para a receita fiscal, enquanto as grandes empresas e os grupos económicos estão a contribuir cada vez menos.
O Sr. Primeiro-Ministro tem de explicar aos portugueses estas opções do Governo em matéria de política fiscal. Porque é que desce a taxa de IRC pelo segundo ano consecutivo, favorecendo as grandes empresas e os grandes grupos económicos, ao mesmo tempo que agrava ainda mais a carga fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo?
Sr. Primeiro-Ministro, reconheça que a natureza da política do Governo é esta: favorecer o grande capital à custa dos trabalhadores e do povo!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Este Orçamento do Estado representa uma tentativa de prosseguir, não só em 2015, mas durante décadas, a política de exploração e de empobrecimento dos PEC e do programa da troica.
O Governo repete até à exaustão que o País está melhor, que entrámos num período de crescimento económico e de criação de emprego, que o défice orçamental está controlado e que a dívida pública irá finalmente diminuir, mas, simultaneamente, continua a impor medidas de empobrecimento dos trabalhadores e do povo.
Confirmando esta contradição insanável entre o seu discurso e as suas opções políticas, o Governo apresenta uma proposta de orçamento que confisca salários e pensões, promove o desemprego e a precariedade, prossegue o desmantelamento das funções sociais do Estado e dos serviços públicos, agrava ainda mais a insuportável carga fiscal que recai sobre os trabalhadores e o povo, acentua o ataque ao poder local e à sua autonomia e consagra a criminosa política de privatização de empresas e setores estratégicos da economia nacional.
É um Orçamento que soma mais de 1200 milhões de euros de austeridade adicional à já difícil situação em que se encontra o País e as vidas dos trabalhadores e do povo.
Impossibilitado pelo Tribunal Constitucional de cortar os salários como pretendia, o Governo mantém congelados os salários na Administração Pública até 1500 € e aplica, a partir desse valor, novos cortes que podem ir até 8%.
O Governo empurra milhares de trabalhadores da Administração Pública para a chamada requalificação — antecâmara do despedimento — e, por essa via, aplica-lhes um corte de, pelo menos, 60% nos seus salários. Insiste nos cortes dos suplementos remuneratórios, do subsídio de refeição, das ajudas de custo e da remuneração do trabalho suplementar e trabalho noturno; renova os aumentos dos descontos para ADSE, SAD e ADM e prossegue com o seu objetivo de destruição de mais 12 000 postos de trabalho na Administração Pública, número que ultrapassa os 100 000 no período compreendido entre 2010 e 2015.
Impossibilitado pelo Tribunal Constitucional de aplicar nas pensões os cortes que pretendia por via da contribuição de sustentabilidade, o Governo insiste em novos cortes nas pensões de valor mais elevado, para as quais os pensionistas fizeram os seus descontos ao longo de uma vida de trabalho e renova o congelamento da generalidade das pensões.
O Governo prevê várias medidas que dão expressão ao aumento da idade da reforma por via do chamado fator de sustentabilidade; insiste no corte dos complementos de pensão dos reformados das empresas públicas; congela o valor das prestações sociais por via da não atualização do indexante dos apoios sociais. Através da imposição de um teto máximo, o Governo corta 100 milhões de euros nas prestações sociais.
Com este Orçamento do Estado, o Governo prossegue a política de redução do investimento público. Não é possível obter um crescimento sustentável do PIB em torno dos 3% se o investimento representar menos do que 25% do PIB e o investimento público for inferior a 5%. Para 2015, o Governo prevê um investimento global e um investimento público muito abaixo destes limiares, não permitindo sustentar um crescimento adequado às necessidades de desenvolvimento nacional.
O Governo prossegue ainda a política de estrangulamento financeiro e de desmantelamento dos serviços públicos e das funções sociais do Estado; encerra serviços públicos e corta 8,3% nos orçamentos da educação e do ensino superior, 0,7% nos serviços públicos de saúde e 1,4% na solidariedade, emprego e segurança social, ao mesmo tempo que aumenta as verbas para os negócios privados feitos com dinheiros públicos do Orçamento do Estado.
Os brutais sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo em nome das imposições da União Europeia, do equilíbrio das contas públicas ou com a justificação das dificuldades económicas que o País enfrenta contrastam com o favorecimento do grande capital.
Com este Orçamento do Estado, continua a transferência maciça de recursos públicos para os grandes grupos económicos e financeiros por via dos 8200 milhões de euros em juros da dívida pública, dos 1300 milhões de euros em parcerias público-privadas e dos 3900 milhões de euros comprometidos com o BES.
Com este Orçamento do Estado, o Governo prossegue a entrega ao grande capital, por via das privatizações ou das concessões de empresas públicas estratégicas, acrescentando-se agora a TAP ao já extenso rol, que inclui a STCP, Metro do Porto, Carristur, Metro de Lisboa, CTT, REN, Caixa Seguros, EMEF e CP Carga.
Sr.ª Presidente Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, com esta proposta de Orçamento, o Governo leva mais longe a opção de utilizar a política fiscal como instrumento de agravamento das desigualdades e de empobrecimento dos trabalhadores, concedendo, em sentido contrário, ainda mais benefícios ao grande capital.
O Governo optou por agravar a carga fiscal que incide sobre os rendimentos do trabalho, ao mesmo tempo que reduz, pelo segundo ano consecutivo, a taxa de imposto sobre os lucros das empresas, sem adiamentos, nem condições, como as que são estabelecidas para a devolução da sobretaxa de IRS.
A redução da taxa de IRC, associada ao aumento do número de anos em que é possível fazer reporte de prejuízos e a outros instrumentos de planeamento fiscal agressivo introduzidos com a reforma do IRC, levará a uma redução dos impostos pagos pelas grandes empresas e pelos grandes grupos económicos. É o próprio Governo a admitir que, em 2015, a receita de IRC representará apenas 35% da receita de IRS, um valor que há apenas alguns anos ultrapassava os 60%.
A carga fiscal que incide sobre os rendimentos dos trabalhadores e do seu consumo sofrerá, em 2015, um aumento de 4,7%. Só em sede de IRS e de IVA são 947 milhões de euros adicionais.
Em apenas três anos — 2013, 2014 e 2015 —, o Governo pretende arrecadar 11 mil milhões de euros adicionais em sede de IRS, por via do brutal aumento deste imposto concretizado em 2013.
O suposto alívio fiscal resultante de uma eventual devolução da sobretaxa em 2016 é um embuste! Na realidade, as condições para que a sobretaxa seja devolvida são tão difíceis de cumprir que é pouco provável que ocorra qualquer devolução. Mas, mesmo que isso venha a acontecer, para devolver 100 milhões de euros da sobretaxa, em 2016, seria necessário cobrar, em 2015, cerca de 27 760 milhões de euros em IRS e IVA.
A reforma do IRS, apresentada pelo Governo como amiga das famílias, não ilude o brutal aumento da carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores, que foi imposto em 2013 e mantido desde então. É o próprio Governo que vem desmentir a sua propaganda ao introduzir, à última hora, uma cláusula de salvaguarda, confirmando que para a maioria das famílias a reforma do IRS se traduziria em mais um aumento de impostos.
É um aumento de impostos que se consumará por outra via, a da fiscalidade verde, em que as preocupações de ordem ambiental não passam de um mero pretexto para tributar adicionalmente os trabalhadores e o povo.
Algumas famílias poderão não ser prejudicadas, no curto prazo, com a reforma do IRS, mas todas pagarão, desde já, o aumento de impostos da fiscalidade verde, com a agravante de o aumento dos impostos indiretos ir aprofundar as injustiças fiscais, uma vez que estes impostos não têm em conta os rendimentos dos contribuintes.
O Governo e a maioria PSD/CDS, que o suporta, tendo estabelecido como objetivo a redução ou mesmo a eliminação das funções sociais do Estado, contrapõem despesa pública à carga fiscal, tentando iludir, em abstrato, que não há impostos a mais, o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores.
O País precisa de uma política fiscal mais justa, como aquela que o PCP propõe, que, assegurando as funções sociais do Estado e o investimento público, alivie a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo, assim como sobre as micro e pequenas empresas e, ao mesmo tempo, rompa com o escandaloso favorecimento da banca e dos grupos económicos.
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,
Ao mesmo tempo que corta salários, pensões e prestações sociais, que esmaga os trabalhadores com uma insuportável carga fiscal, que ataca as funções sociais do Estado e que encerra serviços públicos, o Governo continua a canalizar avultados recursos públicos para o pagamento de juros da dívida pública.
Em 2015, os juros ascenderão já a 8200 milhões de euros, prevendo a Comissão Europeia que Portugal tenha de pagar, no período de 2014 a 2020, um total de 60 mil milhões de euros em juros.
Apesar de o Governo proclamar que um dos objetivos centrais do programa da troica é a redução da dívida pública, a verdade é que, desde 2010, ela aumentou mais de 51 000 milhões de euros, excedendo em muito qualquer limiar de sustentabilidade.
Defende o Governo que é possível reduzir a dívida pública para 60% do PIB, mas omite que este objetivo só poderia ser alcançado à custa da imposição, durante décadas, de brutais medidas de austeridade, como as que têm sido aplicadas no âmbito dos PEC e do programa da troica.
Para garantir chorudos lucros aos que especularam com a dívida soberana, o Governo não hesita em condenar o País e os portugueses a um empobrecimento sem fim.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, a proposta de Orçamento do Estado para 2015 confirma a impossibilidade de resolver os graves problemas nacionais, insistindo na política de direita que nos conduziu a esta situação.
O PCP apresentará um conjunto de propostas de alteração ao Orçamento do Estado que afirmam a rutura com esta política de exploração, empobrecimento e desastre nacional.
São propostas que, valorizando o trabalho e os trabalhadores, defendendo as funções sociais do Estado e os serviços públicos e concretizando uma política fiscal mais justa, apontam para uma política alternativa verdadeiramente ao serviço do povo e do País. São propostas que convergem com a luta dos trabalhadores e do povo, de todos os democratas e patriotas, para a derrota deste Governo.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra das Finanças,
Ao mesmo tempo que corta salários, pensões e prestações sociais, que esmaga os trabalhadores com uma insuportável carga fiscal, que ataca as funções sociais do Estado e encerra serviços públicos, o Governo favorece o grande capital, atribuindo-lhe escandalosos benefícios fiscais. E não só atribui esses escandalosos benefícios fiscais como os oculta nas contas do Estado, e quem o diz, Sr.ª Ministra, é o Tribunal de Contas.
Há cerca de um ano, o Tribunal de Contas denunciou o facto de o Governo ter omitido 1045 milhões de euros, repito, 1045 milhões de euros de benefícios fiscais a grandes empresas, em sede de IRC. O Tribunal de Contas denunciou ainda o facto de o Governo, nos relatórios dos Orçamentos do Estado, inflacionar os benefícios fiscais em sede de IRS e IVA, ao mesmo tempo que oculta benefícios fiscais em sede de IRC. E, com esta grosseira manipulação das contas públicas, o que o Governo tenta fazer é esconder que o IRC tem mais benefícios fiscais do que todos os outros impostos juntos.
Sr.ª Ministra das Finanças, estas conclusões do Tribunal de Contas foram todas reafirmadas no recente relatório de uma auditoria solicitada pela Assembleia da República, por sugestão do PCP, confirmando que o Governo oculta, nas contas do Estado, mais de 1000 milhões de euros de benefícios fiscais a SGPS. E vem aqui a Sr.ª Ministra falar de transparência!… Não há qualquer transparência, Sr.ª Ministra, o que há é ocultação e manipulação destes dados.
Na sequência dessa auditoria, o Tribunal de Contas determinou que o Governo deve revelar, no Orçamento do Estado, de forma verdadeira e integral, todos os benefícios fiscais que são concedidos. Apesar disso, o Orçamento do Estado para 2015 ignora estas recomendações do Tribunal de Contas e omite os benefícios fiscais concedidos a SGPS, em sede de IRC.
Sr.ª Ministra, vai o Governo acatar as decisões do Tribunal de Contas ou, pelo contrário, vai continuar a afrontar este Tribunal, colocando-se à margem da lei?!
Sr.ª Ministra, vai o Governo revelar, de forma verdadeira e integral, no Orçamento do Estado, os benefícios fiscais concedidos nos diferentes impostos, incluindo os mais de 1000 milhões de euros de benefícios fiscais atribuídos a SGPS, em sede de IRC?!
Sr.ª Ministra, como justifica este escandaloso favorecimento do grande capital, ao mesmo tempo que continua a atacar os direitos e os rendimentos dos trabalhadores e dos reformados?!
Sr.ª Ministra, como é que explica que queira cortar 375 milhões de euros nas prestações sociais destinadas àqueles que se encontram em situação de pobreza ou de exclusão social e, ao mesmo tempo, queira manter benefícios fiscais ao grande capital, de mais de 1000 milhões de euros?!
Sr.ª Ministra, tem de responder a estas questões!

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