Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

"Só proclama o fim da crise quem nunca sofreu com ela"

No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2015, António Filipe afirmou que esta proposta de OE prossegue a crise e em alguns aspectos fundamentais a agrava, mas é apresentada já com o discurso pré eleitoral que vem proclamar o fim da mesma, pelo que o discurso do governo não tem qualquer relação com o que se passa no país nem com a vida dos portugueses.

(proposta de lei n.º 254/XII/4.ª)
(proposta de lei n.º 253/XII/4.ª)
(apreciação conjunta, na generalidade)

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O senhor veio aqui apresentar um Orçamento que prossegue a crise, que em aspetos fundamentais a agrava, mas, com um discurso pré-eleitoral, vem proclamar o fim da crise.
O que sucede é que o seu discurso não tem qualquer relação com o que se passa no País, não tem qualquer relação com a situação que os portugueses vivem, com a realidade vivida no nosso País, nem tem qualquer relação com o Orçamento que os senhores aqui propõem.
E, Sr. Primeiro-Ministro, toda a gente sabe isso! Os portugueses sabem-no, os senhores também o sabem, os Srs. Deputados da maioria também o sabem, porque aplaudem vibrantemente mas têm o pânico estampado no rosto.
Sr. Primeiro-Ministro, o que acontece é que só proclama o fim da crise quem nunca sofreu com ela, porque não há um trabalhador da função pública ou do setor privado, um reformado ou um pensionista, um jovem licenciado a ganhar 500 € a trabalhar num call center ou à procura de emprego ou a ter de emigrar porque não encontra emprego em Portugal, não há ninguém neste País que acredite no fim da crise e no discurso que o Sr. Primeiro-Ministro aqui trouxe.
Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro fala em índices de confiança, mas significativamente não fala nos dados oficiais do INE sobre o aumento da pobreza e sobre o risco de pobreza, que afeta hoje um quarto da população portuguesa. Cerca de 25% da população portuguesa está em risco de pobreza segundo dados oficiais. Mas para isso o Sr. Primeiro-Ministro não tem uma palavra.
O Sr. Primeiro-Ministro vem discutir o Orçamento do Estado com o caos instalado no setor da justiça, com professores para colocar no final de outubro, com a falência do maior banco comercial privado do nosso País, com o País a braços com injustiças revoltantes e não teve uma única palavra para os problemas reais que os portugueses sentem na pele no seu dia a dia. Sobre isso não houve uma palavra da sua parte.
Sr. Primeiro-Ministro, não precisamos de desmentir o seu discurso. Para o desmentir está aqui a proposta de Orçamento que o Governo apresentou e que vamos discutir nos próximos dias.
O Sr. Primeiro-Ministro diz que o Governo fechou há cinco meses o Programa de Assistência, mas o que é facto — já aqui foi demonstrado — é que não há uma única medida que constava do programa da troica que não esteja neste Orçamento. As únicas medidas de alívio de austeridade em matéria de salários e pensões não resultam de decisões do Governo, resultam, pura e simplesmente, de decisões do Tribunal Constitucional, que inviabilizaram medidas impostas e desejadas por este Governo.
Os cortes salariais hão de ser repostos em 2016, quando o senhor já não for Primeiro-Ministro, quando os senhores já não estiverem no Governo, não porque o atual Governo o deseje mas porque o Tribunal Constitucional o impõe no seu acórdão. Aliás, a intenção inicial deste Governo — bem nos recordamos — era a de que houvesse uma reposição de 20% até 2018 em função das disposições orçamentais. Portanto, o Governo nunca quis repor os cortes salariais em 2016. O Tribunal constitucional é que o impõe, seja qual for o Governo que esteja em funções em 2016. Essa é que é a realidade.
Para concluir, Sr.ª Presidente, o Sr. Primeiro-Ministro dizia há pouco que nós já não temos os constrangimentos da troica e que agora temos é o Tratado Orçamental e os compromissos internacionais do Estado português. E eu pergunto, Sr. Primeiro-Ministro: e o Governo português não tem uma ideia para o País que vá para além do mero acatamento de imposições que nos são feitas a partir do exterior? É evidente que não tem, Sr. Primeiro-Ministro. O drama é que, de facto, não tem. O Governo não tem uma ideia para o País que vá para além de servir os interesses dos mais poderosos à custa dos interesses da grande maioria da população, à custa dos interesses do povo e do País. E é por isso que o Governo foge à realidade o mais que pode.
O problema que o Governo tem é que os portugueses sentem essa realidade e os Srs. Membros do Governo, do PSD e do CDS, vão ter de ser confrontados pelos portugueses com as vossas responsabilidades perante a situação para que atiraram o País e perante a falta de quaisquer perspetivas de esperança de superação da crise que os portugueses estão a atravessar.

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