Intervenção de Paula Santos na Assembleia de República

"Este é um orçamento que dá mais um passo no desmantelamento das funções sociais do Estado"

No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2015, Paula Santos afirmou que o alastramento da pobreza é uma das faces mais visíveis desta política e que afecta sobretudo as crianças.

(proposta de lei n.º 254/XII/4.ª)
(proposta de lei n.º 253/XII/4.ª)
(apreciação conjunta, na generalidade)

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Duarte Pacheco,
Começo por lhe fazer já uma pergunta a propósito do debate que aqui tivemos hoje de manhã. Apesar de o Tribunal Constitucional obrigar à reposição integral dos salários em 2016, hoje, no debate, ouvimos o Primeiro-Ministro afirmar que, se for Primeiro-Ministro, será congruente com aquilo que defendeu, ou seja, uma reposição à razão de 20% por ano, e que, portanto, irá propor que, em 2016, haja uma nova reversão de 20% dos salários para os portugueses.
A questão que lhe coloco é se é esta a perspetiva que o PSD tem, a de que, em 2016, pretende impor novos cortes nos salários, de 2016 a 2018, sabendo que isso contraria a decisão do Tribunal Constitucional.
Sr. Deputado, ouvimos a sua intervenção e o que pudemos registar foi que nada disse sobre o impacto das políticas que este Governo tem vindo a implementar nos últimos três anos, nomeadamente naquela que é a realidade concreta, na vida das pessoas, naquilo que as pessoas vivem e sentem todos os dias, nas suas dificuldades em aceder a um conjunto de direitos.
O que podemos concluir é que se trata de uma intervenção com um objetivo, o de branquear as consequências da política que este Governo prosseguiu nos últimos anos. E essas consequências são bem claras, Sr. Deputado: desemprego, emigração forçada, nomeadamente dos mais jovens, desigualdades e empobrecimento.
Pergunto-lhe, inclusivamente, o seguinte, Sr. Deputado: quando disse que tinha orgulho na política e naquilo que tinha sido feito por este Governo, é disto que tem orgulho, é desta situação concreta, das pessoas cada vez mais pobres, das pessoas cada vez com mais dificuldades para aceder aos seus direitos?
O alastramento da pobreza é, portanto, um das faces mais visíveis desta política, que afeta sobretudo as crianças. Sr. Deputado, perante o facto de 24,4% das crianças estarem em risco de pobreza e de a fome estar a regressar às escolas, o que é que faz este Governo? Agrava ainda mais a redução das prestações sociais, com um novo corte de 375 milhões de euros. Mas, sobre isto, não o ouvimos, Sr. Deputado.
Este é também um Orçamento que, com ou sem troica, dá mais um passo no desmantelamento das funções sociais do Estado. Querem despedir mais 12 000 trabalhadores, e isto vai ter implicações no desmantelamento dos serviços públicos. Querem transferir competências para as autarquias, numa clara desresponsabilização do Governo e tratando as autarquias como meros executantes da vossa política. Querem um corte de 700 milhões de euros na educação, o que contribui para a continuidade da degradação da escola pública, para mais encerramentos, para mais degradação do parque escolar, para o agravamento da carência de profissionais nesta área, assim como para a sua precariedade.
Na saúde, vangloriam-se do aumento do orçamento. Mas, Sr. Deputado, isto não é verdade. Não é verdade porque este orçamento traz novos encargos, nomeadamente com a ADSE, a ADM e a SAD, incorpora um conjunto de novas entidades no perímetro orçamental, como os hospitais EPE ou as entidades EPE, as unidades locais de saúde. E, Sr. Deputado, desde 2011, este Governo retirou ao Serviço Nacional de Saúde mais de 1800 milhões de euros.
O resultado disto também está à vista: adiamento das cirurgias por falta de camas de internamento, como sucede no IPO do Porto, e internamento de doentes nos corredores por falta de camas, no hospital do Barreiro.
Por isso, pergunto-lhe: é este o caminho e é este o orgulho que tem nas suas políticas?
De facto, hoje as pessoas precisam de cuidados de saúde e não conseguem aceder por causa da vossa política. Ao mesmo tempo que corta na saúde, na educação e nas prestações sociais, o Governo transfere para as PPP, só na área da saúde, 840 milhões de euros. É esta a equidade: corta nos serviços públicos, transfere para as entidades privadas.
Portanto, em relação aos interesses dos grandes grupos económicos, mais uma vez este Governo não toca. Parece que é algo sagrado.
Antes, justificavam a austeridade e a tomada destas medidas de cortes orçamentais com a crise. Agora, justificam exatamente as mesmas medidas com a recuperação e com a sustentabilidade, essa sustentabilidade que, no vosso léxico, tem o significado de privatizações, de cortes orçamentais, de desresponsabilização.
Pergunto ao Sr. Deputado se a sustentabilidade que pretende é retirar o abono de família a mais de 600 mil crianças, continuar a haver milhares de estudantes do ensino superior que abandonam os seus cursos por dificuldades económicas ou quando 1,6 milhões de utentes não têm médico de família.
Estas não são, sem sombra de dúvidas, as nossas opções. Estas são opções que têm levado a que a saúde e a educação sejam cada vez mais para quem pode pagar. O que está subjacente a esta política, o que está subjacente aos vossos propósitos é, de facto, uma verdadeira reconfiguração do Estado, em que pretendem destruir as funções sociais do Estado e ter cada vez mais o Estado a servir os interesses do grande capital. Nós rejeitamos este caminho, porque é um caminho que viola a nossa Constituição.

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