Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

"O país ganhará com a vossa derrota, basta o povo querer!"

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No debate sobre o Estado da Nação, o Secretário-geral do PCP afirmou que cada vez mais sectores, classes e camadas sociais expressam a sua revolta, a sua indignação, protesto e luta contra esta política de destruição nacional. "Por muitos aplausos que receba neste plenário, a vossa política acabará por ser derrotada, porque lá fora o mundo move-se", concluiu.
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Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Um debate sobre o estado da Nação é o tema para o qual fomos convocados. Importará saber sob que ângulo, qual o método de análise e em que tempo sustentamos a nossa visão do estado e do estádio em que o País se encontra.
Optámos por trazer à Assembleia da República a realidade, dobrado que foi um ano de Governo PSD/CDS-PP, coisa que esteve ausente no seu discurso inicial, essa realidade, esse País real, que, na sua intervenção, não existe. Obviamente que pode invocar o passado recente e as culpas próprias do governo anterior, mas já agora faria bem lembrar outros governos, designadamente aqueles da responsabilidade do PSD, que nos fizeram chegar a este estado de coisas.
Não «limpe as mãos à parede»! Foi o PSD, naturalmente, com o PS e com ou sem o CDS que nos levaram a esta situação.
Importa sabermos, de qualquer forma, onde estamos e para onde vamos, partindo da realidade concreta e da sua evolução. Coloco, Sr. Ministro, sete elementos de análise objetiva à realidade que vivemos.
Passado um ano, há mais injustiças e exploração, há mais desemprego, há mais pobreza, há mais recessão económica, há menos soberania, estamos mais endividados e mais dependentes.
Junto aqui um elemento de caráter subjetivo, cada vez mais palpável, infelizmente, que transformo numa acusação ao Governo: a negação às novas gerações de construírem o seu futuro com segurança e com esperança no País que é o seu.
É verdade que a difusão da ideologia das inevitabilidades, da ideia de que tínhamos de ficar pior para, depois, ficarmos melhor, mais à frente, levou à neutralização de muita gente.
Exercitando e usando o pacto de agressão, denominado de Memorando ou de mal chamada ajuda externa e salvo a imunidade do capital financeiro e dos grupos económicos, este Governo, praticamente, onde tocou estragou.
Há quem afirme que o estado da Nação é de um País em direção a um falhanço colossal em resultado da incompetência de um Governo e de uma falta de conhecimento da realidade do País. Não acompanhemos essa ideia, não lhe passo um estatuto de incompetente, porque isso seria subestimar e escamotear a questão essencial: faz assim, pratica a política que pratica por opção, traduzida na sua expressão «custe o que custar».
Na opção de fundo pelo aprofundamento de um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários, na degradação brutal do valor dos rendimentos do trabalho, na negação dos direitos sociais e laborais essenciais à dignificação do trabalho e dos trabalhadores, na opção e nas políticas contra o direito à saúde e o Serviço Nacional de Saúde, que deveriam garantir, contra a escola pública e o direito à educação, contra a segurança social pública universal e solidária, contra o direito à habitação, contra o poder local e as populações, contra o acesso à justiça, contra os serviços públicos.
Na opção e nas políticas do «quanto pior, melhor», quanto pior para os trabalhadores, para a juventude, para os homens da ciência, das artes, da cultura, para os reformados e pensionistas, para os pequenos agricultores e empresários, para os elementos das forças de segurança, dos militares, melhor para os grandes grupos económicos e para os senhores do dinheiro, melhor para a sua estratégia em curso de desmantelamento e subversão das funções sociais do Estado e dos direitos de todo um povo.
Quanto pior mercado laboral, com mais desemprego e mais «lei da selva» nas relações laborais, mais baixos salários, piores reformas, mais exploração, quanto mais austeridade para o povo, mais afundamento da economia, mais défice, mais impostos e mais imposições e sacrifícios para as populações.
É por isso que o estado da Nação é hoje uma realidade mais preocupante do que era há um ano atrás e isso é ineludível. E o que é dramático nesta caminhada para o desastre do retrocesso social e declínio nacional é o facto de o Governo persistir, persistir e persistir neste rumo, a pensar onde é que pode impor mais sacrifícios aos mais sacrificados, com espírito de cruzada, não para resolver os problemas nacionais mas para acelerar a transferência de património e verbas colossais para os intocáveis, para o grande capital financeiro, para os grupos económicos.
É pela tomada de consciência desta realidade, desta demanda do Governo que mais setores, classes e camadas sociais expressam a sua revolta, a sua indignação, o seu protesto e a sua luta, onde se alicerça a construção da política alternativa a esta política do passado que nos está a levar ao «País do nunca».
Sim, Sr. Primeiro-Ministro, nós sabemos: é mais fácil destruir, como os senhores estão a fazer, do que construir. Pode pensar que está a ganhar com o País a perder, mas sem otimismo histórico temos a convicção e a confiança em que, mais cedo do que tarde, o País ganhará com a vossa derrota. Basta o povo português querer. Julgará que não, pergunto-lhe mesmo se acha que não, mas, talvez fruto da experiência ao longo de muitos anos nestes debates, não se iluda com os aplausos, não se iluda com aquilo que está aqui a dizer e a ver. Já vi maiores maiorias e com mais calorosos aplausos que acabaram por ser derrotadas, porque lá fora o mundo move-se.

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