Camaradas e amigos,
Se estivermos atentos ao conjunto das intervenções do PCP sobre impostos, fiscalidade e sistema tributário, encontramos um elemento de análise que se destaca: a opção de classe dos sucessivos governos de autêntico saque fiscal sobre os trabalhadores e as suas famílias, que cada vez mais pagam, nomeadamente em IRS e IVA, quando em simultâneo os grandes grupos económicos e financeiros pagam cada vez menos, em relação ao que poderiam e deveriam pagar.
Esta desigualdade tem uma explicação concreta: resulta da correlação de forças que tem permitido que os sucessivos governos responsabilizem individualmente cada trabalhador pelos males que vão caindo sobre as nossas vidas - o desemprego, os baixos salários, a degradação do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, da segurança social, dos tribunais, das polícias e outras forças de segurança pública, etc. – através da ideia de que somos um povo gastador que vive acima das suas possibilidades.
Esta estratégia oportunista e hipócrita dos sucessivos governos, que tem conduzindo o povo português a um círculo vicioso de empobrecimento, pretende esconder os benefícios e os favores que, ano após ano, têm atribuído aos grandes grupos económicos e às grandes fortunas.
Se esta opção de classe já aqui foi, e bem, demonstrada, nomeadamente através do saque fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e suas famílias e sobre o seu consumo, bem como pela responsabilização da generalidade dos micro e pequenos empresários por práticas, algumas delas reconhecidas por todos, de pequena fraude associada a esquemas de subsistência, falta abordar a perspetiva desta opção de classe relativamente à tributação da propriedade e às operações e transações financeiras, muitas delas de pura especulação financeira.
Há muito que a propriedade imobiliária é tributada em Portugal. Do ponto de vista do princípio será muito difícil discordar de que os imóveis, os prédios e apartamentos, as propriedades urbanas ou rurais sejam tributados, por quanto representam parte da riqueza dos seus proprietários. No entanto, em Portugal os proprietários de imóveis não são apenas os muito ricos ou os muito bem pagos que convertem parte dos seus elevados rendimentos em propriedade imobiliária.
Por opção da política de direita, ao privilegiar os negócios imobiliários e a especulação da banca entretanto privatizada, esses mesmos governos fizeram incidir a tributação do património sobre os imóveis das massas de trabalhadores convencendo-os que teriam passado à categoria de proprietários. Dessa forma, e por outras especificidades que não irei abordar devido à falta de tempo, mesmo na tributação do património optaram por fazer recair a parte significativa do imposto sobre a habitação dos trabalhadores e suas famílias e sobre os pequenos estabelecimentos comerciais e industriais dos micro e pequenos empresários. Se subsistissem dúvidas, esta opção de classe destaca-se quando todos os partidos da política de direita (PS, PSD e CDS-PP) recusaram a crítica do PCP de que, com a criação do IMI e do IMT, uma parte significativa da propriedade ficou por tributar – a propriedade mobiliária: as ações e outros títulos financeiros.
Conscientes de que é necessário corrigir o esforço excessivo dos impostos que recaem sobre as habitações das famílias e sobre os pequenos estabelecimentos comerciais e oficinas, o facto de hoje uma parte muito significativa das competências e atribuições autárquicas serem financiadas pelo IMI e pelo IMT limita muito a nossa capacidade de proposta e de intervenção. Estas dificuldades não invalidam que uma política tributária ou fiscal alternativa, no quadro de uma política patriótica e de esquerda, deva procurar corrigir estas opções. Assim, deveríamos refletir sobre a possibilidade de tributar as participações sociais, as ações e as quotas de empresas, assim como os títulos de dívida privada, poupanças e outros títulos financeiros muito associados à especulação.
Claro que assim que o PCP apresente uma proposta inovadora neste âmbito logo surgirão vozes a acenar com o alarmismo, acenando uma hipotética voracidade do PCP sobre as pequenas poupanças de uma vida de trabalho. Só o oportunismo e a hipocrisia poderão confrontar o PCP com tais perspetivas. Uma proposta do PCP neste quadro optaria sempre por salvaguardar os patrimónios mobiliários até determinado montante, promovendo a poupança das famílias e a constituição de recursos financeiros que permitam acelerar o investimento produtivo e em equipamentos sociais, tão necessários ao desenvolvimento do país.
Uma proposta destas teria em conta que uma parte muito significativa das grandes fortunas encontram-se «estacionadas» em produtos e veículos financeiros fora do país, nomeadamente em offshore ou outros paraísos fiscais como é o caso da Suíça, do Luxemburgo, da Holanda, do Liechtenstein, da Irlanda, das ilhas britânicas, entre outras.
Permitam-me um pequeno parêntesis:
[Só em 2009 calcula-se que os portugueses com depósitos no sistema financeiro da Suíça lucraram, em juros, "apenas" 31,1 milhões de euros. O que deverá apontar para um montante de depósitos em torno dos 1000 milhões de euros depositados na Suíça. Há quem afirme que esse montante deverá pecar por defeito, pois se tivermos em conta que a quando do Regime Excecional de Regularização Tributária realizado em 2012 o fisco arrecadou 260 milhões de euros, concluímos que do pé para a mão e livre de qualquer processo de crime tributário o atual governo permitiu a lavagem de cerca de 3,500 milhões de euros que se encontravam e mantém-se em cofres espalhados pelo mundo. E todos sabemos que em 2012 apenas parte desse dinheiro foi revelada!
Quando falamos de depósitos e outras aplicações financeiras não devemos perder de vista o volume de empresas ou de sociedades gestoras de participações sociais, a chamadas SGPS que, na prática, são «invenções» financeiras para gerir e depositar os títulos de ações e respetivos dividendos, assim como outros veículos financeiros, especulativos ou não, que se encontram registadas nesses paraísos fiscais, fugindo ao pagamento de impostos em Portugal e, no caso da concretização de um imposto sobre o património mobiliário, procurando escapar-lhe.]
Numa outra vertente da tributação do capital e da especulação financeira, já há algum tempo que se fala na tributação das transferências financeiras, vulgo taxa Tobin. Em Portugal este debate iniciou-se e teve no PCP o seu primeiro promotor. Mais tarde outros pretenderam juntar o seu nome numa tentativa de se apropriarem da paternidade da proposta.
Muito por culpa da degradação da situação económica e social e pelo acentuar das desigualdades sociais e da especulação financeira, essa proposta foi ganhando força e adeptos até que, recentemente, o próprio governo de maioria PSD/CDS, juntamente com o PS vieram a terreiro ensaiar a sua defesa. Essa adesão nunca saiu do papel e nunca deixou o campo das intenções. E assim, no Orçamento do Estado para 2014 encontramos um artigo que autoriza o governo a criar o dito imposto, no quadro da iniciativa da União Europeia [PSD, CDS, e também o PS, jamais se atreveriam a desafiar os interesses da grande finança europeia e mundial com um impostozinho que, a título de exemplo, impusesse uma taxa de 0,5% sobre essas transações, por isso as suas propostas estão dependentes do acordo da grande finança internacional e nunca mais saem do papel].
Voltando ao imposto, comparemo-lo com os 23% de IVA que pagamos para ter energia elétrica… E veremos se alguém se atreve a afirmar que 0,5% a repartir entre quem compra e vende um título ou veículo financeiro corresponderá a algum esforço extraordinário e de alguma forma limitativo da própria atividade financeira!
Dirão alguns: um imposto sobre o património mobiliário ou sobre as transações financeiras será sobrecarregar a tributação do capital, das empresas… dirão: estaremos a cometer o crime de lesa-pátria de tributar duplamente o capital! Estaremos? Talvez! Não arrisco a dizer que não! Mas e o que é que acontece com as nossas casas? Não pagamos IMI? Não pagamos IMT? Não pagamos mais-valias quando as vendemos? Se em algum momento arrendarmos o apartamento não teremos que declarar e pagar 28% sobre esse rendimento? E para além do IRS que pagamos sobre os nossos salários não somos obrigados a pagar IVA – a 6%, 13% ou na maioria dos casos a 23% sobre o que consumimos para comer, para vestir ou para nos aquecermos? Isto já para não falar do que pagamos de imposto para nos deslocarmos para ir trabalhar, estudar ou simplesmente passear.
Perante esta dupla e tripla tributação a que os trabalhadores e as suas famílias estão sujeitas, alguém atrever-se-á a considerar que tributar os ricos patrimónios mobiliários, que incluem ações de empresas e elevados depósitos, tendo como referência o próprio IMI, ou aplicar uma taxa de 0,5% sobre todas as transações financeiras, independentemente do mercado em que são transacionadas, será muito, será excessivo?
Façamos um exercício… Se em 2013 existisse um imposto sobre o património mobiliário, que incidisse apenas sobre patrimónios que acumulados superassem os 100 mil euros, os quais fossem sujeitos à taxa máxima do IMI (0,5%) o Estado português poderia ter arrecadado cerca de 2300 milhões de euros. Se no mesmo ano tivesse sido aplicado um género de taxa Tobin sobre as transações financeiras, com os mesmos 0,5% de referência, o Estado poderia ter arrecadado mais 1400 milhões de euros.
Mesmo com cálculos que pecarão por defeito, só estes dois impostos juntos teriam permitido arrecadar montantes que teriam permitido mais que compensar uma hipotética descida do IVA e ainda sobrar cerca de 2500 milhões de euros para promover o tão necessário investimento público em setores económicos e sociais estratégicos!
Em conclusão, gostaria de deixar uma mensagem: a par da necessidade de corrigir o peso excessivo dos impostos que recaem sobre os rendimentos e consumo dos trabalhadores, havendo vontade política, será possível encontrar alternativas justas que permitam financiar as competências e atribuições constitucionais do Estado. No entanto, penso que apenas um governo patriótico e de esquerda alicerçado num claro apoio popular será capaz de concretizar tal desígnio, contribuindo assim para promover uma maior justiça fiscal e social.