Projecto de Lei

Projecto de Lei n.º 634/X - Educação sexual nas escolas

 

Estabelece o regime de aplicação da educação sexual nas escolas

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A Educação Sexual nas escolas, prevista na legislação portuguesa desde a publicação da Lei nº 3/84 e consolidada no âmbito da Lei nº 120/99, deveria funcionar como um elemento central da política de promoção da saúde sexual e reprodutiva. No entanto, os sucessivos governos, independentemente dos seus motivos e das formas encontradas, sempre bloquearam o avanço e a concretização de uma verdadeira política de educação sexual, quer nas escolas, quer fora delas.

O Partido Comunista Português esteve desde sempre empenhado e comprometido com a luta pelo direito à educação sexual nas escolas, bem como com a luta pelo direito à saúde reprodutiva. As diversas iniciativas que o Grupo Parlamentar do PCP tomou nesta área provam exactamente essa permanente atenção. Perante o agravamento da realidade, os problemas de saúde sexual e reprodutiva, os dados preocupantes sobre gravidez na adolescência e sobre a prevalência de infecções e doenças sexualmente transmissíveis, o PCP, numa iniciativa pioneira em Março de 1982, apresentou o Projecto de Lei nº 308/II que, pela primeira vez reconhecia o direito à educação sexual e ao planeamento familiar, projecto que, à data, foi rejeitado por PSD e CDS-PP. Em 1983 apresenta o Projecto de Lei n.º6/III e, em 1999, o Projecto de Lei nº 632/VII contribuindo assim, de uma forma decisiva, para os textos que viriam a constituir o edifício legislativo de que hoje dispomos.

Ainda no âmbito da saúde sexual e reprodutiva, o PCP tem vindo a apresentar várias iniciativas legislativas, garantindo não só a efectividade da educação sexual, como a promoção da saúde sexual e reprodutiva e a protecção da maternidade e paternidade enquanto funções sociais, de que são exemplo:

- A despenalização da interrupção voluntária da gravidez, até às 12 semanas, a pedido da mulher;

- O reforço dos direitos das pessoas que vivem em união de facto;

- A garantia de acompanhamento pelo futuro pai à mulher grávida durante o parto;

- O direito de licença especial nas situações de gravidez de risco;

- O reforço das garantias do direito à saúde reprodutiva;

- A protecção de mães e pais estudantes;

- A garantia do acesso aos medicamentos contraceptivos de emergência;

- A adopção de recomendações para que possa ser utilizado em unidades hospitalares o medicamento de uso humano Mifégyne (Pílula RU 486);

- A regulamentação das técnicas de procriação medicamente assistida;

- A adopção de medidas de reforço da protecção da maternidade-paternidade;

- A instituição e regulamentação de um novo regime de prestações familiares;

- A criação de um subsídio social de maternidade-paternidade.

O incumprimento reiterado da lei tem sido o mais objectivo impedimento para a verdadeira aplicação da educação sexual nas escolas. PS e PSD e CDS têm sacrificado o interesse nacional a compromissos partidários que assumem à margem das necessidades que se fazem sentir de forma cada vez mais aguda no país. A forma como os sucessivos governos têm boicotado a aplicação da lei revelou já variados métodos: ora os governos dos partidos de direita contratualizam com entidades directamente ligadas à Igreja a educação sexual nas escolas, introduzindo no meio escolar conceitos e abordagens religiosos da sexualidade; ora se desresponsabilizam do cumprimento da lei, delegando nas associações e organizações não governamentais a execução de um dever do Estado; ora os governos do Partido Socialista constituem comissões interministeriais e grupos de estudo para que tudo fique na mesma, ou seja, para que não se avance realmente para a alteração curricular necessária à aplicação transversal e interdisciplinar da educação sexual nas escolas.

25 anos volvidos desde a publicação da primeira lei que consagrou o direito à educação sexual, importa referir alguns dos indicadores de saúde que sublinham a necessidade e a urgência da implementação efectiva da lei. De acordo com o Relatório do Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a 31 de Dezembro de 2007 (últimos dados disponíveis uma vez que, em 2008, não foi publicado qualquer relatório), encontram-se notificados 32 491 casos de infecção VIH / SIDA nos diferentes estádios de infecção.

De acordo com esse relatório, "o número de casos associados à infecção por transmissão sexual (heterossexual) representa o segundo grupo com 38,8% dos registos e a transmissão sexual (homossexual masculina) apresenta 12,0% dos casos; as restantes formas de transmissão correspondem a 5,3% do total. Os casos notificados de infecção VIH/SIDA, que referem como forma provável de infecção a transmissão sexual (heterossexual), apresentam uma tendência evolutiva crescente. No segundo semestre de 2007, a categoria de transmissão "heterossexual" regista 57,2% dos casos notificados (PA, Sintomáticos não-SIDA e SIDA)."

É de salientar que, para os 564 casos com data de diagnóstico no segundo semestre de 2007, a transmissão entre heterossexuais representava o maior número: 351 casos - 62,2%.

Já os dados da saúde dos jovens, publicados em 2006 pela Divisão de Saúde Materna, Infantil e dos Adolescentes da Direcção-Geral de Saúde, apesar da tendência de diminuição da gravidez, maternidade e paternidade adolescentes, "no que respeita às idades mais jovens, constatou-se, nos 20-24 anos, um abrandamento da expressão dessa tendência [de decréscimo], tendo havido, inclusive, um ligeiro aumento nos anos de 1999 e 2000; no grupo 15-19 anos, a progressão decrescente do respectivo valor parece esbater-se a partir de 1996, havendo ligeira oscilação num sentido e noutro.", no que à maternidade concerne.

De acordo com esse estudo, em 2002, "os pais apresentaram, regra geral, um grau de escolaridade inferior ao das mães, em ambos os grupos etários estudados. Das mães com menos de 20 anos, cerca de um quinto terminara, no máximo, o 1.º ciclo do ensino básico (1,7% não sabia ler nem escrever). No mesmo grupo etário, os pais que estavam em iguais circunstâncias representaram um quarto do total (2,1% não sabia ler nem escrever). No que respeita ao completar da escolaridade obrigatória, no caso das mães com idade inferior a 20 anos, menos de metade conseguira-o e, no grupo das de 20-24 anos, cerca de 56% estava nestas circunstâncias; no caso dos pais, os valores observados foram inferiores aos verificados nas mães, na ordem dos 7%, em ambos os grupos etários."

No que se refere à condição de mães e pais perante o trabalho foram notórias diferenças entre homens e mulheres, nos dois grupos etários. Em 2002, "verificou-se que, no grupo dos menores de 20 anos, 61% das mães encontrava-se no grupo "não activa" (apenas 29% correspondia ao item "empregada"), ao passo que, no grupo etário acima, a situação alterava-se, estando 60% das mães na condição de "empregada" e 32% na de "não activa". No caso dos homens, no grupo dos menores de 20 anos, 77% estava "empregado", valor que aumentava para 92% no grupo 20-24 anos; estavam na condição de "não activo" 18% dos pais menores de 20 anos e 5% dos 20-24 anos."

O PCP entende que a legislação portuguesa contém os vectores essenciais para a necessária acção governamental e, como tal, importa agir em duas frentes: aperfeiçoando a lei, no sentido de assegurar a sua adaptação à realidade e exigindo do poder executivo o seu cumprimento. O que o PCP agora propõe é exactamente a concretização de algumas orientações legais e a clarificação de outras, simultaneamente aprofundando direitos. O carácter transversal da sexualidade na vida deve ser reflectido no processo educativo, abrangendo as diversas disciplinas curriculares e podendo ter uma vertente não curricular, sendo inserido nos trabalhos circum-escolares, associativos e extra-curriculares livremente pelos estabelecimentos de ensino.

Para que não haja lugar a novos adiamentos, a novas manobras de diversão e, particularmente, para que não possa haver um retrocesso como aquele que já se vem prevendo no seguimento do relatório do Grupo de Trabalho de Educação Sexual, da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, o PCP propõe o próximo ano lectivo como o ano do arranque de um programa interdisciplinar de educação sexual, cujo currículo deve estar completo, aprovado e pronto a aplicar no início do ano lectivo de 2009/10. As conclusões do Relatório do referido Grupo de Trabalho, além de não reflectirem a realidade existente, diminuem a importância da Educação Sexual nas escolas, por um lado, e afastam-se do objectivo inicial, por outro. A criação de uma área no âmbito da Educação para a Saúde redunda na diminuição do papel da educação sexual, e prova disso são as próprias conclusões apresentadas no relatório.

A luta dos estudantes dos ensinos básico e secundário coloca, desde há muito, como uma das suas principais reivindicações, a existência de educação sexual nas escolas, de forma integrada nos diversos conteúdos programáticos. No entanto, e apesar de a lei salvaguardar esse direito, os sucessivos governos não só não têm envolvido os estudantes na definição das políticas educativas, em geral, e de educação sexual, em particular, como se têm simplesmente negado a assegurar, como seria sua obrigação, esse direito.

O PCP continua, portanto, a defender e a propor um modelo de educação sexual transversal e interdisciplinar, que coloque a sexualidade e a saúde reprodutiva como um conteúdo nuclear em cada disciplina, e que não permita o isolamento teórico da matéria em causa, prevenindo também o aumento da carga horária dos estudantes ou a diminuição da carga horária já prevista para as diversas disciplinas em cada ano de escolaridade.

A constituição de um gabinete de atendimento, a par de uma intervenção curricular, constrói uma verdadeira estrutura de educação sexual e apoio á sexualidade, contribuindo para a saúde sexual e reprodutiva, para o direito a uma sexualidade livre e consciente. O PCP propõe também a concretização da disponibilização gratuita e universal, no âmbito dos estabelecimentos com ensino secundário, de contraceptivos, nomeadamente preservativos e contraceptivos orais.

Torna-se indispensável garantir o envolvimento das unidades públicas de saúde na aplicação e desenvolvimento da educação sexual nas escolas assegurando assim o contributo decisivo dos profissionais de saúde para a sua eficácia ou sucesso. Ora, sabendo-se que o financiamento destes serviços públicos está crescentemente ligado a processos de contratualização com o Ministério da Saúde e que as matérias não incluídas no contrato respectivo se tornam difíceis de concretizar, tendo em conta a insuficiência de recursos de que sofre o Serviço Nacional de Saúde, é decisivo que as actividades relacionadas com a educação sexual nas escolas aí estejam desde logo previstas e portanto financiadas, tal como o PCP propõe neste projecto.

Embora os grandes obstáculos à aplicação da Educação Sexual nas escolas não residam, de facto, na legislação em vigor, é importante que a própria lei crie as condições para a sua aplicação o mais directa possível, sem diversões e boicotes, independentemente do governo constituído em cada momento. O Projecto de Lei que o PCP agora apresenta, no seguimento do trabalho pioneiro e audaz que tem conduzido em matéria de educação sexual, representa a continuidade natural da proposta e dos objectivos do PCP. A criação das condições materiais e humanas nas escolas e o compromisso com a necessária revisão curricular são imperativos que urge cumprir para que não possam ser mais justificados os sucessivos atrasos.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Âmbito

  1. A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos de ensino público, ou privado em contrato de associação, do território nacional.
  2. A presente lei assegura a todos os estudantes de todos os graus de ensino o direito à educação sexual, em ambiente escolar.

Artigo 2º

Aplicação da Educação Sexual nas escolas

  1. A educação sexual é aplicada em todos os estabelecimentos de ensino público ou em situação de contrato de associação, de forma progressiva e ajustada ao grau de escolaridade e à idade dos estudantes, nos termos da Lei n.º120/99, de 11 de Agosto.
  2. A educação sexual nas escolas é assegurada através da transmissão de conhecimento inserido no âmbito de todos os programas e currículos disciplinares adequados, com o objectivo de assegurar uma consciencialização plena para a saúde sexual e reprodutiva.

Artigo 3º

Objectivos da Educação Sexual nas escolas

A educação sexual nas escolas, inserida no âmbito das diversas disciplinas, inscreve-se nos objectivos centrais do sistema educativo e insere-se no âmbito da formação da cultura integral do indivíduo, prosseguindo ainda os seguintes objectivos:

               a) Promoção da saúde sexual e reprodutiva;

               b) Prevenção de infecções sexualmente transmissíveis;

c) Promoção da capacidade de planeamento familiar;

d) Promoção da igualdade entre os sexos;

e) Promoção do respeito pelo outro e pela sexualidade do outro;

f) Compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos;

g) Eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.

Artigo 4º

Transversalidade da Educação Sexual nas escolas

  1. A educação sexual nas escolas é assegurada de forma transversal a todas as disciplina a que tal seja adequado, partindo dos conteúdos próprios de cada uma.
  2. Sem prejuízo da autonomia escolar, os conselhos pedagógicos, os clubes escolares, as associações de pais e de estudantes, podem criar mecanismos e realizar acções de promoção da educação sexual, bem como da saúde sexual e reprodutiva em ambiente escolar e contam para tal com a colaboração dos órgãos de gestão.

Artigo 5º

Prazo para a adaptação dos programas e currículos disciplinares

O Governo adaptará os programas e currículos disciplinares, ouvindo as estruturas representativas de professores e estudantes, até ano lectivo 2009/2010.

Artigo 6º

Gabinetes de atendimento a estudantes

  1. É da responsabilidade do Governo a criação de um gabinete de atendimento a estudantes, em cada escola dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, com o objectivo de assegurar aconselhamento e atendimento no plano da saúde sexual e reprodutiva, junto dos estudantes, privilegiando um acompanhamento de proximidade.
  2. Os gabinetes de atendimento a estudantes funcionam com recursos humanos com formação profissional e académica no âmbito das ciências da saúde ou da sexualidade.
  3. Os gabinetes de atendimento podem funcionar num regime horário que possibilite a utilização de recursos humanos afectos à rede de atendimento do Instituto Português da Juventude.
  4. Os gabinetes de atendimento asseguram a privacidade do estudante que os procura.
  5. Os gabinetes de atendimento fornecem informação sobre saúde sexual e reprodutiva à comunidade escolar, além da directamente fornecida ao estudante que os procura.
  6. Nas escolas com 3º ciclo do ensino básico ou ensino secundário, os gabinetes de atendimento dispõem da capacidade de distribuição gratuita de contraceptivos, nomeadamente de preservativos.
  7. Os gabinetes procedem ao atendimento e aconselhamento personalizado de cada estudante, podendo encaminhar o estudante para o Serviço Nacional de Saúde, caso se demonstre adequado.

Artigo 7º

Comparticipação de meios preventivos

•1.        Todos os métodos contraceptivos distribuídos nos serviços públicos de saúde, incluindo os meios de contracepção de emergência, são gratuitos.

•2.        O Estado assegura a comparticipação a 100% na aquisição dos meios contraceptivos por forma a torná-los acessíveis a todos os cidadãos.

Artigo 8º

Contracepção de emergência

Os métodos contraceptivos de emergência serão assegurados gratuitamente pelos centros de saúde, quer no âmbito da medicina geral e familiar, quer no âmbito das consultas de planeamento familiar, pelos serviços de ginecologia e obstetrícia dos hospitais e pelos serviços de saúde dos estabelecimentos de ensino superior, constituindo motivo para atendimento imediato a solicitação do fornecimento dos mesmos.

Artigo 9º

Participação das unidades do Serviço Nacional de Saúde na promoção da saúde sexual

O Governo incluirá na contratualização da prestação de cuidados com centros de saúde e unidades de saúde familiares, bem como com hospitais públicos sempre que tal se justifique, a participação em actividades e o apoio à aplicação da educação sexual nos estabelecimentos de ensino público ou privado com contrato de associação.

Artigo 10º

Relatório trimestral

O Governo enviará, trimestralmente, à Assembleia da República, um relatório de acompanhamento da aplicação da educação sexual nas escolas.

Assembleia da República, em 7 de Janeiro de 2009

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