Intervenção de Gonçalo Tomé, Encontro Nacional «Tomar a iniciativa – assegurar o direito à habitação para todos»

O problema da habitação no distrito de Lisboa

O problema da habitação no distrito de Lisboa

O PROBLEMA DA HABITAÇÃO NO DISTRITO DE LISBOA

 

Bom dia,
Camaradas,

Após a apelidada crise financeira que atingiu também o mercado imobiliário entre 2007-2008, e já em 2013, e particularmente em Lisboa, eram sentidos os efeitos da tempestade perfeita no que ao acesso à habitação diz respeito, pela conjugação de dois amplos factores - a nova demanda do capital financeiro no imobiliário e a Lei dos Despejos de Cristas, do governo PSD/CDS.

Não decorrendo de um processo novo e isolado, mas apenas retomado e acelerado, especialmente a partir da libertação de fogos pelo despejo e expulsão dos moradores dos bairros da cidade de Lisboa, teve aqui o epicentro cujos impactos que se propagaram em ondas de choque por todo o distrito.

É necessário realçar o papel da referida Lei, uma verdadeira Lei dos Despejos, da qual resultou na negação do direito à habitação, no despejo sumário de milhares e milhares de famílias das suas habitações, no despejo de centenas de coletividades e no encerramento de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais, nomeadamente aqueles localizados nos bairros antigos das cidades do distrito de Lisboa. Uma vez que o distrito de Lisboa representa boa parte do arrendamento do país, os seus impactos aqui foram especialmente sentidos.

Uma lei que é um indisfarçável instrumento concebido para servir os interesses dos senhorios e a atividade especulativa do capital financeiro no mercado imobiliário.

A aplicação desta lei conduziu a aumentos significativos dos valores das rendas. Efetivamente, logo após a entrada em vigor deste regime, muitos senhorios apressaram-se a comunicar aos inquilinos a sua intenção de proceder a aumentos substanciais das rendas. E assim se produziu uma torrente de aumentos de rendas e consequentes despejos, libertando os fogos para a alimentar a desenfreada espiral especulativa do imobiliário. Só entre 2012 e 2018, em Lisboa, registaram-se perto de 5000 despejos. 

Foi também a oportunidade para cimentar a opção única pelo turismo e o seu endeusamento económico, deixando operar o mercado da habitação e a lei que o liberalizou. 

O capital financeiro e imobiliário tinha o caminho escancarado, daí que a transformação operada em Lisboa, tenha também tido impacto pela adaptação dos fogos ao utilizador turístico e de curta duração, resultando num crescimento abrupto dos imóveis registados para arrendamento de curta duração em Lisboa, passando de pouco mais de 1000 em 2013 para perto de 20 mil em 2019, fazendo alastrar a oferta de alojamento local, que passou de 500 fogos em 2014 para 18 mil em 2018. 

O aeroporto de Lisboa ter passado a receber perto de 30 milhões de passageiros em 2019 quando em 2013 recebia cerca de 16 é elucidativo. Era preciso potenciar a galinha dos ovos de ouro para os fundos imobiliários à custa da negação do direito à habitação e da expulsão dos moradores locais, cuja imagem dos bairros de Lisboa desabitados e desertos quando a pandemia suspendeu o turismo, foi demonstrativa das consequências das opções da política de direita na Cidade de Lisboa.

Entre 2014 e 2019, em toda a Zona Euro, foi em Portugal que mais cresceram os preços das rendas e da habitação. E foi no concelho de Lisboa em que mais este crescimento se fez e continua a fazer sentir, sendo que o contágio se alargou com grande expressão por todo o distrito, mais intensamente entre 2016 e 2018, e daí por diante até hoje, sem parar. Propagou-se de Alfama a Mafra, da Graça à Lourinhã, da Mouraria a Oeiras, à Amadora, a Odivelas, a Loures, a Sintra ou a Vila Franca de Xira. 

Em 2018, no pico do fluxo especulativo no sector imobiliário, num autêntico leilão de bairros e quarteirões a ocorrer no seio da Cidade de Lisboa, o preço do metro quadrado na Área Metropolitana de Lisboa era de 1300 euros e na Cidade de Lisboa 2200. As rendas chegavam aos 700 euros de valor médio na Área Metropolitana e 1100 na Cidade de Lisboa. 

Até à pandemia, o preço médio de venda por metro quadrado, em Lisboa tinha aumentado em mais 68%. 

Uma pequena amostra da evolução por alguns concelhos, em coroa, ilustra a evolução em onda de choque, que desocupou bairros, despejou moradores, precarizou e impossibilitou aceder à habitação. 

Em 2015, em média, o metro quadrado em Lisboa custava 2000 euros, 1100 na Amadora, 1400 em Oeiras, 850 em Sintra, 900 em Mafra e 830 na Lourinhã. 

Em 2018, 4200 em Lisboa, 1700 na Amadora, 2800 em Oeiras, 1300 em Sintra, 1400 em Mafra, 950 na Lourinhã.

E depois de nunca ter parado aumentar, em 2023, 5000 euros em Lisboa, 2600 na Amadora, 3800 em Oeiras, 2300 em Sintra, 2400 em Mafra e 1600 na Lourinhã.

O mesmo se verificou no arrendamento, com o preço das rendas, tendo aumentado acima dos 30% em todo o distrito entre 2013 e 2023. Aumentaram as rendas e o preço de venda. Tudo aumentou, menos os salários!

Vinha a pandemia e os preços da habitação estabilizariam, diziam. Passou a pandemia e o pretexto agora é a guerra e a inflação. O aumento das taxas de juro fazem hoje disparar colossalmente os encargos com as prestações mensais, quando o especulador, a banca e os fundos imobiliários, vêm-se a facturar mais e mais lucros.

Relembro que, quando já eram notórias as consequências da política liberalizadora para o sector, e quando se licenciavam por reunião mais 10 hotéis e hosteis para a baixa pombalina,os vereadores do PCP na Câmara Municipal de Lisboa questionavam o executivo PS sobre qual o plano de desenvolvimento para a Cidade, a resposta que obtinham, pelo então presidente da câmara, António Costa, era de total desvalorização dos instrumentos de planeamento e do próprio problema da habitação. 

Hoje como primeiro-ministro de governo de maioria absoluta do PS, mudou a adjetivação, mas a prática é exactamente a mesma: o mercado deve determinar, o Estado deve quanto muito subsidiar e bonificar, não tocando nos lucros e a renda fundiária, admitindo apenas uma política assistencialista e de cariz caritário. O povo não precisa de caridade, precisa de melhores salários para fazer face à vida. Precisa de um Estado que intervenha e cumpra com o seu papel para garantir o acesso e o direito à habitação.

Confiar a questão do arrendamento urbano a mercados totalmente liberalizados, como os consecutivos Governos do PS, PSD, CDS pretendem, só agravará ainda mais os problemas no acesso à Habitação. 

A carência de habitação resulta, antes de tudo, dos baixos salários e pensões, da precariedade e da desregulamentação das relações laborais. 

No distrito de Lisboa, um distrito de gritantes contrastes, assimetrias e desigualdades, existem ainda milhares de famílias em condições de habitação indignas e os mais de 100 mil moradores em bairros municipais e do IHRU estão muitos deles confrontados há décadas com graves problemas de preservação e manutenção dos fogos.

As populações do distrito de Lisboa têm vindo a desenvolver a sua luta pelo seu direito à habitação, seja através da Associação de Inquilinos Lisbonenses, seja pelos movimentos de moradores e populações que se desenvolvem em diversos concelhos, vários a partir da Cidade de Lisboa. 

É necessário que o Estado assuma as suas responsabilidades na condução das políticas de oferta de habitação, arrendamento urbano e reabilitação urbana, de modo que, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa, todos os portugueses tenham “direito, para si e para a sua família, a uma habitação digna.

No distrito de Lisboa, acompanhando a realidade nacional, a oferta pública é reduzida e imensamente insuficiente. Os fogos vagos e devolutos são milhares, quando milhares são aqueles que aguardam nas listas para aceder a uma casa e muitos outros milhares, hoje inquilinos da banca, já não conseguem manter a prestação ao banco, quando lhes são impostos aumentos que em muitos casos ascendem a 100, 200 ou 300 euros de aumento na prestação mensal da sua casa. 

Não há outro caminho senão o da luta, o da exigência de que ao Estado cabe a resposta ao problema da Habitação, garantindo-o como um direito básico e de todos. 

Tomando a iniciativa, no distrito de Lisboa prosseguiremos a luta para que o direito à habitação se cumpra para todos! 

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