Declaração do Encontro Nacional «Tomar a iniciativa – assegurar o direito à habitação para todos»

I

O Encontro Nacional do PCP, “Tomar a iniciativa. Assegurar o direito à habitação para todos” decorre num momento de clara e grave crise em torno das questões da habitação.

A carência de habitação das famílias portuguesas a viverem em condições de alojamento indigno ascende a mais de cem mil, a que há a acrescentar os milhares de jovens que não conseguem ter acesso a habitação e todos os que, mercê da desregulamentação do mercado de arrendamento ou do aumento das taxas de juro, correm o risco de perder a casa.

Isto, num quadro em que avultam problemas mais profundos da sociedade portuguesa, desde logo a precariedade e os baixos salários e pensões.  Portugal é o país da OCDE, onde a relação entre a subida dos preços da habitação com o aumento dos salários é a mais díspar.

Décadas de política de direita e de incumprimento das responsabilidades do Estado na efectivação do direito constitucional à habitação conduziram à actual situação. O anunciado pacote “Mais Habitação” do Governo, para lá do propagandear de metas irrealizáveis e de uma ensaiada transferência da responsabilidade para as autarquias,a pretexto do PRR, não resolve a carência de habitação.    

A carência de habitação resulta da financeirização de todo o processo que conduz ao objectivo final de ter uma casa para habitar. Financeirização que se faz sentir ao nível dos solos, da reabilitação urbana para imobiliário de luxo, da “lei dos despejos”, confessadamente destinada a criar imóveis devolutos para a especulação, e ainda das expectativas de usar o Programa de Renda Acessível para grandes intervenções imobiliárias.

A resposta à carência de habitação só será atingida quando o Estado assumir o papel que constitucionalmente lhe incumbe, de garante do direito á habitação. Quando o Estado, em vez de medidas dilatórias como as do recente “Mais Habitação”, se tornar o principal dinamizador e promotor público de habitação, exercendo competências e mobilizando meios, financeiros e humanos, por via de uma política pública de solos, de reabilitação urbana, de construção e gestão de habitação, de efectiva regulamentação do mercado do arrendamento e de capitais ligados ao imobiliário.

II

A resposta aos problemas de habitação reclama uma outra política e outras opções de que o PCP é portador.

Uma outra política cuja concretização em domínios estruturantes deve ser acompanhada de um conjunto de medidas imediatas que respondam à agudização da crise habitacional garantindo a defesa do direito à habitação, o que exige:

a) A definição de taxa de esforço no arrendamento, beneficiando famílias de mais baixos rendimentos. No corrente ano o aumento das rendas, incluindo para novos contratos, será limitado a 0,43%;

b)  A contenção da subida dos spreads bancários, visando travar o aumento das prestações bancárias face à subida das taxas Euribor. Fixar em 0,25% o spread da Caixa Geral de Depósitos;

c) A contenção da subida das prestações das famílias pondo os lucros da Banca a suportar a subida das taxas de juro. Fixar o limite máximo da prestação em 35% do rendimento mensal do agregado familiar;

d) A definição e imposição à Banca de critérios e condições justas para renegociação de empréstimos;

e) A adoção de medidas extraordinárias de proteção da habitação própria, limitando os despejos quer no arrendamento quer na sequência de penhoras ou execução de hipotecas;

f) O reforço de verbas para o programa Porta Jovem 65.

 

III

Tomar a iniciativa – Assegurar o direito à habitação para todos, é este o sentido e proposta do PCP.

É urgente combater a financeirização que determina todo o processo ligado à habitação, desde o solo, à construção, reabilitação, comercialização e posse do bem “casa para habitar”. É urgente fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases da Habitação garantindo que o Estado assuma o papel insubstituível, que constitucionalmente lhe incumbe, de promotor público de habitação.

Assim, e ainda que considerando que a concretização do direito à habitação só será consequente no quadro da luta por melhores salários e pensões, pelo fim da precariedade e por trabalho com direitos, impõe-se que o Estado adopte:

a) A promoção de uma política de solos que assuma a primazia das competências públicas no Ordenamento do Território, no Urbanismo e na Reabilitação Urbana combatendo, na origem, a especulação fundiária;

b) A aprovação de um verdadeiro Plano Nacional de Habitação, imputando ao Estado a liderança de programas públicos, cooperativos, do sector social e privados com a clara definição de objectivos e de investimento público;

c) O investimento no alargamento do parque habitacional público, no regime de renda apoiada, de modo a suprir a actual carência de mais de cem mil fogos para famílias a residir em condições indignas;

d) A revogação do NRAU e sua substituição por legislação clara, regulamentadora do mercado de arrendamento, enquanto atividade económica de reconhecida função social, e que seja garante de direitos quer de inquilinos quer de proprietários;

e) A criação de programas habitacionais públicos de estímulo ao arrendamento e o desenvolvimento de programas especiais de arrendamento para jovens;

f) A definição de taxas de esforço no arrendamento, beneficiando inquilinos de menores recursos, em especial reformados e idosos;

g) A promoção, através do movimento cooperativo, sector social e mutualista, de um parque habitacional, de custos e qualidade controlados, destinado ao regime de renda condicionada;

h) A criação de programas cooperativos, abertos a uma base alargada de agentes, destinados a habitação para arrendamento sem fins lucrativos;

i) A intervenção através da tomada de posse administrativa, em áreas de declarada carência habitacional, sobre fogos devolutos que sejam propriedade de fundos imobiliários, destinando-os a programas habitacionais públicos;

j) A criação de limites para a aquisição de habitações por fundos imobiliários, com a exigência de clara definição de uso posterior;

k)  A revisão da legislação fiscal de favorecimento a residentes não habituais e a concretização da extinção dos Vistos Gold;

 l) A limitação, em áreas de declarada carência habitacional, da eliminação de habitação por via de investimento turístico, seja através da reconversão urbana para hotéis, seja através da mobilização de habitações para uso de Alojamento Local ou arrendamento de curto prazo a nómadas digitais;

m) A criação de programas, dotados de linhas de crédito a taxas reduzidas, destinados à recuperação e reabilitação de habitação;

n) A criação de uma rede pública de residências, de preços controlados, para estudantes e para trabalhadores profissionalmente deslocados;

o) O investimento no desenvolvimento tecnológico da construção civil, inclusive nos processos industriais a montante, e na formação profissional de molde a diminuir custos e a melhorar a qualidade da habitação;

p) A clarificação e simplificação dos procedimentos legais que, no respeito pelas regras urbanísticas e construtivas, leve à celeridade processual e consequente diminuição dos custos administrativos.

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