Declaração de Jorge Pires, Membro da Comissão Política do Comité Central do PCP

«Novo ano lectivo, velhos e novos problemas»

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Depois de dois anos lectivos marcados pela epidemia, com uma desvalorização acentuada das aprendizagens, e de o último ano ter ficado marcado por uma forte instabilidade social, provocada pela intransigência negocial do Governo, o que seria de esperar, caso o Governo estivesse apostado em defender a Escola Pública e a qualidade do ensino, era que o presente ano lectivo começasse com a resolução dos problemas que têm afectado o funcionamento das escolas, não apenas no plano laboral, mas também com medidas que contribuam para a normalização do processo de ensino/aprendizagem.

Mas não! A uma semana do início das aulas, como vem sendo habitual, alguns aspectos importantes do funcionamento das escolas não estão devidamente esclarecidos, ou nem sequer são conhecidos, indiciando que a instabilidade nas escolas, veio para ficar. Não venha o Governo do PS  tentar responsabilizar os sindicatos, quando a responsabilidade é  inteiramente sua e de mais ninguém.

Desde logo uma questão central para o bom funcionamento  das escolas: a colocação atempada de todos os professores, para que todos os alunos tenham as aulas devidamente programadas. Só assim seria possível uma abertura tranquila e o normal funcionamento do ano lectivo, com a estabilidade e a qualidade que é exigida à Escola Pública. Contudo, no dia de ontem eram mais de 1700 horários, entre completos e incompletos, mas quase todos anuais, aqueles que as escolas tentavam preencher por não ter sido possível a colocação de um professor, por via do concurso. Este é um péssimo sinal para o ano que está a começar.

Tal como aconteceu no último ano lectivo, o Governo do PS vai continuar a recorrer a medidas avulsas de carácter imediato e mais baratas, sobrecarregando os docentes das escolas com horas extraordinárias, seja obrigando milhares de professores com sérios problemas de saúde a desempenhar actividade lectiva, alguns muito longe da sua área de residência ou de tratamento,  que vai  aumentar o número de baixas médicas, seja ainda, para colmatar a falta de docentes a algumas disciplinas recorrer em larga escala a licenciados sem habilitação profissional, contrariando o que a legislação define como indispensável para o desempenho de funções docentes,  um retrocesso de mais trinta anos e que se traduzirá na perda de qualidade das respostas educativas.

O que o Governo parece pretender é deitar mão à solução mais barata, em prejuízo da aposta na qualidade do processo ensino/aprendizagem, aposta que criaria as condições para que mais jovens optassem pela profissão docente.

Atrair mais jovens para a docência é não só determinante para colmatar a falta de professores, como para rejuvenescer o quadro actual. E a primeira acção que o Governo deveria desenvolver era a de recuperar os milhares de docentes que abandonaram a profissão. 

Tudo indica, a avaliar pelas colocações já anunciadas, que vamos ter um novo record de alunos sem todos os professores e ou de contratação pelas escolas de docentes não profissionalizados.

Há muito que se sabe que esta é uma  situação que tem tendência para se agravar, nomeadamente porque o número de professores a aposentarem-se anualmente é muito superior aos que saem das escolas de ensino superior com habilitação profissional para a docência. Se considerarmos os 5900 docentes que se aposentaram em 2022 e 2023, e os pouco mais de 1000 jovens docentes que ingressaram na profissão, compreendemos que estão criadas as condições para mais um ano lectivo muito difícil. 

Apesar do esforço do Governo para criar a ideia de normalidade na abertura do  ano lectivo, os elementos disponíveis para uma avaliação objectiva, apontam exactamente para o contrário.

Desde logo o facto de dezenas de milhar de alunos continuarem a sair do ensino obrigatório, seguindo ou não os estudos no ensino superior, sem que recuperassem as aprendizagens prejudicadas nos dois anos da epidemia, devido à ausência de medidas eficazes que permitam às escolas organizarem essa recuperação. Situação mais grave encontra-se na passagem das crianças do primeiro para o segundo ciclo. Mais uma vez, o Governo do PS ignora a situação e retira créditos de horas às escolas impedindo a contratação de mais professores para ajudar nessa recuperação. 

A comunidade educativa não pode levar a sério o que o Ministro da Educação disse sobre a evolução positiva na contratação de professores, quando um dos principais problemas que a Escola Pública tem enfrentado nos últimos anos é precisamente a não colocação atempada de milhares professores em falta e o recurso à contratação de milhares de professores sem profissionalização.

O que a situação exige é a criação de melhores condições de trabalho nas escolas, da revalorização da carreira docente por via da sua recomposição, de medidas de eliminação da precariedade e de rejuvenescimento da profissão.

Os problemas da Escola Pública não se resumem ao facto de sucessivos governos considerarem os profissionais do sector, meros «recursos humanos», sujeitos a regras economicistas de gestão sob a alegada capa de racionalização.

Mantém-se a preocupação em alargar o número de alunos do ensino secundário na via profissional, apontando o objectivo dos 60%, nomeadamente empurrando para eles os filhos das famílias de baixos rendimentos; é indisfarçável o discurso das chamadas disciplinas nobres e as de menor importância; mantém-se um elevado número de alunos por turma; é visível a instrumentalização ao sabor de interesses económicos; arrastam-se os exames nacionais que apenas servem para alimentar os rankings no final do ano lectivo; parece intocável um modelo de gestão que não permite a participação da generalidade da comunidade educativa nos níveis  de decisão estratégica; o subfinanciamento é já doença crónica; a desorganização do 1º ciclo do ensino básico e a manutenção das AEC são problemas que urge serem resolvidos; o processo de transferência de competências para as autarquias  e a insistência na obrigatoriedade da devolução dos manuais do 1º ciclo,  decisão absurda que apenas visa reduzir a despesa, são alguns dos muitos problemas que exigem medidas que os solucionem.

Não é escondendo a realidade que a podemos transformar, e muito menos procurando confundir os portugueses com pseudo soluções, que só agravam os problemas existentes, que os portugueses podem vir a atingir níveis mais elevados de conhecimento, fundamental para o desenvolvimento do País.

O PCP reafirma a necessidade de se orientar o nosso Sistema Educativo de acordo com o interesse nacional, incorporando desde logo o princípio de que investir em Educação é investir no País e não, como tem vindo a acontecer, considerar este investimento apenas mais uma despesa. Um Sistema Educativo que integre uma Escola Pública que combata as desigualdades económicas e sociais, que dê aos alunos iguais oportunidades e os apoios necessários para que tenham sucesso escolar e educativo é fundamental e, por isso, o PCP vai insistir na apresentação, na próxima sessão legislativa, de várias propostas que vão no sentido  de garantir o direito à educação de qualidade, nomeadamente em sede de discussão do Orçamento do Estado para 2024, na gratuitidade das fichas de exercícios para todos os alunos do ensino obrigatório, no reforço da acção social escolar, na garantia de verbas que deem às escolas recursos que lhes faltam para garantir uma educação efectivamente inclusiva e também que permitam resolver problemas de natureza sócioprofissional que estão a afastar profissionais das escolas e a impedir que os jovens optem pela profissão docente e outras, indispensáveis ao normal funcionamento das escolas.
 

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