Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão «A libertação do país da submissão ao Euro, condição para o desenvolvimento e soberania nacional»

"A libertação da submissão ao Euro é uma necessidade e uma possibilidade"

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Uma primeira palavra de valorização do debate hoje aqui promovido com um conjunto de intervenções que vieram e vêm enriquecer o património de reflexão e intervenção do PCP sobre as questões relacionadas com o Euro. Um agradecimento especial às contribuições do Professor João Ferreira do Amaral e do Professor Jorge Bateira que aceitaram partilhar connosco a sua reflexão, juntando-se a outros economistas do nosso País que têm estado presentes noutras iniciativas que temos promovido em torno de problemas centrais que estão colocados e as necessárias respostas que precisamos de dar.

Uma segunda observação para sublinhar que esta iniciativa fecha um ciclo de três debates que promovemos. Em Março, sobre o controlo público da banca, em Abril sobre a renegociação da dívida e agora, este, sobre a libertação da submissão ao Euro. Três questões de fundo, que estão no centro da necessária ruptura com a política de direita e da política alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe. Três opções que se relacionam entre si: uma banca privada, crescentemente detida pelo capital estrangeiro, sorvedouro de recursos públicos, fonte de processos danosos e fraudulentos, incapaz de responder às necessidades de crédito do País; uma dívida pública insustentável, garrote financeiro do País, fonte de especulação e chantagem e factor de empobrecimento nacional; e uma moeda única, contrária aos interesses nacionais e que amarra o País à submissão e dependência externa.

A terceira nota, é para sublinhar a actualidade desta nossa iniciativa. Quando ouvimos a Comissão Europeia, como ouvimos na semana passada no seu relatório trimestral de Primavera sobre Portugal, quando recordamos as declarações na recente presença do Presidente do BCE no nosso País, quando semanalmente instituições e organismos da UE se vão pronunciando, todos e a uma só voz, condenando a devolução, ainda que insuficiente e limitada, de direitos e rendimentos que foram roubados ao povo português, exigindo o regresso à marcha forçada da exploração e empobrecimento dos PEC's e da Troika que Governos PS e PSD/CDS concretizaram, ou elegendo a Constituição da República como um obstáculo aos seus propósitos que é preciso remover, percebemos que mais do que no passado, o presente e futuro reservam-nos uma luta que vai ser muito exigente pela recuperação da nossa soberania, pela afirmação do inalienável direito do povo português decidir do seu futuro. Olhe-se para a Grécia, olhe-se para o Chipre, olhe-se para Espanha, olhe-se por essa Europa fora e percebemos que para a União Europeia, para os interesses do grande capital, não há limites. Usando todos os instrumentos que controlam, querem e vão querer mais, mais sacrifícios, mais exploração e empobrecimento para saciar a voragem dos seus lucros, independentemente da pobreza, independentemente do desemprego, da emigração, da destruição que as suas políticas provocam. É esse o combate que temos pela frente.

Portugal desde que aderiu ao Euro, em Janeiro de 1999, praticamente deixou de crescer. Desde 2002, ano em que começou a circular o Euro, o crescimento é zero. Um dos países com pior desempenho na Europa e no mundo!

O fraco crescimento que foi tendo, perdeu-o com as recessões. A estagnação tornou as recuperações extremamente lentas.

Portugal, no ano passado, ainda produzia menos riqueza do que no ano em que se introduziram as notas de Euro. E ainda está distante de recuperar os níveis económicos que tinha antes do impacto do agravamento da crise capitalista 2007/08.

Portugal, com a moeda única, não perde anos, perde décadas!

O Euro é uma moeda adequada às necessidades e aos interesses da alta finança europeia e dos grandes grupos económicos europeus. Com um câmbio tendencialmente ajustado à capacidade produtiva e exportadora da Alemanha, aos seus níveis salariais e de produtividade, ao seu perfil industrial e comercial, às exigências das suas instituições financeiras.

Não serve para os trabalhadores e o povo português, não serve para Portugal. Pior. Prejudica as produções portuguesas, afecta gravosamente o nosso povo e o nosso País.

O Euro priva os estados dos instrumentos monetário, financeiro, cambial e orçamental para promover um desenvolvimento que leve em conta as suas realidades nacionais.

Em Portugal, reduziu o investimento, público e privado, a mínimos históricos, ao nível mais baixo pelo menos desde a década de 50. Este é já o quinto ano consecutivo em que a formação bruta de capital fixo não compensa o respectivo consumo, ou seja, em que o investimento efectuado não cobre o desgaste de equipamentos, maquinarias e outros instrumentos da actividade económica. O aparelho produtivo nacional está a descapitalizar-se, a degradar-se, a obsolescer.

Um país que não investe não cresce, muito menos sustentadamente. A integração monetária vai matando a capacidade produtiva nacional e compromete seriamente o futuro do País.

A moeda única também condicionou a actividade produtiva com as suas valorizações excessivas, encareceu exportações, substituiu produções nacionais por importações (em vez de substituir importações por produção nacional), contribuiu para arruinar a indústria e a agricultura e pescas.

O conjunto do sector primário, mais a indústria, energia e construção, que constituía um terço da produção nacional nas vésperas da adesão ao Euro, representa hoje menos de um quarto e perdeu entretanto cerca de um terço dos seus trabalhadores.

A moeda única provoca desemprego, que mais do que duplicou, precariedade, empobrecimento, emigração, envelhecimento e desertificação do País.

Estimula o endividamento externo, a saída de capitais e a especulação financeira.

Na ausência de um banco central nacional com todas as prorrogativas como emprestador de último recurso, submete o País ou à chantagem dos “mercados”, isto é dos especuladores, ou à chantagem do BCE, da União Europeia e do FMI, isto é da troika.

Não podemos fazer de conta que o problema não existe. Em traços largos, dentro do Euro o País não cresce, ou cresce muito insuficientemente, não se desenvolve, não recupera o emprego e está à mercê dos especuladores, do BCE e das agências de notação.

A adesão foi um desastre e a permanência é um desastre ainda maior. Recuperar a soberania monetária é recusar esta sentença. É não nos conformarmos com o subdesenvolvimento, nem com o empobrecimento, nem com a submissão do País.

A integração no Euro é um grande obstáculo ao desenvolvimento nacional, que tem que ser removido.

Seria mais adequado que, em concertação com outros povos europeus, a dissolução da União Económica e Monetária e medidas compensatórias para os países com maiores dificuldades no processo, mas ninguém pode ficar dependente dessa possibilidade.

Não se trata de nenhuma varinha mágica, mas é necessário para recuperar do atraso, combater a exploração, o empobrecimento, a estagnação e a dependência. Não é uma condição suficiente, mas é uma condição necessária.

Muito dependerá também das políticas que se puserem em prática com o abandono da Zona Euro. Por isso integramos a libertação da submissão ao Euro como componente da política patriótica e de esquerda que propomos ao País.

Especialmente com o controlo público da banca, alargando progressivamente a propriedade e a gestão públicas, reorientando a sua actividade para o financiamento produtivo em vez de especulativo, apoiando criteriosamente as pequenas e médias empresas e as famílias e não desperdiçando, no imediato, a integração do Novo Banco no sector público como tem vindo a propor o PCP.

Controlo público da banca indispensável para garantir o controlo nacional da criação monetária, desde a emissão pelo Banco de Portugal à criação de moeda (que é um bem público) pelos bancos comerciais, resgatados ao domínio monopolista cada vez mais estrangeiro, garantindo a solvabilidade, a liquidez, a viabilidade e a solidez da actividade bancária.

Especialmente também com a renegociação da dívida pública, nos seus prazos, juros e montantes, que reduza substancialmente o volume de encargos anuais e o endividamento externo, liberte fundos para o investimento e as funções sociais do Estado, estanque a sangria de recursos para o estrangeiro.

Mas não basta combater o endividamento, é preciso combater as causas do endividamento.

Dentro do Euro, as dívidas pública e externa portuguesas tornaram-se das maiores do mundo. Com a estagnação da economia. Com os constrangimentos ao investimento, desde logo público, que leva ao definhamento das nossas produções. Com a excessiva apreciação cambial, incomportável para a indústria nacional. Com o estímulo às importações. Com o incentivo à especulação financeira e ao endividamento da banca no estrangeiro.

Não deixa de ser irónico constatar, noutro reconhecimento implícito da inadequação da moeda única à realidade nacional, que com a dívida pública actual, de 129% do PIB, a que o País foi conduzido com o contributo determinante do Euro, Portugal nunca poderia ter aderido ao Euro, visto que ultrapassa o dobro do máximo admissível, de 60% do PIB, do critério de entrada.

Face à situação do País, a libertação da submissão ao Euro, deve ser cuidadosamente preparada, com a preocupação de defender os rendimentos, as poupanças e o nível de vida da generalidade da população.

Para o PCP, é justo que os eventuais custos recaiam sobre os especuladores, o capital financeiro, os grandes grupos económicos, que beneficiaram da adesão ao Euro.

Não é a introdução da nova moeda, mas a permanência no Euro, desajustado e coercitivo da nossa economia, que empobrece a população e o País.

Desde 2007 que o PCP tem vindo a propor a dissolução da União Económica e Monetária que seria a solução ideal para romper com este constrangimento, negociando medidas compensatórias e transitórias para os povos que sofreram os impactos do Euro. Mas o rumo de integração capitalista da UE não vai nessa direcção, bem pelo contrário.

O País tem de estudar e preparar a sua libertação da submissão ao Euro, decorra esta opção de uma decisão soberana do povo português, de uma imposição externa ou de um processo de dissolução da União Económica e Monetária. Esta preparação é essencial para garantir o pleno aproveitamento das vantagens de uma saída e a minimização dos seus custos. Custos que não iludimos ou ignoramos.

Aos que acusam o PCP de irresponsabilidade por avançar com esta proposta, procurando semear a confusão e o medo de que o PCP propõe uma saída imediata, sem medidas preparatórias ou contrapartidas, é preciso afirmar que irresponsabilidade é não negociar e abrir esta perspectiva na União Europeia, é não accionar todos os mecanismos que estudem a forma de defender os interesses nacionais perante uma opção que marca um rumo de ruptura com os interesses do grande capital e que se centra nas aspirações dos trabalhadores, do povo e do País.

A abertura desta perspectiva na União Europeia e o estudo e a preparação que o Estado português deve fazer para a necessária libertação do Euro é urgente e necessária. Para proteger os rendimentos dos trabalhadores e das famílias, para garantir as suas poupanças, para assegurar o normal funcionamento do comércio internacional, para garantir a liquidez do sistema financeiro, salvaguarda a níveis seguros das reservas de capitais e de divisas do País.

Se foram necessárias medidas e opções para amarrar o País ao Euro, da mesma forma são necessárias medidas e opções políticas que assegurem a libertação do País da moeda única, com a ideia central que se trata de um processo político. Podemos sintetizar rapidamente algumas das preocupações centrais da preparação para a recuperação da soberania monetária, a que correspondem numerosas propostas concretas que temos, ao longo dos anos, vindo a discutir no Partido, algumas mencionadas no projecto de resolução que apresentámos em Setembro de 2014, designadamente:

A desvinculação do Banco de Portugal do Eurosistema e a reassunção plena das suas funções de banco emissor, regulador e prestamista de último recurso.

A adopção das necessárias disposições técnicas de transição para a nova moeda (incluindo a equivalência inicial entre a nova moeda e Euro).

O assegurar do funcionamento regular da economia e do comércio externo e o controlo de capitais.

A estabilidade e a convertibilidade da nova moeda.

A solvabilidade e a liquidez da banca, só possível num quadro de recuperação do controlo público dos bancos.

Pela tranquilização da população e dos agentes económicos quanto às suas poupanças.

A conversão da dívida, pública e privada, gerada no País para a nova moeda e que seria necessariamente parte de um processo de renegociação da dívida pública de que o País necessita.

A tradução para a nova moeda da vida económica e financeira do País.

A restrição da actividade especulativa.

A garantia do aprovisionamento energético e de outros bens essenciais.

A defesa dos salários, dos rendimentos e do consumo das populações.

A libertação do Euro é necessária. A libertação do Euro é possível.

Há quem diga que não aprendemos com a Grécia. Mas isso é virar o bico ao prego. Porque a Grécia, ao contrário por exemplo do Reino Unido ou da Suécia, está no Euro. O descalabro económico e social grego é o exemplo do que pode suceder a um País dentro do Euro.

O grande erro do governo grego não foi querer sair do Euro. Ao contrário, foi ter alimentado ilusões de que era possível eliminar a política de exploração, empobrecimento e afundamento e desenvolver o País dentro do Euro, foi não ter preparado o País para se libertar dele. Uma grande lição para todos os povos europeus.

A soberania monetária é uma necessidade estrutural do País.

Para adequar a moeda à realidade, às necessidades e às potencialidades nacionais.

Para uma gestão monetária, financeira, cambial e orçamental autónoma, ajustada à situação do País.

Para recuperar um banco central ao serviço do País, que termine com a dependência e a chantagem dos “mercados” ou da troika no financiamento de último recurso da banca e do Estado.

Para se libertar do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do Tratado Orçamental e sucedâneos, dos Programas de Estabilidade e Planos Nacionais de Reformas, da política de exploração e empobrecimento, dos constrangimentos ao investimento e à actividade produtiva.

Para se proteger das perdas de competitividade das apreciações da moeda única.

Para se livrar da União Bancária, que pressiona a privatização e alienação da banca nacional. Como ficou bem visível nas imposições feitas pelo BCE nos processos do BES e do BANIF, ou na chantagem que está em curso em torno da recapitalização pública da Caixa Geral de Depósitos.

Para resistir melhor à especulação financeira, à saída de capitais e ao endividamento externo.

Para defender o regime democrático e o direito dos portugueses a decidir do seu destino.

Para viabilizar uma política patriótica e de esquerda e a resposta às necessidades mais prementes da população.

A libertação do País da submissão ao Euro deve conquistar apoio junto dos trabalhadores e da população. E a vontade política de um governo determinado a levá-la a cabo. É, insistimos, um processo político.

Não se alimentem as ilusões e aprenda-se com as duas últimas décadas.

Se em tal ou tal ano, devido à conjugação excepcional de condições favoráveis – as baixas taxas de juro, baixos preços de petróleo, Euro depreciado, reforço da política de injecção de liquidez pelo BCE –, se pode observar um insuficiente crescimento, tenha-se a prudência de não o extrapolar em estimativas a ritmos que a realidade, com grande probabilidade, desmentirá.

Dentro do Euro, a necessária melhoria de rendimentos, de direitos e dos níveis de vida da população rapidamente esbarrará nos muros de betão da sua arquitectura e será tolhida pelas suas regras cada vez mais constrangedoras.

Governação económica, semestres europeus, vistos prévios de orçamentos não servem o povo português e programas de estabilidade, que os acatem e apliquem, colidem com a recuperação de rendimentos, refreiam o combate ao empobrecimento, comprometem o investimento, esmagam o crescimento, perturbam a distensão da vida nacional, obstaculizam uma política patriótica e de esquerda, dão continuidade a aspectos centrais da política de direita.

Opusemo-nos e contribuímos para a derrota do projecto de resolução do CDS na discussão sobre o Programa de Estabilidade e do Plano Nacional de Reformas, que insidiosamente procurava branquear as suas responsabilidades e promover a política de exploração, e reverter a reposição de rendimentos e direitos.

Mas demarcamo-nos desses documentos que o Governo enviou para a Comissão Europeia, que são da responsabilidade do PS e do seu governo, bem como de todos os instrumentos de ingerência, de controlo e de dominação da UE sobre os estados membros.

Dentro do Euro, Portugal fica amarrado à estagnação e à recessão, ao desaproveitamento das suas potencialidades, ao subdesenvolvimento, ao empobrecimento, à dependência e à submissão nacional.

A libertação da submissão ao Euro é uma necessidade e uma possibilidade. Sem a libertação do Euro, como propõe o PCP, sem a recuperação do controlo público da banca, sem a renegociação da dívida, não será possível consolidar uma política de recuperação de direitos e rendimentos na qual estamos empenhados. Longe vão os tempos em que era o PCP, e quase só o PCP, que alertava para as consequências que hoje estamos a sentir. Apesar de toda a propaganda e mistificação em torno das supostas virtudes do Euro, a consciência colectiva de que o País está perante um problema que precisa de resolver tem vindo a alargar-se. Uma ideia que vai ganhando força e sobre a qual convergem muitos democratas e patriotas.

Da parte do PCP, continuaremos a intervir de forma séria, empenhada e responsável para devolver ao País e ao Povo aquilo que lhe pertence. O País não está condenado, os povos não têm que viver com o cutelo do Euro sobre a cabeça. E como tantas vezes a vida tem demonstrado, na vida dos povos não há situações sem saída.

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