Financiamento do Ensino Superior

Declaração política, trazendo à colação a crise financeira por que passam as instituições de ensino superior público

Intervenção de Miguel Tiago na AR

 

Senhor Presidente,

Senhores Deputados,

No debate de urgência que o PCP agendou nesta Assembleia denunciou a situação com que estão confrontadas as Instituições de Ensino Superior Público, no plano financeiro. Simultaneamente, o PCP apresentou aqui um Projecto de Resolução que aponta para a tomada de medidas urgentes de reforço da verba de financiamento do Ensino Superior.

As Universidades, como os próprios reitores têm deixado claro, estão numa situação de pré-ruptura e de colapso financeiro. Estas instituições não têm verbas suficientes para pagar os próprios salários dos seus professores e funcionários. Nem mesmo com recurso a propinas cada vez mais altas, as universidades conseguem fazer frente às suas despesas correntes. A investigação universitária, em especial a que não cai sob as boas graças dos protocolos internacionais decididos pelo Ministro Mariano Gago, desenvolve-se num panorama de brutal desinvestimento, sendo que o financiamento do ano de 2006 ainda não foi pago às universidades e os overheads (gastos fixos de manutenção e suporte) não são pagos desde o ano de 2001. Esta política de estrangulamento financeiro coloca cada vez mais sobre os estudantes a responsabilidade de financiar e suportar o Ensino Superior Público, assim retirando esse papel ao Estado que o deveria assumir integralmente de acordo com a Constituição da República Portuguesa.

As Instituições de Ensino Superior Politécnico, alvos de uma política de secundarização e subalternização desse sub-sistema, sentem com particular incidência, as políticas de sub-financiamento, bem como os efeitos perversos do conjunto de medidas que o Governo tem vindo a tomar, nomeadamente no plano da Avaliação da Qualidade.

A estratégia de desmantelamento de Ensino Superior Público, de ataque à soberania nacional e de submissão da política de formação e qualificação de recursos humanos, de investigação e desenvolvimento à orientação dos grandes interesses económicos coloca o país numa posição perigosamente frágil. A economia portuguesa e a qualidade de vida das populações, está intimamente dependente da estrutura de recursos humanos. Para uma consolidação desse tecido humano qualificado, o país precisa urgentemente de uma rede de Ensino Superior Público que seja encarada enquanto um instrumento do Estado para o seu desenvolvimento integrado, quer no plano da investigação, no plano da inovação e no plano da produção.

A política do Governo do Partido Socialista para o Ensino Superior tem sido a de colocar instituições contra instituições. As Instituições passam a ser entendidas como supermercados do conhecimento e das competências, disputando concorrencialmente os clientes: os estudantes.

Os contratos de saneamento financeiro apresentados pelo Governo como a tábua de salvação para as instituições demonstram dois factos:

UM: que é verdade que as instituições de ensino superior se encontram numa situação de absoluta ruptura financeira. Que, assim, o PCP tinha e tem razão ao denunciar e combater esta situação, bem como ao apresentar o projecto de resolução de reforço imediato da dotação financeira das universidades e politécnicos.

DOIS: que o Governo financia de forma discriminatória e apenas de acordo com a sua própria vontade, as instituições de ESP. Apenas sob o compromisso das instituições com despedimentos, não renovação de contratos, aumentos de propinas, o Governo abre a bolsa. Ou seja, com estes contratos torna-se óbvia a política de controlo e governamentalização das instituições. O Governo estrangula financeiramente as instituições, esmaga qualquer possibilidade de investimento eliminando o PIDDAC para o ESP e não abre um único programa para acesso ao QREN por parte destas instituições e depois culpabiliza-as pela situação e vai abrindo uma bolsa, a conta gotas, na medida da submissão política que consegue de cada instituição.

Por isso mesmo é ainda mais importante assegurar um financiamento baseado em fórmula transversal e transparente que assente no reconhecimento da importância do Ensino Superior como uma estrutura nacional, articulada e autónoma, mas sempre ao serviço da coesão e do desenvolvimento económico, numa perspectiva integrada e não concorrencial. A continuação desta política de chantagem perante as instituições levará inexoravelmente à deterioração da qualidade do ensino e à degradação das condições e direitos laborais.

Em Janeiro, o próprio Primeiro-Ministro prometeu às Instituições de Ensino Superior a mudança da política de financiamento deste sistema de ensino. Prometeu o próprio envolvimento das instituições na definição do orçamento para 2009 e a articulação em reuniões periódicas entre o Governo e CRUP e CCISP e que seriam definidos conjuntamente critérios para a criação de um fundo concorrencial com vista ao reforço das instituições segundo o seu mérito. O compromisso temporal assumido foi o mês de Março, estamos em Junho e não houve lugar a uma única reunião. É caso para pensar se não estaria de facto o Sr. Primeiro-Ministro afinal a usar uma vez mais a intensa campanha de propaganda do Governo para apaziguar a contestação que já então se fazia sentir.

O apelo desta última semana, do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas para o reforço urgente das instituições vem confirmar aquilo que o PS teima em desmentir. O PS julga que lhe basta mentir e sorrir, para que seja cumprido o seu papel no parlamento. Mas o que é preciso é falar verdade e executar políticas a sério. É tempo de desmascarar a política do Governo para o ESP e para a Ciência e Tecnologia. É preciso romper com a arbitrariedade que encontra pasto nos gabinetes de Mariano Gago, que afecta verbas a Instituições e Projectos por decisão governamental. O PCP apresentou aqui esse Projecto de Resolução que espera que o PS pondere: o do reforço urgente do financiamento e do fim da política de contratos de saneamento financeiro. E ao mesmo tempo, entregou na mesa da Assembleia duas perguntas ao Governo sobre os projectos financiados em parceria com instituições estrangeiras para quem foram direccionados 30 Milhões de Euros e sobre os projectos financiados em entidades privadas, quais os montantes dos apoios, que concursos decidiram os apoios, que júris, quais os objectivos e os responsáveis de cada um dos projectos. Porque só com transparência e com uma política de promoção estrutural da qualidade e da progressiva gratuitidade do ensino superior será possível criar as condições para colocar o Ensino Superior Público à altura da resposta necessária aos reais problemas das populações ao serviço da economia nacional.

Disse.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Manuel Mota,

De facto, o seu discurso está próximo da comédia, pena é que estejamos aqui a falar a sério e não estejamos num qualquer episódio de comédia.

Sr. Deputado Manuel Mota, é um facto que esta discussão é recorrente e se prende com a circunstância de o subfinanciamento das instituições de ensino superior ser também crónico e, portanto, motivar sempre uma discussão e uma preocupação permanentes. Mas prende-se, ainda, com outro facto que é o de estar a atingir um patamar tal que está a colocar as instituições de ensino superior numa situação de ruptura absoluta. Na verdade, por mais que o PS a tente branquear ou tente esconder, ela existe e sabem-no os estudantes que pagam as mais altas propinas de sempre, quer no 1.º ciclo quer no 2.º ciclo, sabem-no os estudantes que antes tinham acesso a cinco anos de estudos financiados pelo Governo em igualdade e que agora só têm três anos, facto que os senhores mostram como «grande modernidade e grande avanço»...! É a isso que o Sr. Deputado chama a adaptação do ensino superior às necessidades? É aumentar as propinas dos 3.º e 4.º anos ou dos 4.º e 5.º anos do ensino superior? É pagar mais de 1000 euros de propinas nos 2.º ciclos? É pagar quase 1000 euros no 1.º ciclo? É mesmo essa a modernidade e a adaptação do ensino superior às necessidades do País!?... Devem ser as necessidades do País mas as mesmas necessidades que vão controlando aquilo que o Governo vai fazendo, isso sim...!

Sr. Deputado Manuel Mota, o mínimo que se exigia a um partido que sustenta um Governo era que reconhecesse a situação em que se encontram as instituições, que se deslocasse às instituições e fosse ver, como nós também temos visto, instituições que nem sequer cortinas têm e que usam sacos de plástico para fazer de cortina; que fosse ver o regime para maiores de 23 anos e como funciona, e onde há instituições que usam esse regime para fazer dinheiro, porque não há dinheiro na instituição e o Governo não envia para lá quaisquer verbas.

Sabe o que é que se tem passado com esse regime? Abertura de 150 vagas para preparação do ingresso no ensino superior, ao abrigo do regime para maiores de 23 anos, e depois a abertura de cinco vagas efectivas, ou seja, a universidade arrecada dinheiro com a preparação de 150 estudantes e depois, na verdade, só abre cinco vagas para esse regime!!

Não há-de ser com esse regime que há esses aumentos no número de estudantes.

(...)

Sr. Presidente,

Sr.ª Deputada Ana Drago,

A política do Sr. Ministro Mariano Gago e deste Governo é, de facto, de uma arbitrariedade injustificada e que assenta, em grande parte, apenas numa campanha de propaganda. Os fundos que estão afectos, segundo as palavras do Governo, à ciência e tecnologia são praticamente, na íntegra, dedicados a programas com instituições, na sua maioria privadas e estrangeiras, de cujos processos concursais pouco conhecemos, se é que existiram, cujos responsáveis de projectos não conhecemos, nem conhecemos ainda sequer o número de doutorados ou de doutorandos e quantos serão portugueses ou virão de instituições portuguesas.

Também não sabemos como foram escolhidas as instituições para participar com essas instituições estrangeiras e para aí vai uma grande fatia dos fundos.

Outra grande fatia vai para empresas privadas ou laboratórios associados, que, em torno também do sistema de ensino superior, se colocam na investigação e no desenvolvimento em Portugal, mas o que é certo é que essa conversa cai em saco roto quando olhamos para as universidades, elemento essencial da investigação e desenvolvimento. É porque às universidades não toca, esse dinheiro não vai para as universidades! Portanto, a conversa de que o Governo está a investir em ciência e tecnologia deve ser, desde já, desmascarada.

Quanto à segunda questão que colocou, e com toda a pertinência, acerca da relação entre a qualidade e as propinas, os governos têm encontrado um expediente fácil para, sempre que precisam de aumentar as propinas, dizerem que estas servirão para o aumento da qualidade no ensino superior. Julgo que já ficou bem claro para todos que esta foi uma mentira desde o primeiro dia e que nunca houve sequer a intenção de melhorar a qualidade. A prova disso é que as propinas têm aumentado e a qualidade vai diminuindo e é preciso dizer pouco mais do que isto para comprovar essa situação.

Sr.ª Deputada, no nosso entendimento, a única forma de garantir o aumento da qualidade no ensino superior é responsabilizar directamente o Estado por essa qualidade e isso implica directamente a gratuitidade do sistema de ensino superior.

(...)

Sr. Presidente,

Sr. Deputado José Paulo Carvalho,

De facto, o Ministro da Ciência. Tecnologia e Ensino Superior tal como a bancada do Partido Socialista julgam que escondendo a realidade e insistindo na sua camuflagem alteram a situação e ganham a batalha política.

Não ganham a batalha política! Ganham, isso sim, uma batalha retórica e de propaganda para a qual não contam com o PCP!

De facto, o subfinanciamento das instituições de ensino superior é acumulado e esses 15% que referiu são aqueles que advém, basicamente, da obrigatoriedade do pagamento das contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, mas há um subfinanciamento que é muito mais antigo e que agora tem efeitos mais perversos, porque é incrementado, o seu efeito é potenciado por essa nova responsabilidade que foi colocada sobre as instituições de ensino superior e que não correspondeu a qualquer reforço da verba.

Sr. Deputado, sem dúvida alguma, que o financiamento tem sido utilizado como arma de arremesso e como carta de chantagem perante as instituições.

O financiamento tem uma fórmula, essa fórmula distribui apenas o que há disponível e depois, obviamente, guarda-se um grande fundo de maneio que o Governo abre consoante a submissão que consegue de cada instituição.

Isso é muito claro!

E a submissão é, obviamente, contrária à autonomia.

Sr. Deputado, deixe-me chamar-lhe a atenção, e também à Câmara, para um outro problema que se vive principalmente nos institutos politécnicos. A actual situação que se vive nos institutos politécnicos de, como sabem, estarem obrigados no prazo de dois anos a terem 50% do corpo docente qualificado ou, caso contrário, serão alvo, provavelmente, de um processo de encerramento, está a colocá-los numa situação particularmente difícil.

As instituições estão a ver-se obrigadas a reduzir, por via do subfinanciamento, o número de professores, ou seja, os professores que ficam têm de fazer mais horas para dar as aulas e como têm mais horas para fazer não podem proceder à necessária qualificação...

Portanto, uns são despedidos e aos outros é-lhes inviabilizada a possibilidade de qualificação! É caso para perguntar o que acontecerá às instituições de ensino superior politécnico quando vier a avaliação...!

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