Exames nacionais

 

Exames nacionais do ensino básico e do ensino secundário

Intervenção de Miguel Tiago na AR

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

O PCP quer, antes de mais, saudar o agendamento deste debate.

É um facto que os exames nacionais constituem um instrumento de avaliação, que, pelas suas consequências e pelos seus impactos, merece uma reflexão política aprofundada. Assim, saudando o agendamento deste debate, o PCP desde já rejeita frontalmente a perspectiva ideológica com que o CDS-PP os discute.

O CDS-PP aproveita o actual momento para se vir afirmar defensor do rigor e da exigência, para cavalgar uma certa onda mediática criada em torno de um alegado facilitismo dos exames nacionais. O Partido Socialista e o Governo entram na disputa e dizem que, afinal, os níveis de exigência estão elevados e que os estudantes é que sabem mais hoje do que sabiam ontem.

Ambos deixam de lado a questão central dos exames nacionais: a do carácter eliminatório destas provas.

Dizem que os exames nacionais são essenciais para nivelar os estudantes perante uma bitola igual para todos, mas esquecem-se deliberadamente que os estudantes não podem ser todos avaliados pela mesma bitola. Uns estudam em turmas de 30 e 32 estudantes, em escolas degradadas, sem pavilhões, sem salas de aula, sem bibliotecas, sem Internet, sem espaços de convívio, sem professores; outros estudam em turmas de 20 a 25 alunos, em escolas com todas as condições, com biblioteca e ludoteca, com espaços amplos e cobertos para convívio, com pista de atletismo e pavilhão desportivo; outros ainda estudam em escolas de elite, privadas, com piscinas, com turmas reduzidas e ensino quase personalizado. Mas todos, todos sem excepção, serão submetidos às mesmas provas de avaliação.

Também procuram ignorar, Governo, PSD, PS e CDS, que os exames nacionais são uma forma objectiva de contornar a avaliação contínua. Isto significa uma desconfiança visceral do trabalho das escolas e do trabalho dos professores.

Os únicos agentes educativos que podem julgar de forma ajustada a cada realidade e determinar com base em critérios objectivos a avaliação dos estudantes são os professores que diariamente os acompanham. A cultura de avaliação contínua, acompanhada por processos de auto e heteroavaliação, é a resposta para a necessária hierarquização dos estudantes de acordo não com as suas posses ou estatuto social mas com as suas capacidades e potencialidades.

Uma outra dimensão que tanto CDS como PS e Governo esquecem é a da componente ideológica e comportamental subjacente aos exames nacionais. A escola, o sistema de ensino, ao invés de fazer convergir todos os seus esforços e capacidades para a formação integral do indivíduo, promovendo comportamentos baseados na cidadania e na vivência democrática, na solidariedade, na entreajuda e na cooperação, aponta exactamente no sentido oposto, ou seja, no da seriação dos estudantes com base apenas em resultados numéricos condicionados pela sua posição social ou pela disponibilidade de recursos da sua família, estimulando cada vez mais a competição, o individualismo, o «salve-se quem puder» e outros comportamentos totalmente desviados dos próprios objectivos sociais colocados ao ensino, de acordo com a Lei de Bases do Sistema Educativo e com a própria Constituição da República Portuguesa.

O problema não está na forma técnica ou no grau de dificuldade dos exames, está na sua própria existência enquanto instrumento de elitização do ensino e de limitação do acesso ao ensino superior. Assim, as dúvidas sobre o grau de dificuldade dos exames nacionais, sobre o alegado facilitismo, vêm apenas evidenciar um outro perigo desta política: o da efectiva possibilidade de instrumentalização governamental dos exames nacionais. Só uma avaliação contínua, ligada à realidade diária dos estudantes e ajustada às condições em que cada processo de ensino-aprendizagem é levado a cabo, pode garantir a não instrumentalização do processo de avaliação.

A ser verdade que o Governo orientou os autores dos exames para diminuir os seus graus de dificuldade, duas questões óbvias surgem: em primeiro lugar, que é possível o Governo aumentar ou diminuir o grau de dificuldade dos exames em função da necessidade de propaganda que sente no momento, instrumentalizando a avaliação dos estudantes para benefício próprio; em segundo lugar, a hierarquização por critérios absolutos e indiscriminados mantém-se, quer com exames fáceis quer com exames difíceis, e o objectivo central dos exames nacionais, seriar e hierarquizar, não é afectado pelo seu grau de dificuldade. Subvertem ainda o processo educativo, tornando-o num processo de treino, ao longo de um ano inteiro, para dar resposta a um exame em poucas horas.

Por isso mesmo, todas as questões levantadas hoje não devem servir para alterar a forma dos exames nacionais mas, sim, para evidenciar o carácter injusto que lhes é inerente. Este debate deve motivar todos para uma reflexão sobre a escola que queremos. Os estudantes, com a sua luta determinada e persistente, que dura há anos, contra os exames nacionais, provarão certamente a justeza da sua luta, tal como no passado fizeram contra outras provas eliminatórias que em boa hora foram extintas. Nessa luta, contam com o apoio da Juventude Comunista Portuguesa e do Partido Comunista Português.

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