Intervenção de Ângelo Alves, membro da Comissão Política do Comité Central, Seminário «O Euro e a União Económica e Monetária. Constrangimentos e Rupturas»

O Euro e a União Económica e Monetária. Constrangimentos e Rupturas

O Euro e a União Económica e Monetária. Constrangimentos e Rupturas

Permitam-me no encerramento deste seminário organizado pela representação do PCP no Parlamento Europeu e pelo GUE/NGL, começar por agradecer a participação de todos e valorizar os contributos que aqui nos trouxeram os diversos oradores deste seminário. Um agradecimento que em nome da Direcção do PCP gostaria de endereçar de forma especial aos nossos convidados estrangeiros, representantes da Esquerda Unida de Espanha, do AKEL do Chipre e do Sinn Fein da Irlanda, valorizando o seu contributo para enriquecer a nossa reflexão sobre o tema que aqui nos trouxe e para nos ajudar a conhecer melhor as realidades nacionais em que intervêm. A eles reafirmamos a nossa solidariedade para com as lutas em que estão envolvidos, as batalhas comuns em prol dos direitos, do progresso, do desenvolvimento e paz, e também as mais específicas dos vossos países como a do AKEL pela reunificação do Chipre e o fim da ocupação, ou as eleições que se irão realizar, quer na Espanha quer na Irlanda.

Por este nosso seminário perpassou uma ideia fundamental, O Euro e a União Económica e Monetária revelaram-se não um factor de equilíbrio, de coesão, de convergência económica, progresso social, de estabilidade, mas sim de domínio económico, criado para responder aos interesses do grande capital transnacional europeu e do directório de potências comandado pela Alemanha, instrumento de concertação e rivalidade inter-imperialista, criador de assimetrias, injustiças, desigualdades e de crescente instabilidade aos mais variados níveis.

Como foi hoje aqui mais uma vez demonstrado, as políticas e pilares associados ao processo de integração capitalista na Europa, algumas das quais sistematizadas e aprofundadas, sobretudo no plano da política económica, no projecto da UEM, foram, entre outros aspectos, uma tentativa de resposta à crise estrutural do capitalismo e em particular à baixa tendencial da taxa de lucro, tal como o foi a criação da própria CEE. Mas, e exactamente por essa razão, foram, como a realidade o está a demonstrar, simultaneamente, um factor de aprofundamento dessa mesma crise e dessa mesma tendência, ou seja estão na raiz da situação que estamos viver.

E esta é uma questão central dos nossos dias. Como já hoje foi aqui afirmado a crise que se vive na União Europeia é uma expressão da crise do capitalismo na Europa e simultaneamente uma crise da própria União Europeia e do Euro. Uma crise à qual o grande capital, a direita e a social-democracia estão a responder com ainda mais exploração e com um aprofundamento ainda maior dos três pilares do processo integração capitalista.

Os Memorandos de Entendimento a que três dos quatro países aqui representados foram sujeitos são uma boa demonstração daquilo que acabámos de dizer. A filosofia dos memorandos de entendimento, ou dos pactos de agressão como lhe chamamos, foi a de, num curto espaço tempo, concentrar, forçar e intensificar, de forma particularmente violenta, políticas e medidas de concentração e centralização de capital, de empobrecimento das populações, de aumento da exploração e de retirada de soberania aos Estados. Mas estas são políticas e orientações que há muito vinham paulatinamente sendo impostas no quadro do processo de integração capitalista. Políticas e medidas que respondem a interesses de classe – os dos grandes monopólios e do directório de potências comandado pela Alemanha – e que visam manter os seus instrumentos de domínio, nomeadamente o Euro, à custa das condições de vida e direitos dos povos.

E só neste curto espaço tempo, os resultados são elucidativos. Em Portugal regredimos 15 anos; as alavancas económicas estratégicas do País estão quase todas nas mãos de capital estrangeiro; foram destruídos 400.000 postos de trabalho; o investimento público, e também o privado, bateram no fundo; a dívida explodiu, atingindo 134% do PIB; 1/4 da população vive na pobreza ou no limiar dela. Em três anos de Pacto de Agressão os salários foram reduzidos em mais de 18%; cerca de 70.000 empresas encerraram portas, a precariedade disparou e cerca de 300.000 trabalhadores foram obrigados a emigrar, nomeadamente jovens quadros, como os profissionais de saúde que saem aos milhares para países estrangeiros ao mesmo tempo que as nossas urgências colapsam com um simples surto de gripe.

Como aqui ouvimos, os resultados nos outros países intervencionados são similares, já para não falar da Grécia que confrontada com uma dívida impagável demoraria cerca de meio século a recuperar da tragédia económica e social provocada pela intervenção das chamadas “instituições”.

Mas, como disse, os memorandos de entendimento foram apenas (se é que se pode usar este termo quando falamos de tão grandes ondas de destruição) uma forma de acelerar e concentrar no tempo a aplicação de politicas que já vêm de trás e que sustentam o processo de integração capitalista. Mas mais, se é verdade que esses programas foram uma espécie de terapia de choque ditada pela magnitude da crise, uma continuação acelerada de projectos antigos, é simultaneamente verdade que configuraram linhas de experimentalismo para um novo patamar de exploração e opressão com que se pretende dar continuidade ao projecto da União Europeia e do Euro.

Ou seja, a política dos memorandos é a mesma da da União Europeia e do Euro e vice-versa. Qualquer ilusão de contradição entre a política de austeridade e o Euro é isso mesmo, uma ilusão, que só pode conduzir a luta dos povos a becos sem saída ou a desilusões enormes. Ou então é pura propaganda hipócrita como foi o caso das declarações de Juncker que mais não visam do que tentar esconder a ligação umbilical entre as políticas das troikas e os pilares, orientações, estratégia e políticas do Euro e da União Europeia.

Se os resultados de três anos de pacto de agressão são elucidativos da natureza de classe e objectivos destas políticas o mesmo se aplica se alargarmos a análise a um período mais largo. No caso de Portugal conseguimos ver – ao olhar para os períodos desde a adesão de Portugal a CEE em 1986 ou à UEM em 1999 - essa política e estratégia constante de concentração e centralização de capital, de regressão social e, com particular impacto desde a criação do Euro, de ataques às funções sociais dos Estados, de retirada de direitos, de desvalorização do valor do trabalho, de fragilização do aparelho produtivo, de ataques à democracia e à soberania.

Esta constatação relativamente a Portugal é facilmente ilustrada com alguns dados. No plano do emprego foram destruídos cerca de 630 mil postos de trabalho desde a entrada em circulação do Euro, o número de desempregados aumentou 145%, como já hoje foi referido. No que toca à evolução do PIB, desde 1996 até 2014 Portugal cresceu uns míseros 1,2%. Se considerarmos o período desde a adesão ao Euro verificamos então que esse crescimento anémico se transforma pura e simplesmente em estagnação, a realidade dos últimos 17 anos, período no qual a quebra de investimento público e privado foi constante e acentuada. Olhando para a taxa de Formação Bruta de Capital Fixa em percentagem do PIB, um indicador que nos diz se o País está a adquirir bens e equipamentos para desenvolver a capacidade produtiva, verificamos que ela no ano 2000 se situava nos 28%, hoje é de 15,3%, quase metade! No entanto os lucros do capital cresceram neste mesmo período mais 60% do que os salário, ou seja, num contexto de contracção da produção uma diminuição muito significativa do valor do trabalho.

Claro que esta regressão acentuada tem responsáveis nacionais - o PS, o PSD e o CDS - os protagonistas da política de direita no nosso País. Mas esses foram exactamente os devotos defensores das políticas comuns, das regras do mercado comum e do Euro, factores que expuseram o aparelho produtivo nacional a uma pressão concorrencial para a qual não estava preparado e que contribuíram em grande medida para a escalada de endividamento do País cuja dívida pública à data da entrada no Euro era de 60% do PIB. Ou seja, a política de direita e as políticas e imposições do Euro são duas faces de uma mesma moeda.
Contrariamente à propaganda do mercado de 500 milhões, da entrada no pelotão da frente e do aumento da competitividade da economia portuguesa, a introdução do Euro acelerou o processo de fragilização e quase destruição de importantes sectores produtivos nacionais, como aliás ficou bem demonstrado nas intervenções proferidas neste seminário e nos dados que nos indicam que à altura da adesão de Portugal à CEE a Indústria e a Agricultura representavam quase 40% na estrutura do PIB e em 2014 representavam cerca de 15,2%. Dados que em sectores como das Pescas são igualmente dramáticos como o indica o facto de em 1990 existirem em Portugal cerca de 16.000 embarcações de pesca e em 2012 existirem pouco mais de 8.000, ou seja uma redução para quase metade da frota pesqueira nacional que faz com que o País que tem a maior zona económica exclusiva da Europa importe mais de metade do pescado que consome e tenha no peixe o terceiro bem mais importado só suplantado pelo Petróleo e os Automóveis.

Hoje tivemos a presença no nosso seminário de um dos deputados do PCP no Parlamento Europeu que há 17 anos atrás votou contra a criação do Euro – o camarada Sérgio Ribeiro. Na declaração de voto de então os deputados do PCP afirmaram que votavam contra esse projecto porque ele significaria a imposição de estratégias que iriam concentrar a riqueza, agravar o desemprego, agudizar assimetrias e desigualdades, criar maior e nova pobreza e exclusão social, diminuir a soberania nacional e aumentar défices democráticos.

A realidade actual e a evolução do País nos últimos 17 anos confirmam a justeza dessas palavras. Não foi só no plano do aparelho produtivo que Portugal foi profundamente prejudicado, embora esse seja o problema central que está colocado ao País para sair do ciclo vicioso do empobrecimento e endividamento. O País perdeu de facto soberania. Perdeu soberania monetária, como é evidente, perdeu soberania orçamental e fiscal e perdeu soberania económica. Muitos dos que defenderam, e alguns ainda defendem continuado como o maestro a dirigir a orquestra enquanto o barco se afunda, o Euro e os diversos instrumentos da União Europeia, argumentam que a cedência de soberania era o preço a pagar pelo acesso ao tal mercado de 500 milhões, e que essa cedência era compensada pelos fundos europeus e das políticas comuns, nomeadamente a PAC. Ora a realidade demonstra-nos exactamente o contrário, além do facto de Portugal ter acentuado a sua condição de país importador juntamente com vários outros países da chamada periferia que foram remetidos para o papel de absorvedores da produção dos grandes monopólios europeus e das exportações das grandes potências como a Alemanha, os saldos das transferências da União Europeia entre 1996 e 2014 é inferior em cerca de 25 mil milhões de euros ao saldo das entradas e saída de dividendos, lucros distribuídos e juros neste mesmo período. Ou seja os países da União Europeia já retiraram de Portugal neste período mais 50% do que o saldo das transferências de fundos comunitários. Como? Simples! Por via da política de privatizações defendida e executada pelos partidos da política de direita e sempre impulsionada pelas políticas de liberalização económica associada ao Euro e ao dito aprofundamento do mercado único. Privatizações que colocaram em mãos estrangeiras a maioria do capital dos nossos grandes grupos económicos e financeiros, ou seja uma cada vez maior saída de dividendos e lucros distribuídos e um crescente endividamento do nosso sistema financeiro. Só nos últimos 4 anos saíram do país em dividendos e lucros distribuídos 16 417 milhões de euros, facto que atesta bem da mentira em que consistiu o discurso do Governo de que se resgatou a soberania com o fim da vigência do Memorando de Entendimento e que remete as palavras de ontem da Ministra das Finanças de que Portugal tem os cofres cheios para o ridículo e para a triste comparação com os discursos e a realidade da ditadura fascista.

Como sempre afirmámos os pilares do militarismo, federalismo e do neoliberalismo alimentam-se mutuamente num ciclo sem fim em que um salto justifica o outro. E aqui entramos na outra previsão do PCP de há duas décadas atrás. O desenvolvimento do processo de integração capitalista, a criação do Euro, o Pacto de Estabilidade e os sucessivos Tratados - com especial incidência desde Maastricht até ao Tratado de Lisboa - levou, a par com o aumento da dependência económica de países como Portugal, a uma inaudita concentração de poder político no directório de potências com o esvaziamento do papel dos órgãos de soberania nacional e a criação de um colete-de-forças político e ideológico agora aprofundado pelos pacotes da governação económica, pelo semestre europeu e pelo Tratado Orçamental. Um colete-de-forças que não permite quaisquer políticas alternativas às enquadradas pelos pilares da União Europeia. Este factor, como há muito vínhamos denunciando, concorre para uma usurpação quase por completo da soberania nacional e configura um sério ataque à democracia, ao impor relações de domínio quase de tipo colonial e ao fazer tábua rasa da vontade dos povos, como está a ser bem patente no caso da Grécia. A realidade portuguesa demonstra também até que ponto tais constrangimentos são usados para impor uma mesma política e para condicionar a vontade dos povos. Como já vimos Portugal está confrontado com problemas sociais e económicos gravíssimos que põem em causa a dignidade do povo português e o futuro deste País, contudo é dado como um exemplo de sucesso na aplicação do memorando e o próprio Governo usa-se da manobra do BCE de injecção de somas colossais no sistema financeiro para se vangloriar da descida das taxas de juro da dívida portuguesa, escondendo que ela continua todos os dias a sugar enormes recursos nacionais e que com o actual nível de crescimento continuará a aumentar. Mas ao mesmo tempo que em período pré-eleitoral o Governo e a própria União Europeia tentam tapar o sol com a peneira, Portugal é posto sobre vigilância reforçada pela Comissão no âmbito do processo do Semestre Europeu, quais as razões? O alto nível de endividamento da economia portuguesa e a persistência de problemas como o alto nível de Desemprego. É caso para dizer que não fosse a gravidade da situação e esta decisão dava para largar umas boas gargalhadas. É que além da desmontagem do discursos do sucesso esta decisão vem “condenar” Portugal exactamente pelas consequências desse mesmo “sucesso”, impondo medidas – as ditas reformas – que vão aprofundar mais esses mesmos problemas. Ou seja estamos perante um ciclo vicioso que alimenta o grande capital financeiro que continua a ganhar e muito com o mercado da dívida e com as privatizações a preço de saldo nos mais variados sectores, incluindo na área das funções sociais do Estado, e que empurra o País para uma cada vez maior dependência e para um ainda maior empobrecimento da sua população.

Foi isto que esteve em preparação nos últimos anos, nos mais variados aspectos, incluindo no sector bancário com a instituição da União Bancária e o sistema único de resolução. Projecto que teve no Chipre uma importante experiência e que como foi hoje aqui demonstrado pelo camarada Stavros visa centralizar o processo de apoios ao sector financeiro e sobretudo de protecção dos mega bancos europeus.

Mas há um problema, e esse é a profundidade da crise no plano internacional e a persistência de seriíssimos na chamada economia real em toda a União Europeia – como o comprova a tendência deflacionária que o BCE e o plano Juncker tentam esconder - e a continuação do regabofe da especulação financeira . A evolução da situação económica em França, na Itália ou na Bélgica não deixam margem para dúvidas da gravidade da situação. Face a uma crise que se espelha em variados domínios, nomeadamente o político, face a uma crescente identificação da União Europeia e do Euro pelos povos não como factores de desenvolvimento ou escudo contra as crises, mas pelo contrário como causa dessa mesma crise e factor de agressão aos direitos e dignidades dos povos, os defensores do Euro tentam lançar novas fugas em frente que concentrem ainda mais o poder político e o poder económico. Mais uma vez direita e social democracia unem-se na defesa do chamado federalismo argumentando com o carácter incompleto da União Económica e Monetária à qual faltam as vertentes de um governo económico europeu, de uma política fiscal europeia e de um sistema bancário europeu. Está em curso o chamado aprofundamento da União Económica e Monetária, ou como referiu o camarada João Ferreira na intervenção de abertura, o completar da outra metade da ponte. Ou seja um aprofundamento ainda maior dos pilares do neoliberalismo e do federalismo. Mas se as consequências da introdução do Euro em países com situações económicas muito diferenciadas, com níveis de desenvolvimento diferentes e portanto com necessidades diferentes teve as consequências que teve, neste momento, com o aprofundamento dessas assimetrias de desenvolvimento e de necessidade muito mais diferentes que no passado, então esse caminho só poderá ter como consequência a intensificação do ciclo vicioso já descrito e uma condenação de vários países a um estatuto de região pobre e subdesenvolvida de um super-estado imperialista – para não usar a palavra império já hoje aqui usada - dirigido pelo grande capital e pelo directório de Potências.

É baseado nesta análise que o PCP considera necessário por fim a esse ciclo vicioso que o processo da CEE/UE alimenta e o Euro amplia. Assim, a tarefa que está colocada aos comunistas, aos progressistas e aos democratas é pôr fim a esse ciclo e abrir caminhos que possam dar lugar a verdadeiros processos de cooperação na Europa. Como o fazer?

Como a realidade na América Latina comprova os processos de cooperação e mesmo de integração não são inócuos do ponto de vista de classe. A internacionalização da economia, o aprofundamento da divisão internacional do trabalho, a crescente interdependência dos Estados e das suas economias, entre outros factores, encaminham os Estados para essas dinâmicas e processos. Então a questão que está colocada é como abrir esses caminhos. A resposta à questão encontra-se em dois patamares que se interrelacionam dialeticamente – o nacional e o internacional.

Nesta fase da reflexão é importante olhar para a Grécia e retirar três lições. A primeira é que uma alteração de políticas em favor dos povos e dos trabalhadores, mesmo que apenas para fazer frente a uma crise humanitária, confronta-se inevitavelmente com os constrangimentos da União Europeia e em particular do Euro. A segunda é que nesse confronto a União Europeia se revela completamente inamovível e responde com uma arrogante postura e acção de chantagem e pressão inaceitáveis à luz dos mais básicos princípios de soberania e democracia. A terceira decorrente destas duas é que o grau de desenvolvimento do processo de integração capitalista atingiu um tão elevado grau de aprofundamento que no embate entre os direitos dos povos e dos trabalhadores e as políticas da UE e em particular do Euro não parece haver conciliação possível porque tais elementos são cada vez mais antagónicos do ponto de vista de classe. Para a prossecução de uma política progressista as rupturas parecem estar a tornar-se inevitáveis como se está a ver na real possibilidade de uma saída da Grécia do Euro, seja por decisão do Governo grego seja por decisão do directório de potências de expulsão da Grécia, como aliás continua a ser possível para outros países na Europa, nomeadamente Portugal.

O que fazer então no plano internacional, ou europeu como se lhe queira chamar. É óbvio que a solução lógica e ideal seria fazer reverter as causas da situação muito grave com que se confrontam vários países e povos. Medidas como uma conferência europeia para a renegociação das dívidas de acordo com as necessidades dos trabalhadores, dos povos e dos Estados membro, como a adopção de programas para corrigir os efeitos de um erro que foi a instituição de uma moeda única numa zona económica e monetária sem condições para tal; como a aprovação de fundos estruturais especiais para a compensação de países que sofreram com a especulação sobre as suas dívidas e com a intervenção das troikas; como a convocação de uma conferência intergovernamental para a revisão dos tratados e a revogação do Tratado Orçamental, e como a adopção de um programa europeu para uma dissolução ordenada e controlada da União Económica e Monetária, são exemplos de caminhos que poderiam ser seguidos. Mas infelizmente este quadro de medidas, este caminho é exactamente o oposto ao caminho que o directório de potências e o grande capital querem forçar. Ou seja, a União Europeia está a dar razão ao PCP quando este afirma que esta não é reformável, nem se quer reformar, bem pelo contrário. Portanto, um outro caminho de cooperação terá inevitavelmente de assumir a ruptura com este processo de integração capitalista e desde logo e em primeiro lugar com o Euro. Como o fazer? Exactamente da mesma forma que foi construída a União Europeia, agir e lutar pela alteração da correlação de forças necessária em cada país que permita no plano europeu reverter e derrotar o processo de integração capitalista e abrir caminho a um processo de cooperação entre estados soberanos potenciador do progresso social e do desenvolvimento harmonioso, respeitador das relações económicas mutuamente vantajosas, defensor da paz e da cooperação e defensor da democracia e da soberania nos diversos países da Europa. Aqueles que afirmam que este é um cenário muito distante e até idílico respondemos com a realidade noutros continentes e com os avanços notáveis verificados nomeada e especialmente na América Latina, como aliás se está a ver na reacção violenta do imperialismo ao tentar desestabilizar alguns dos principais motores desses processos como sejam os Estados da Venezuela e do Brasil.

Mas, como afirmei a relação entre o patamar nacional e internacional de luta é dialéctica. E ao tentarmos uma alteração da correlação de forças no plano nacional que permita dar inicio ao processo acima descrito os embates, como já se disse, vão ser inevitáveis. E nesses embates é necessário saber exactamente que caminho percorrer.

É nesse sentido que o PCP afirma que em Portugal uma das condições para o desenvolvimento de uma política alternativa patriótica e de esquerda é a libertação dos constrangimentos de que decorrem da integração capitalista europeia e em particular do Euro. É uma posição corajosa, que exige sempre um amplo apoio e participação populares, mas é a única posição possível. Do mesmo modo que a restauração capitalista, a contra-revolução, a destruição das conquistas de Abril, as décadas de política de direita, encontraram na integração na CEE/EU e no Euro um factor de apoio central à sua opção de classe, uma política patriótica e de esquerda terá obrigatória e inevitavelmente de assumir a ruptura com a integração capitalista e, numa primeira fase, com alguns dos seus instrumentos centrais como o Euro.

Como foi aqui hoje dito os problemas centrais de Portugal não se esgotam na sua associação ao Euro. Temos problemas e défices estruturais a que precisamos de dar resposta como seja o desenvolvimento do aparelho produtivo, a recuperação do consumo interno por via de uma melhoria significativa dos salários e pensões ou a solução do problema da dívida portuguesa que é impagável à luz das actuais condições. Assim é importante clarificar que a recuperação da soberania monetária – e por arrastamento da soberania cambial, orçamental e fiscal – é uma condição necessária, mas não é a solução para todos os nossos problemas. Bem pelo contrário uma saída do Euro no quadro da manutenção das opções que têm presidido à politica de direita teria consequências negativas para os trabalhadores e os povos. E é exactamente por isso que a proposta principal do PCP é a preparação e o estudo para a saída do Euro. Uma preparação que irá comprovar que essa saída só trará benefícios para Portugal se operada no quadro do desenvolvimento de um conjunto de outras medidas inseridas na proposta política do PCP de desenvolvimento do aparelho produtivo nacional, de recuperação de direitos, salários e pensões, de valorização e recuperação dos serviços públicos, de diversificação das relações económicas do País, de aposta na formação e valorização da mão de obra, de investimento na educação e na investigação, entre várias outras.

Uma saída do Euro, controlada, negociada e assumida pelo Estado português permitira libertar o Estado da dependência dos mercados financeiros para o seu financiamento de ultimo recurso, permitiria ajustar a politica monetária e orçamental do Estado à situação e necessidades do País, permitirá terminar com restrições inaceitáveis ao investimento público e ao financiamento das funções sociais do Estado e criaria condições para a dinamização da produção nacional e sério e decidido combate a duas das maiores catástrofes desta País que é o nível de desemprego e a pobreza.

Mas a saída do Euro não pode ser nem um acto súbito, desprovido de medidas a montante que previnam consequências imediatas negativas e protejam os trabalhadores, o povo, os seus rendimentos e propriedade. Ela terá de ser integrada com um outro conjunto de medidas muito concretas. O País encontra-se numa situação de emergência económica e social, portanto um Governo patriótico e de esquerda teria em primeiro lugar de criar as condições básicas para poder desenvolver as políticas acima referidas. Assim coloca-se como primeira e imediata necessidade a articulação de três vectores de acção política. A preparação do País para a saída do Euro – como forma de libertação de constrangimentos que impediriam o desenvolvimento da política patriótica e de esquerda; a renegociação da dívida de acordo com as necessidades do País, do seu desenvolvimento soberano e de acordo com as necessidades dos trabalhadores e do povo - factor essencial para garantir espaço orçamental e investimento que ponha em marcha a recuperação do aparelho produtivo nacional e a recuperação de condições de vida e aquisitivas dos portugueses. Uma renegociação que preferencialmente deveria ser articulada com um processo no plano europeu mas que não só é necessária como inevitável, como o PCP vem há vários anos a alertar. Uma renegociação que deve resultar de uma acção política e diplomática do Estado português que ponha os interesses nacionais e os interesses dos portugueses acima dos interesses daqueles que já muito ganharam a usura e a especulação sobre a dívida pública portuguesa; Por ultimo a necessidade da reconsolidação do sistema bancário nacional e controlo público do sistema financeiro nomeadamente por via da nacionalização. Uma medida que asseguraria uma efectiva regulação, supervisão e fiscalização da banca, que colocaria sérias dificuldades à fuga de capitais e, numa perspectiva mais vasta, poderia garantir o combate à especulação financeira, permitindo canalizar as poupanças e recursos financeiros para o investimento na produção nacional.

Estas são três medidas que constituem uma primeira resposta à grave situação do País. Objectivos que serão aplicados no seu tempo próprio, mas pensados e preparados em conjunto, articulados e integrados na formulação mais ampla de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, fase inicial da alternativa política que o PCP preconiza para Portugal de uma democracia avançada, elemento integrante da luta pelo socialismo em Portugal.

Alguns colocam-nos a pergunta se temos a certeza que a nossa proposta política resolveria todos os problemas com que o País está confrontado. Sabemos que não resolveria no imediato e também sabemos que o quadro de uma ruptura com 38 anos de política de direita e 28 de integração capitalista não iria ser isento de problemas, perturbações e manobras de chantagem daqueles que irão tentar derrotar o caminho novo que a política patriótica e de esquerda apenas inicia. Mas há uma outra coisa que sabemos, é que o actual rumo do País, e da própria Europa são insustentáveis, a manter-se esse rumo as dificuldades, o empobrecimento, a submissão, a catástrofe humanitária seriam uma inevitabilidade. E como não acreditamos em inevitabilidades, então o caminho é o da luta, integrando a nossa acção e luta no plano nacional com a acção e luta de todos aqueles que noutros países estejam disposto a encetar o caminho das rupturas necessárias para construir uma Europa dos Trabalhadores e dos Povos.

No plano nacional sabemos bem que não é de momentos e de actos súbitos que se constrói a mudança. Temos a experiencia de uma resistência tenaz, persistente e corajosa a quase meio século de fascismo. Temos a experiência da construção, nessa resistência e na Revolução, do Portugal de Abril. Temos a experiência e o conhecimento de anos de luta contra a política de direita. Sabemos bem que só com o povo ao nosso lado, só com a sua participação criativa e com muita coragem e determinação será possível fazer frente aqueles que achincalham a vontade dos povos e desrespeitam os seu mais elementares direitos. E será essa força que aqui em Portugal, e estamos convictos noutros países da União Europeia permitirá derrotar um processo que já demonstrou não servir os interesses do povos.

Os tempos são de luta e de grandes embates. O capitalismo está a empurrar a Humanidade para uma situação deveras perigosa dos mais variados pontos de vista mas os povos resistem numa luta tenaz. A luta de classes, a velha luta de classes, está aí mais viva que nunca. E ela exige coragem, verticalidade, coerência, coragem, determinação e solidariedade. Exige que um Partido como o nosso saiba muito bem para onde quer ir e o que quer propor aos Portugueses, e sabemos! Como tentamos demonstrar neste debate sabemos bem o que queremos para Portugal, sabemos bem qual o caminho que deve ser traçado, temos propostas concretas que não só são possíveis de concretizar como são urgentemente necessárias. Estamos preparados para assumir as mais altas responsabilidades nesta fase decisiva da vida dos Portugueses, nomeadamente no Governo de Portugal. Os portugueses podem contar com este PCP para abrir novas alamedas de esperança para Portugal que recoloquem os valores de Abril na nossa vida colectiva e no futuro de Portugal. E essa será a nossa maior e melhor contribuição para a luta mais geral dos trabalhadores e povos da Europa, a nossa contribuição internacionalista para luta dos comunistas e outros progressistas da Europa.

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