Intervenção de

Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Intervenção de João Oliveira na AR

 

 

Alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais

 

 

Sr. Presidente,

Srs. Membros do Governo,

Sr.as e Srs. Deputados:

O Governo traz à discussão desta Assembleia uma proposta de lei (proposta de lei n.º 175/X) que visa alterar o regime de acesso aos tribunais superiores e a composição e estatuto dos membros do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura.

Como decorre da própria Exposição de motivos, o Governo estabelece dois objectivos centrais: a criação de condições que garantam o preenchimento de um quinto dos lugares do Supremo Tribunal de Justiça por juristas de mérito e a melhoria das condições de intervenção para os membros do Conselho Superior da Magistratura eleitos pela Assembleia da República.

As soluções propostas pelo Governo não só estão desajustadas dos objectivos propostos como constituem factores de preocupação pelas consequências que delas podem decorrer. Aliás, na sustentação das suas propostas, o Governo parece pretender ignorar a realidade e a prática até hoje existentes, o que só poderá contribuir para o desfasamento das soluções que agora se propõem face às exigências do funcionamento destes órgãos do sistema judicial.

Quanto ao acesso aos tribunais superiores, as preocupações do Governo centram-se na necessidade de discussão pública do currículo do candidato perante um júri cuja composição fica agora definida na lei.

Relativamente aos critérios a que deve estar sujeita a graduação dos candidatos, a proposta do Governo consiste em aplicar aos tribunais da Relação, ao Tribunal Central Administrativo e ao Supremo Tribunal Administrativo as regras já hoje definidas para o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

Tendo o Governo definido como objectivo central o preenchimento de um quinto dos lugares do Supremo Tribunal de Justiça por juristas de mérito, não deixa de ser curioso que a única alteração proposta seja a fixação da composição do júri que procede à avaliação curricular do candidato. O que o Governo parece querer dizer com esta solução é que não houve até hoje mais juristas de mérito nomeados juízes do Supremo Tribunal de Justiça porque o júri constituído para o concurso não integrava obrigatoriamente um representante do Conselho Superior do Ministério Público, um advogado e um professor catedrático de Direito.

Fingindo desconhecer que até hoje houve apenas quatro candidatos na quota de juristas de mérito e que dois deles foram nomeados, o Governo foge das verdadeiras causas que estão na origem desta situação - mais relacionadas com os requisitos exigidos e o estatuto remuneratório correspondente - e refugia-se no argumento fácil do corporativismo, que tudo parece justificar.

Mas mais graves são as alterações propostas ao Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, uma vez que as propostas do Governo incidem na composição daquele Conselho e no regime dos seus membros.

Por um lado, aumenta-se de dois para quatro o número de vogais do Conselho Superior da Magistratura eleitos pela Assembleia da República com assento no Conselho Permanente.

Por outro lado, altera-se a regra da fixação do regime de tempo integral. Se até hoje era o Plenário do Conselho Superior da Magistratura que decidia quais dos seus membros estariam sujeitos ao regime de tempo integral, com as propostas do Governo só os membros do Conselho Permanente estão sujeitos ao regime de tempo integral, podendo, no entanto, a ele renunciar.

O Governo justifica estas alterações com a necessidade de criar melhores condições de intervenção para os membros do Conselho Superior da Magistratura eleitos pela Assembleia da República. Na verdade, o que o Governo faz é introduzir um novo factor de politização do Conselho Superior da Magistratura e criar novas dificuldades ao seu funcionamento.

Ao ignorar deliberadamente que até hoje nenhum dos membros do Conselho Superior da Magistratura eleitos pela Assembleia da República ou designados pelo Presidente da República exerceu o seu mandato em regime de tempo integral e ao prever a possibilidade de os membros do Conselho Permanente renunciarem a tal regime, o Governo limita as já difíceis condições de funcionamento deste Conselho.

Se os membros do Conselho Superior da Magistratura eleitos pela Assembleia da República e os designados pelo Presidente da República mantiverem a sua indisponibilidade para o desempenho de funções em regime de tempo integral, este Conselho contará com menor disponibilidade dos seus membros. Se se dispuserem a exercer as suas funções em regime de tempo integral, estarão os membros nomeados pelos órgãos políticos em maioria face aos membros eleitos pelos juízes.

Em suma, as alterações propostas pelo Governo não só não contribuirão para a resolução dos problemas identificados na Exposição de motivos como introduzirão novos factores de perturbação no funcionamento do sistema judicial.

Se tivermos em conta, por exemplo, as funções que o Conselho Superior da Magistratura pode ser chamado a desempenhar no quadro da nova organização judiciária que este Governo tem em preparação, ficam bem à vista as consequências extremamente negativas que estas alterações podem acarretar, nomeadamente no que respeita à garantia da independência dos juízes e à separação do poder político face ao poder judicial.

 

 

 

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