Projecto de Lei N.º 46/XIII/1.ª

Estabelece os requisitos para o acesso à profissão docente e garante a anulação dos efeitos da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos

Estabelece os requisitos para o acesso à profissão docente e garante a anulação dos efeitos da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos

Exposição de Motivos

A criação da Prova de Avaliação de Capacidades e Conhecimentos (PACC), inserida na campanha política e legislativa promovida inicialmente pelos Governos PS entre 2005 e 2011 e prosseguida pelo Governo PSD/CDS entre 2011 e 2015, tem como principal objetivo de curto prazo a diminuição do contingente de professores habilitados a oposição a concurso. A definição administrativa da Prova não resulta em mais do que a aplicação de uma barreira burocrática, sem correspondência com a real capacidade e aptidão do professor.

A criação e implementação da PACC não estão desligadas de uma opção política mais geral de desmantelamento e desinvestimento na Escola Pública, de desvalorização sócio laboral dos docentes e da sua carreira, da diminuição do número de turmas para reduzir o número de professores, do recurso ilegal à precariedade para suprir necessidades permanentes das escolas, da redução do investimento público na educação e da destruição das funções sociais do Estado, conforme está consagrado na Constituição da República Portuguesa.

A Prova representa, na verdade, um mecanismo do Governo anterior para tentar “justificar” o despedimento de milhares professores, representando também um instrumento de agravamento da precariedade, corte nos salários, generalização da instabilidade profissional, familiar e pessoal na vida de milhares de famílias, assim fragilizando a própria Escola Pública enquanto instrumento de emancipação individual e coletiva do país.

A PACC representa uma humilhação pública dos professores contratados (muitos com dezenas de anos de serviço), ignorando e desrespeitando todo o ciclo de formação superior inicial (que contempla formação científica, técnica e pedagógica), a profissionalização e a experiência de trabalho concreta nas escolas. Para além disto, esta proposta coloca em causa a competência das instituições de ensino superior responsáveis pela lecionação e avaliação científica na formação inicial de professores. Mais grave, a introdução de uma prova de acesso quebra a visão política que deve servir de base à formação de professores, enquanto profissionais cuja preparação e formação é definida pelas necessidades da República, das suas escolas e políticas educativas. Quanto mais mecanismos de “liberalização” e de “desacreditação” da profissão de professor, tal como quanto maior for a pulverização do sistema de colocação – nomeadamente através das ofertas de escola em substituição de concursos nacionais – mais a Escola Pública se fragiliza e mais próximo do “profissional liberal” se torna o professor. Esse é, também, um dos objetivos prosseguidos pela política de direita, no âmbito da privatização gradual do ensino, quer por retração, quer por degradação, da rede de estabelecimentos públicos de ensino e dos seus serviços.

A PACC é imposta aos docentes que, sendo já possuidores de habilitação profissional para a docência, isto é, que realizaram a via educacional composta por um estágio (prática pedagógica supervisionada), no âmbito do qual foram avaliados científica e pedagogicamente e, consequentemente aprovados, são agora sujeitos a uma prova como se o seu percurso académico e profissional fosse irrelevante.

Não há escola pública de qualidade e para todos sem professores valorizados, em número adequado e com condições de trabalho que permitam assegurar o cumprimento da Lei de Bases do Sistema Educativo e da Constituição da República Portuguesa.

Agora como em 2007 e, como aliás manteve ao longo da XII Legislatura, o PCP reafirma a sua total oposição a qualquer prova de acesso à carreira. Ao longo dos anos, o Partido Comunista Português tem apresentado sempre a solução viável e justa para a situação dos professores contratados: a abertura de vagas a concurso através de lista nacional ordenada por graduação profissional, em função de todas as necessidades manifestadas pelas escolas para horários completos que se verifiquem durante três anos consecutivos.

Além da tomada de posição do Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) tornada pública, sobre a dita PACC, onde se lê “ (…) afigura-se-nos como uma iniciativa isolada, cujo propósito mais evidente parece ser o impedimento ou obstaculizar o acesso à carreira docente”; denuncia ainda o receio de que “ (…) um processo de avaliação desta natureza possa ter um impacto perverso nos planos de estudo oferecidos pelas instituições de ensino superior.” Pode ainda ler-se que “ (…) esta prova testa de forma tão incompleta as competências dos futuros docentes, pelo que o efeito previsível será, também, um empobrecimento geral da formação em que se suportam os atuais mestrados em ensino”. Perante isto, o Conselho Científico conclui que, “este modelo de PACD/PACC não assegura os objetivos que devem nortear uma avaliação adequada e eficaz do corpo docente a que se destina”; surge agora a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional sobre a mesma prova.

O PCP já por diversas vezes propôs a revogação desta Prova liquidatária do acesso à carreira docente, bem como a anulação dos seus efeitos, designadamente no impedimento dos docentes de serem opositores a concurso de contratação no presente ano letivo.

Mais uma vez propomos a revogação da PACC e a garantia de que nenhum professor venha a ser penalizado ou prejudicado para efeitos de concurso de colocação em virtude da PACC. Além disso, como agora o PCP propõe, é fundamental que se torne claro que o acesso à profissão de professor é assegurado nos termos da Lei de Bases do Sistema Educativo, ou seja, pela conclusão com sucesso da aquisição de conhecimentos científicos a nível superior e da profissionalização, nos termos da lei.

Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º
Requisitos para acesso à profissão docente
Para o acesso à profissão docente, não podem ser exigidos outros requisitos que não os previstos na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei 46/86, de 14 de outubro, alterada pelas Leis n.ºs 115/97, de 19 de setembro, n.º 49/2005, de 30 de agosto, e n.º 85/2009, de 27 de agosto, nomeadamente nos artigos 33.ª e 34.º.

Artigo 2.º
Salvaguarda da oposição a concurso

1. É permitida a todos os docentes a oposição aos procedimentos concursais previstos na Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que “estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e formadores e técnicos especializados”, incluindo os docentes excluídos devido aos efeitos que decorreram da aplicação da prova de avaliação de conhecimentos e capacidade.
2. Aos docentes excluídos pelo previsto no n.º anterior, considera-se o tempo de serviço que o docente teria efetivamente realizado, caso tivesse obtido colocação.

Artigo 3.º
Direito de ressarcimento
1. Aos docentes excluídos da oposição aos procedimentos concursais referidos no artigo 1.º por efeito da aplicação da prova de avaliação de conhecimentos e capacidade é devido o ressarcimento dos prejuízos que daí decorreram para as respetivas carreiras profissionais.
2. Os docentes que realizaram a Prova de Avaliação de Capacidade e de Conhecimentos, têm o direito a ser ressarcidos pelo valor pago na inscrição, consulta e reapreciação da prova, designadamente na componente comum e específica.
3. O ressarcimento previsto no n.º 1 do presente artigo é objeto de regulamentação pelo Governo, ouvidos os sindicatos representativos dos docentes.

Artigo 4.º
Norma revogatória

1. A presente lei revoga a alínea f) do número 1 do artigo 22.º do Decreto-lei n.º 139 -A/90, de 28 de abril, alterado pelos Decretos-leis n.ºs 105/97, de 29 de abril, 1/98, de 2 de janeiro, 35/2003, de 27 de fevereiro, 121/2005, de 26 de julho, 229/2005, de 29 de dezembro, 224/2006, de 13 de novembro, 15/2007, de 19 de janeiro, 35/2007, de 15 de fevereiro, 270/2009, de 30 de setembro, e 75/2010, de 23 de junho, pelo Decreto-lei n.º 146/2013, de 22 de outubro, e pela Lei n.º 80/2013, de 28 de novembro, que prevê a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades.

2. É revogado também o Decreto-lei n.º 146/2013, de 22 de outubro.

Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor trinta dias após a sua publicação.

Assembleia da República, em 20 de novembro de 2015

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