Em defesa da Escola Pública

 

Declaração política de critica à política educativa do Governo, que considerou estar a insistir no ataque aos professores e a recusar-se a negociar de forma séria com as respectivas estruturas sindicais

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Depois de sucessivas derrotas, depois de ter perdido quer os argumentos quer a postura, o Ministério da Educação e este Governo insistem no seu ataque aos professores e à escola pública.

A preocupação do Governo nunca foi a de salvaguardar as escolas e a qualidade do ensino e torna-se cada vez mais óbvio que a sua única prioridade, agora, é a de salvar a sua própria imagem perante a opinião dos portugueses.

Disse a Sr.ª Ministra que seria uma vergonha recuar.

Dizemos nós: vergonha, Sr.ª Ministra, é persistir neste erro.

Com o Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009, de 5 de Janeiro, o Governo não quer assegurar a estabilidade das escolas, nem contribuir para a melhoria do ambiente de profundo esgotamento que nelas se vive; antes pretende, apenas, criar a ilusão, junto dos não-professores e de quem está fora das escolas, de que tudo está resolvido.

Na verdade, o que o Governo tem feito é manter tudo na mesma, recusando-se a negociar de forma séria com as estruturas sindicais, alterando apenas a forma, permanecendo intocado o conteúdo - como o próprio Primeiro-Ministro afirmou na entrevista televisiva que deu recentemente.

A avaliação continua a assentar em critérios perversos e injustos, nos mesmos critérios perversos e injustos de sempre; o Governo recusa-se a rever o Estatuto da Carreira Docente e insiste numa posição de força baseada, não na razão, não na discussão democrática, mas na imposição e na prepotência; continua a negar a suspensão de um processo que, há muito, se demonstrou impraticável.

A política educativa do Partido Socialista assume, cada vez mais, a sua verdadeira natureza: a da desfiguração da escola pública e, simultaneamente, o branqueamento de resultados e de estatísticas. Com esta ofensiva aos direitos dos professores, o Governo provocou a sangria de recursos qualificados, empurrando milhares para a reforma antes do tempo, degradando a qualidade do ensino.

O Governo, sem alterar a essência do modelo de avaliação, que tem apenas como objectivo a limitação administrativa das progressões na carreira, e que cria uma autêntica cadeia de comando entre o Ministério, as direcções regionais, os directores de escola e professores, transforma a escola num seu braço administrativo, obediente, empresarializado, sem autonomia e sem democracia.

O PCP denuncia que este Decreto Regulamentar n.º 1-A/2009 faz com que o avaliador dos directores das escolas sejam - pasme-se! - os agentes políticos do Governo, os directores regionais de educação.

Ou seja, o Governo avalia os directores das escolas em função do seu bom comportamento e do seu grau de obediência aos mandos e desmandos da Sr.ª Ministra da Educação.

Está tudo dito sobre a credibilidade deste modelo de avaliação!

O PCP denuncia, acima de tudo, a estratégia que o Governo tem aplicado contra as características essenciais do sistema educativo, na qual pretende que professores se transformem em meros agentes formativos, dóceis e obedientes, incapazes de lutar pelos seus direitos e pela escola pública, e que estudantes sejam, neste processo, convertidos em peças, em produtos, como se a escola de uma linha de montagem se tratasse.

A forma como o Governo tem ameaçado os professores, à semelhança, aliás, do que tem feito perante outros sectores em luta, ilustra bem o seu verdadeiro carácter - prepotente, autoritário -, e parece mesmo que nada mais podemos esperar deste Partido Socialista.

O Governo não vencerá esta batalha pela razão, nem pelo confronto leal e democrático e, por isso mesmo, escolheu a força e a perseguição.

Ameaça os professores, ultrapassando os limites da legalidade, como desfaz os compromissos para dissuadir a participação na greve - o Governo queria «dar um chouriço e receber em troca um porco»; queria não relacionar os efeitos da avaliação com a colocação de professores a troca de os professores desmobilizarem a sua luta.

Como os professores não caíram no embuste, o Governo «retira o chouriço».

Os direitos democráticos não estão tutelados, nem dependem da autorização de secretários de Estado ou de ministros mais ou menos arrogantes ou trauliteiros; e as ameaças e provocações que têm dirigido aos professores mostram o verdadeiro carácter de um Governo que, depois de impor as soluções erradas, se nega a discuti-las e a alterá-las.

É urgente pôr fim a esta política da força e da prepotência, a esta política do branqueamento e da manipulação estatística.

O Governo não pode continuar a usar a ameaça e a chantagem como argumentos políticos. Suspender este processo de avaliação e iniciar um verdadeiro processo de negociação é um imperativo de interesse nacional!

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Bravo Nico,

Penso que a cassete no sentido de que o PCP tem uma postura imobilista já se esgotou, já não faz sentido, porque, Sr. Deputado, quer queira, quer não, estar a favor de um processo de avaliação e de mecanismos de avaliação de professores não é, necessariamente, estar a favor do que o Partido Socialista e o Governo querem impor.

Já toda a gente percebeu isto!

E, para o provar, basta ir às escolas, basta conversar com os professores para perceber que a avaliação é, hoje, um dado adquirido mas que este formato não serve.

Mais provado do que está actualmente não pode estar, Sr. Deputado Bravo Nico!

Estar a favor da avaliação não é estar a favor do comportamento deste Ministério, não é estar a favor da imposição, da prepotência, da arrogância e de um modelo de avaliação que tem como único objectivo a limitação da progressão nas carreiras, a punição dos docentes e a sua transformação em meros funcionários, obedientes, dóceis e perfeitamente inseridos numa cadeia de comando que nasce no Ministério da Educação e vai até à escola, porque até já acabou com os conselhos directivos e com os órgãos colegiais.

Quanto ao «desfasamento da realidade», Sr. Deputado Bravo Nico, permita-me a expressão, é preciso ter algum descaramento.

Para um partido que sustenta um Governo que andou até ontem a negar o estado de recessão em que se encontra a nossa economia, e só agora o reconhece, depois de tão óbvio, é preciso ter algum descaramento.

Mas, Sr. Deputado, mais do que isso, é preciso não ir às escolas, é preciso estar fechado! Deve ter a sua caixa de correio electrónico fechada!

É que o Sr. Deputado diz que o PCP está desfasado da realidade, porque este processo decorre na normalidade, o Ministério continua a negociar e a acompanhar o processo, com as escolas, com os professores, mas, Sr. Deputado, nem sei quantas centenas de e-mails já recebemos, dizendo que o processo não está a ser aplicado.

Basta ir às escolas para perceber que este modelo, além de não estar a ser aplicado, é impraticável e, por isso, está suspenso na maior parte das escolas portuguesas.

(...)

Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,

De facto, agradecendo, desde já, as questões que colocou, que não haja dúvidas perante aquela que é a concepção do meu partido, de responsabilização directa do Governo e do Ministério da Educação pela situação que se vive nas escolas.

Não há qualquer engano relativamente a esta matéria!

Aliás, todas as manobras que têm sido feitas agora, através do Ministério da Educação, algumas das quais referiu, reflectem bem o desespero com que o Partido Socialista e o Governo tentam libertar-se dessa responsabilidade perante a opinião pública.

Parece que, afinal, havia alguns erros, faz-se crer que se alterou alguma coisa mas, na verdade, não se recuou.

Enfim, há uma tentativa de branqueamento das responsabilidades do Governo, com que procura, de facto, fazer olvidar aquele que foi o seu papel na criação do ambiente que se vive nas escolas.

Porém, os prejuízos estão criados, os problemas estão provocados e, como é óbvio, há uma manobra que o Governo não consegue fazer, que é a de responsabilizar os professores pelos problemas que criou nas escolas.

Portanto, ainda que tentando desresponsabilizar-se, não irá conseguir responsabilizar os professores.

Quanto à insensibilidade do Partido Socialista, e agradeço-lhe ter tocado neste tema, é já característica, é algo a que já nos habituou.

De facto, há uma tremenda insensibilidade do Governo perante as movimentações sociais, perante a luta, neste caso, dos professores, mas isto não nos faz estranhar, Sr.ª Deputada.

Deixe-me dizer-lhe que, apesar da incompetência deste Governo, apesar da incompetência deste Ministério da Educação e da sua arrogância, o que está em causa é uma orientação política que visa destruir a escola pública enquanto pilar da democracia portuguesa, que visa transformar a escola numa agência de formação profissional para encaminhar os estudantes, rapidamente, e com a qualificação mais baixa possível, para o mercado de trabalho, sem direitos, para serem explorados, à mercê dos grandes interesses económicos.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes,

Agradeço a oportunidade que me deu para dizer que o PCP, obviamente, é favorável a um sistema de avaliação que tenha como objectivo corrigir, aperfeiçoar, melhorar e identificar os erros, de modo a que todos percebamos onde devemos intervir para os mitigar, mas não é favorável a um sistema de avaliação que tenha como único objectivo limitar administrativamente a progressão na carreira, sem nenhum fundamento, sem nenhum critério objectivo, baseado apenas na burocracia exagerada de um modelo cujos critérios o Governo entendeu impor.

Respondendo à segunda parte da sua questão, o Governo reconheceu alguns erros - é curioso! -, mas o que é ridículo é que diz que apenas os corrige se os professores não fizerem greve: «É um erro mas nós não corrigiremos o erro, persistiremos no erro, só para vos castigar, se fizerem greve».

O Governo faz um número de «malabarismo», de tentativa de branqueamento do seu comportamento, o qual acaba por resultar na situação ridícula de persistir deliberadamente no erro, apenas para castigar.

Só para terminar, Sr. Deputado, é evidente que a suspensão, neste momento, é um imperativo. Não é possível partir, de forma leal, frontal e verdadeira para uma negociação que se queira frutuosa enquanto não se pára de «disparar» contra os professores.

Não é possível dizer que quer um «cessar-fogo» para negociar e, ao mesmo tempo, continuar a «bombardear» as escolas com um processo de avaliação que vai minando, que vai destruindo e que vai colocando as escolas numa posição de cada vez mais incapacidade para o cumprimento do seu papel.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Abel Baptista,

Antes de mais, gostaria de dizer-lhe que, embora com perspectivas diferentes perante as soluções, estamos perfeitamente de acordo no que toca à identificação da raiz do problema.

Certamente, o CDS resolveria este problema de uma forma diferente, mas a sua identificação é a mesma, de facto.

Há um motivo radical: o Estatuto da Carreira Docente e a forma como se introduziu uma clivagem artificial na carreira docente.

E, de facto, é daí que nasce todo este problema, por isso saudámos (e continuamos a saudar) o empenhamento e a perseverança com que os professores, nas manifestações e nas acções de luta que têm dinamizado, identificaram como aspecto central da sua mobilização a alteração de algumas questões nucleares do Estatuto da Carreira Docente, onde se encontra, exactamente, a clivagem da carreira e tudo o que está relacionado com o acesso à carreira de professor titular. Eliminando a clivagem entre professor titular e mero professor, todos esses constrangimentos acabam por desaparecer.

Há pouco - e ainda bem que tenho esta oportunidade para clarificar este aspecto -, quando o PCP se referiu à disponibilidade do Ministério para rever o Estatuto da Carreira Docente era exactamente sobre este ponto.

Mas o Ministério já afirmou, mais de uma vez, que não tem disponibilidade alguma para o fazer; isto é, para alterar a questão central da clivagem entre professor titular e professor, situação que foi introduzida por este Governo através do Estatuto da Carreira Docente e que não tem outro objectivo senão o de impedir que milhares de professores atinjam o topo da carreira.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Duarte,

Obrigado pelas questões que colocou. Sobre as suas considerações mais não poderei fazer senão concordar com elas.

Ao contrário dos Srs. Deputados do Partido Socialista, pelo menos vou de olhos abertos para as escolas, converso de mente aberta com os professores e apercebo-me perfeitamente, bem como o PCP, do clima que se vive nas escolas.

O PCP não tenta branquear esse clima, bem pelo contrário está atento e reconhece-o. Sobre a responsabilidade do Governo nessa matéria, já está tudo dito e julgo que, de alguma forma, já respondi.

Gostaria de lhe dizer que compreendo porque é que o PSD acha que estamos perante um Governo desorientado.

O PSD partilha de algumas das orientações deste Governo na área da educação, não tanto na área da avaliação - pelo menos assim o tem dito -, mas parece-lhe que é um Governo desorientado porque não consegue gerir bem as peças desse sistema.

Certamente, o PSD, na sua fúria de desmantelamento do Estado, já o teria conseguido...Mas, Sr. Deputado, não há desorientação do Ministério da Educação, o que há é uma orientação errada que vai contra os interesses e os direitos de estudantes, de professores e do país em geral.

Por isso é que encontra toda esta resistência e toda esta mobilização.

Não é tanto uma desorientação, não é tanto incompetência, é obstinação em destruir a escola pública, é obstinação em empresarializar a escola pública e em pôr fim à autonomia das escolas e à democracia das escolas.

Isso não é bem a mesma coisa que desorientação. Uma última palavra sobre a violência nas escolas.

É óbvio que o ataque desmedido e desenfreado aos direitos dos professores que tem sido desencadeado por este Ministério da Educação não dignifica e certamente não valoriza o papel do professor perante os seus estudantes e perante o esforço que o próprio professor faz para conseguir, perante uma turma, exigir respeito.

Certamente que não valoriza! Mas também prova uma coisa, Sr. Deputado: é que o clima de hipervigilância, o autoritarismo, a ideia de um estatuto do aluno que é punitivo, que é quase um código penal, não resolvem os grandes problemas que se passam nas escolas. Independentemente de as características da violência, da indisciplina, serem diferentes de escola para escola, o que é certo é que as medidas até hoje encontradas não resolveram.

E elas são exactamente aquelas que estão vertidas no Estatuto do Aluno.

E tenho pena que, nesse caso, o Sr. Deputado do Partido Social Democrata não se demarque tanto quanto o necessário.

 

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