Intervenção de

Educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário - Intervenção de Miguel Tiago

 

Gestão democrática dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário

 

 

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

A política educativa do actual Governo  orienta-se essencialmente para a transformação da escola pública num sistema de formação para o trabalho, por um lado, e na criação de um sistema de prosseguimento de estudos para uma reduzida elite, por outro. A obsessão pela entrega da gestão escolar a entidades privadas e pela conversão da escola num mero local de «aquisição de competências», como agora gostam de lhe chamar, empurra a escola pública para um papel redutor: o da formação profissional, sem a componente essencial da formação da cultura integral do indivíduo.

Ao mesmo tempo, um desinvestimento sistemático e um ataque cerrado aos direitos dos trabalhadores da educação, e também dos estudantes, vão corroendo a qualidade do sistema educativo e acentuando o carácter elitista da escola no ensino secundário e no acesso ao ensino superior.

O Decreto-Lei n.º 75/2008 vem pôr fim à experiência de gestão democrática dos estabelecimentos de ensino e deixa à vista que a democracia para este Governo é apenas um empecilho.

A forma como o Governo promove esta alteração de fundo ao sistema, recusando o seu debate nesta Assembleia e claramente à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo e da própria Constituição da República Portuguesa, denuncia bem o seu carácter antidemocrático.

A Lei de Bases do Sistema Educativo em vigor (que o Governo optou e faz por ignorar) determina, no seu artigo 48.º, que, em cada estabelecimento de ensino ou agrupamento, a direcção e gestão se orientam por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo. Diz, mais, que, na direcção e gestão dos estabelecimentos, prevalecem os critérios pedagógicos e científicos sobre os critérios de natureza administrativa.

Ora, o Governo faz publicar um decreto-lei que põe termo a todos esses princípios, entregando a gestão da escola a uma única pessoa e fechando a escola sobre si própria em critérios administrativos, tornando-a em mais um instrumento directo do Governo.

A participação dos estudantes, professores e pessoal não docente é reduzida a um único órgão que nada decide, deixando toda a capacidade decisória e executiva num órgão unipessoal não eleito, mas escolhido por um processo concursal com base no seu currículo. A participação dos agentes da comunidade educativa é, assim, entendida como um obstáculo ao desenvolvimento. Ignora propositadamente o Governo que, na verdade, nunca as escolas tiveram as condições favoráveis ao aprofundamento desse funcionamento democrático.

As novas condições de trabalho impostas aos professores através do Estatuto da Carreira Docente do Governo do Partido Socialista vieram dificultar esse funcionamento e acrescentar grande instabilidade ao clima que se vive nas escolas. Já toda a gente percebeu, principalmente os professores, os estudantes e as suas famílias, que a escola não vai bem. Já toda a gente percebeu que a qualidade do ensino se degrada, que os professores se sentem instrumentalizados e desmotivados. Já toda a gente percebeu que as escolas não têm as condições que a Sr.ª Ministra tanto apregoa; que não há nas escolas salas sequer para as normais actividades lectivas; que, depois de se fechar milhares de escolas, há agora aulas em contentores. Já toda a gente percebeu que o Governo mente no seu incessante chorrilho de propaganda e já não há arrogância ministerial que lhe valha para esconder isso.

O Partido Comunista Português apelou ao Governo para que viesse discutir esse Decreto-Lei na Assembleia da República, denunciou o seu conteúdo retrógrado e antidemocrático e apresentou alternativas. O PCP apresenta, assim, este projecto de lei (projecto de lei n.º 458/X), radicalmente distinto, progressista e manifestamente democrático, em claro contraste com a linha da política de direita que o Governo escolheu.

Ao invés de pôr um fim à gestão democrática das escolas, o PCP propõe a sua verdadeira concretização, ao arrepio daquilo que têm vindo a ser as linhas orientadoras que, principalmente desde 1991 e com forte contributo de um governo do PS, em 1998 - que aí propôs a possibilidade de o órgão de gestão principal e de direcção poder ser um órgão unipessoal -, têm vindo a ser aplicadas no plano da política educativa dos sucessivos governos. Torna-se evidente que esses governos tentaram limitar a democracia nas escolas, ao mesmo tempo que desferiram rudes golpes contra a escola pública, debilitando-a ao ponto em que hoje se encontra: elitizada nos seus graus de ensino mais avançados; perdida no meio de um vasto conjunto de missões, sem que nenhum meio lhe seja atribuído para o seu efectivo cumprimento; degradada nas suas condições materiais e humanas (com escolas sem pessoal não docente suficiente, sem salas, sem espaços desportivos, sem bibliotecas, algumas provisórias há décadas e outras ainda com coberturas de amianto e fibrocimento); com os professores enterrados em tarefas administrativas; com os programas curriculares desajustados da realidade actual e com sérias dificuldades em funcionar como uma verdadeira plataforma de educação que rompa com as assimetrias e desigualdades da sociedade.

É por isso que os governos, uns e outros, têm, política ou administrativamente, impedido o livre e democrático funcionamento da escola pública, para virem agora dizer que esse funcionamento democrático é a raiz dos problemas da escola.

A estratégia é velha: faz-se uma lei, mas não se criam as condições para o seu cumprimento e, depois, vem-se dizer que é a lei que está mal.

Ao mesmo tempo, descredibilizam-se e fragilizam-se os serviços públicos (neste caso, a escola, a educação e o ensino) para promover os privados.

Para que não restem dúvidas de que o PCP confia numa escola de Abril, numa escola que seja orientada para a formação da cultura integral do indivíduo, sempre na perspectiva da sua inserção num colectivo social, e confia nos agentes que intervêm no próprio processo de ensino-aprendizagem, traz a esta Assembleia um projecto de lei que aprofunda a experiência da gestão democrática, inserida de facto na Lei de Bases do Sistema Educativo e respeitadora dos seus princípios.

O PCP propõe um sistema de gestão que envolve todos, nos diversos graus de direcção, ao mesmo tempo que clarifica o papel dos órgãos pedagógicos, atribuindo ao conselho pedagógico um papel cada vez mais científico e menos administrativo, bem como um verdadeiro poder de decisão e de direcção pedagógica e educativa.

Da mesma forma, rompendo com a estratégia de instrumentalização que o Governo pretende aplicar com a esta figura do mandatário do Governo, o projecto de lei do PCP preconiza a articulação constante entre escola e comunidade, nomeadamente pais e autarquias, sempre no respeito pela autonomia escolar.

O Governo quer, na verdade, fechar as escolas sob as suas próprias ordens, quer governamentalizá-las e estender até às salas de aula a mão do seu ministério. É o projecto do PCP aquele que, de facto, acentua a necessidade de abertura da escola. No cumprimento da Lei de Bases e numa verdadeira perspectiva de descentralização educativa, este projecto que o PCP agora apresenta propõe a criação dos conselhos regionais de educação, que funcionarão junto das direcções regionais e que envolvem, de facto, todos os agentes da comunidade e da escola.

Este é também o único projecto para a gestão democrática das escolas que dignifica o papel do estudante na direcção da escola, atribuindo-lhe um papel central, quer através das suas estruturas, quer através da participação propriamente dita de eleitos pelos estudantes na gestão da escola, contrariando inclusivamente a deriva antidemocrática que se tem vindo a sentir em relação às actividades estudantis.

Porque o PCP, como os professores, pais, funcionários e alunos, não poderia deixar de responder à ofensiva que o Governo dirigiu, e dirige, à escola pública, apresenta aqui este projecto e deixa este desafio aos membros desta Assembleia: aceitem criar as condições para que a Lei de Bases do Sistema Educativo seja verdadeiramente aplicada; respeitem a escola e ponham fim à fúria antidemocrática do Governo. Entre uma escola autoritária, tornada empresa, obcecada pelos números e pelos processos administrativos e uma escola de pessoas, de formação de cidadãos, democrática e inclusiva temos agora boa oportunidade para escolher.

(...)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados:

De facto, não é nada que não soubéssemos já. A intervenção do Partido Socialista poderia ter sido perfeitamente dispensada por se colar praticamente na íntegra às intervenções das bancadas da direita, que, aliás, ultimamente se assemelham muito.

Resulta bem claro deste debate que o PCP trouxe a esta Assembleia uma oportunidade para, por um lado, discutir a asneira, no nosso entender, que o Partido Socialista, através do Governo, introduziu na gestão da escola pública e para, por outro lado, abrir um espaço para remendar. Portanto, o PCP trouxe a esta Assembleia uma oportunidade para abrir um espaço de discussão, que o Partido Socialista se recusou sistematicamente a abrir, e para introduzir novos dados nessa discussão, novas propostas e novas alternativas.

Digamos, de passagem, que o projecto de lei que o PCP aqui nos trouxe, obviamente sem tirar o mérito aos debates abertos pelo CDS e pelo PSD, é o único de todos os projectos, incluindo o decreto-lei do Governo, que respeita integralmente a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Constituição da República Portuguesa.

E essa é uma questão central! É que tanto o PSD, como o CDS, como o Governo abordam esta questão de duas formas: a escola pública deve ser o mais instrumentalizada possível pelo Governo, deve ser integrada na cadeia de comando que nasce no Ministério e que vai até à escola; e a escola privada deve ter toda a liberdade, autonomia e financiamento. Liberdade, autonomia e financiamento!

Financiamento garantido pelo Estado, pois claro, para garantir a tal liberdade de que os senhores tanto falam e essa não encontra no projecto de lei do PCP, como, aliás, é óbvio, o que só nos orgulha!

Sr. Presidente, termino, dizendo que o Partido Socialista, uma vez mais, perde a oportunidade de recuar neste ataque que desferiu contra a escola pública, nesta sua fúria contra a democracia, e que deixou bem claro que, além de não confiar, como já foi dito, nos professores, nos seus próprios profissionais, vê na democracia o grande obstáculo para o prosseguimento da sua política de direita e de destruição da escola pública.

 

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