Intervenção de

Educação sexual em meio escolar

 

Regime de aplicação da educação sexual em meio escolar

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Nuno Santos,

Depois de ouvir a sua intervenção, particularmente a primeira parte, e ainda sem pôr em causa as características essenciais do projecto (projecto de lei n.º 660/X), até me custa a crer que o Sr. Deputado pertence ao grupo parlamentar que apoia este Governo há quatro anos, porque o seu discurso não coincidiu em absoluto com aquilo a que se tem assistido, ou seja, a uma falta de atenção flagrante perante as áreas da educação sexual.

O seu discurso foi exactamente no sentido de identificar as falhas às quais o Governo que apoia não tem dado resposta.

O Grupo Parlamentar do PCP tem uma dúvida que, finalmente, foi respondida: porque é que o PS não apresentou esta iniciativa atempadamente e não entrou nesta discussão quando ela foi convocada, nesta Assembleia, há pouco tempo atrás.

É que o PS estava, de facto, à espera de inspiração, tendo ido buscá-la, uma vez mais, ao projecto de lei do PCP  (projecto de lei n.º 634/X), tentando agora, como já é habitual, assumir a paternidade dos projectos em torno da educação sexual.

No entanto, Sr. Deputado, deixe-me que lhe diga que mais importante do que assumir a paternidade dos projectos será assumir as responsabilidades que tem o Partido Socialista pela total desatenção, pelo incumprimento e pelo boicote à legislação que há mais de 25 anos existe em Portugal sobre educação sexual nas escolas. Sr. Deputado, o Partido Socialista não pode vir aqui fazer um discurso de grande preocupação, dizendo que está sempre na vanguarda da educação sexual e das necessidades das escolas, quando, na verdade, é o principal responsável pela não aplicação da respectiva legislação.

A pergunta que lhe deixo é relativamente simples, Sr. Deputado: está em condições de assegurar que, desta feita, passaremos de um discurso floreado para uma prática consistente de educação sexual nas escolas?

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista está em condições de afirmar que deixará de dizer que é grande defensor da educação sexual para passar a fazer e a aplicar a educação sexual nas escolas? Mais: está disponível para assegurar às escolas os meios e o reforço dos meios, nomeadamente dos meios humanos, que este projecto de lei supostamente estipula?

Não podemos, pura e simplesmente, dizer que passará a existir um professor coordenador. Como sabe, os professores têm hoje uma carga de tarefas bastante exigente que os impossibilita, em muitos casos, de assumir qualquer outra, pelo que é necessário um reforço dos meios humanos.

Estará também o Partido Socialista disponível para assumir este compromisso? Sr. Deputado, por último, como é que pode fazer um ar de grande defensor da educação sexual, de Deputado progressista no quadro do Parlamento português, quando, ao mesmo tempo, apoia um Governo que encerrou e continua a encerrar centros de saúde por todo o País, retirando e afastando o acesso ao planeamento familiar por parte dos jovens?

Como é que o Deputado que fez a intervenção que acabámos de ouvir pode ser o mesmo que apoia o Governo, que não comparticipa as novas pílulas, até mais aconselhadas, mais desenvolvidas e mais ajustadas às necessidades das mulheres, visto que não estão disponíveis nos centros de saúde? Como pode conjugar o discurso com a prática, Sr. Deputado?

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Uma primeira palavra para a forma escolhida pelo PS para trazer aqui este debate.

Já disse e torno a dizer que, de facto, o projecto de lei do Partido Socialista encerra um contributo bastante válido.

Mas espanta-nos verificar que, afinal, o Partido Socialista aguardou por este momento para recolher inspiração nos projectos de lei anteriormente apresentados, nomeadamente pelo PCP. Obviamente, só nos honra que se inspirem no que o PCP traz a esta Assembleia em matéria de educação sexual e que considerem como boas propostas, bem motivadas e até como contributos para ultrapassar a fase de sistemático incumprimento da lei em que nos encontramos.

A este propósito, Srs. Deputados do Partido Socialista, não há forma de não vos chamar à responsabilidade. Por mais que tentem, não existe nenhuma forma de escrever o processo que, desde 1984 até hoje, se desenvolveu em torno da educação sexual sem identificar as responsabilidades do Partido Socialista.

É bom que, agora, o próprio Partido Socialista tente emendar-se, ainda que desta forma, e que, finalmente, expresse o compromisso de avançar e cumprir a lei, o que, como já foi referido, tem sido uma das principais reivindicações do movimento estudantil ao longo dos anos.

É que, de facto, este problema não se deve à ausência de um quadro legislativo pois já existem duas leis, a Lei n.º 3/84 e a Lei n.º 120/99, ambas fruto de contributos decisivos do Partido Comunista Português e que também recolheram o apoio do Partido Socialista.

Portanto, repito, o quadro legislativo não é o problema com que actualmente nos deparamos. O que há é uma sistemática falta de vontade, acumulada ao longo de mais de 25 anos, que tem feito com que os sucessivos governos, sejam os de direita sejam os do Partido Socialista (que, por vezes, também governam à direita), se furtem a cumprir a lei.

Ora, se compreendemos a aversão visceral do Partido Social Democrata e do CDS à questão da educação sexual nas escolas, tal não é compreensível da parte de um partido que, sistematicamente, aqui vem afirmar-se como grande defensor da educação sexual.

Certamente fica-lhe bem afirmar-se, mas mais importante é cumprir. Mais importante do que assumir responsabilidades legislativas é assumi-las em termos do cumprimento da lei e de garantir a sua aplicação nas escolas.

Perante o panorama nacional, não adianta mais aprofundar a descrição. Aliás, tanto o preâmbulo do presente projecto de lei como o dos anteriores focam bem a questão, que já foi referida hoje, na intervenção inicial, mas esta situação não vai emendar-se a não ser com medidas sérias.

Tais medidas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não passarão só pela implementação da educação sexual nas escolas.

É preciso que o Partido Socialista também se comprometa com uma política de saúde e de promoção do planeamento familiar em sentido inverso à que tem vindo a praticar, que, aliás, é uma política de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, de afastamento do acesso ao planeamento familiar, particularmente no que se refere às camadas mais jovens da população, uma política de desinvestimento no acesso aos contraceptivos, quer através das escolas, quer das consultas de planeamento familiar, quer do Instituto Português da Juventude, onde, ultimamente, tem vindo a ser feita uma experiência de tentar distribuir contraceptivos. Srs. Deputados, o Partido Socialista, sistematicamente, tem assumido esta postura de duas caras, uma de frontal apoio à educação sexual nas escolas e, depois, uma outra, mais escondida, que é a de incumprimento e até de algum boicote à lei.

O Sr. Deputado falou dos grupos de trabalho, dos estudos, das comissões. Nos últimos governos, o que mais tem havido em termos de educação sexual são grupos de trabalho, comissões, estudos. «O que é preciso é aprofundar!», «é preciso construir grupos», «é preciso estudar, encomendar estudos»...

Tudo muito bem, Sr. Deputado, o que é certo é que há 25 anos que vivemos de comissão em comissão, de estudo em estudo, e, nas escolas, nunca houve educação sexual.

Dizia eu que esta situação só responsabiliza mais o Partido Socialista pelo incumprimento porque é este o partido que se afirma a favor da aplicação da lei.

Pela nossa parte, PCP, e quanto a esta matéria, em 1982 trouxemos a esta Assembleia da República um projecto de lei, em 1983 tornámos a fazê-lo, em 1999 tornámos a fazê-lo, agora, mais uma vez e, certamente, sempre poderão contar com o PCP para continuar a dar o seu contributo no sentido de aprofundar o quadro legislativo. Isto, sem ignorar que as responsabilidades essenciais já não se encontram nas falhas da lei mas nas falhas governativas e na falta de um compromisso sério por parte dos Executivos, nomeadamente deste Governo. Como já disse, o PCP deu um contributo decisivo para todo o quadro legislativo que hoje temos.

Por isso, terminarei, dizendo que continuaremos a fazê-lo, como, aliás, temos demonstrado. Continuaremos a trabalhar no sentido de aprofundar o quadro legislativo.

Hoje, o PS pode contar com o PCP para apoiar este projecto de lei que apresenta e contribuir para que todos os projectos apresentados possam servir de base de trabalho em Comissão, por forma a melhorar o quadro legislativo com o maior consenso possível, mas, certamente, o PS também pode contar com o PCP para chamá-lo à responsabilidade sempre que os governos que o Partido Socialista apoia continuem a faltar às suas responsabilidades e aos seus compromissos.

Quando «têm a mão na massa», não fazem chegar às escolas a educação sexual que, mais do que no Parlamento, tem é de estar nas escolas.

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