Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

"Desde 2009, as aventuras e crimes dos banqueiros, já consumiram cerca de 15 mil milhões de euros de recursos públicos"

Iniciativas relacionadas com a Comissão de Inquérito ao BES e com o apuramento que foi feito pela Assembleia da República relativamente à matéria relacionada com o BES

Reforça as obrigações de supervisão pelo Banco de Portugal e a transparência na realização de auditorias a instituições de crédito e sociedades financeiras (trigésima sexta alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) (PCP);
(projeto de lei n.º 962/XII/4.ª)
Determina a recomposição e imobilização dos ativos detidos pelo Grupo Espírito Santo, o Banco Espírito Santo e os membros do Conselho Superior do GES (PCP);
(projeto de resolução n.º 1487/XII/4.ª)
Determina o controlo público das instituições de crédito e sociedades financeiras com relevo para a política económica e o sistema financeiro português, considerando a segregação de componentes financeiras e não financeiras em grupos mistos (PCP);
(projeto de resolução n.º 1488/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Por proposta do PCP, foi criada a Comissão de Inquérito à gestão do BES e do GES, que constituiu, por si só, um importante instrumento de apuramento da verdade, de aprofundamento do conhecimento parlamentar sobre o funcionamento do sistema financeiro e, ao mesmo tempo, levou a muitos portugueses uma visão de que mecanismos e expedientes são utilizados pelo grande capital financeiro, expondo, também, prejuízos sociais e económicos do domínio do capital monopolista.
O debate de hoje deve ser um novo espaço de discussão sobre o conjunto do sistema financeiro e sobre as políticas de relacionamento do Estado, do interesse coletivo, com as instituições financeiras que hoje representam essencialmente os interesses do grande capital financeiro, apesar de lhes ser confiado um importante bem público: o dinheiro, o crédito e a própria estabilidade financeira.
Srs. Deputados, este debate não pode constituir-se como mais um momento de promessas vãs de que não vai suceder nenhum outro colapso na banca. E não pode constituir-se assim porque os prejuízos são demasiado sérios para todos os portugueses e para o País.
Depois de BPN, BPP, Banif, BCP, BES — e não sabemos se outros não se seguirão num breve prazo —, é tempo de esta Assembleia abandonar de vez a ilusão de que é possível evitar os problemas do sistema financeiro apenas com a solução de tornar mais espessa a supervisão. Como se a supervisão fosse o tapete para debaixo do qual se varrem os problemas da banca, para ficarem escondidos mas não para serem eliminados.
Ao longo do tempo, o PCP apresentou várias iniciativas no âmbito dos desenvolvimentos da Comissão de Inquérito ao BES e sobre o funcionamento do sistema financeiro. Propusemos que o Estado tomasse medidas para descobrir para onde foi o dinheiro, com a constituição de uma unidade técnica para o apuramento dos beneficiários finais dos fluxos financeiros que lesaram o BES. Até agora, essa proposta do PCP foi a única proposta apresentada para que se seguisse o rasto ao dinheiro que desapareceu do BES e que devia estar nas mãos do Estado para responder pelos prejuízos do banco. Não chegou a ser concretizada porque foi rejeitada pelo PSD e pelo CDS, com a abstenção do PS.
Tivesse sido aprovada essa proposta e o aparente conflito entre a justiça portuguesa e os tribunais luxemburgueses poderia ser atenuado, estando hoje Portugal em melhores condições de defender o interesse nacional.
Apresentámos ainda, numa iniciativa inédita na Assembleia da República, propostas com vista à extinção dos paraísos fiscais e dos chamados offshore, assim como de medidas imediatas de proibição e controlo de relações comerciais e profissionais com entidades sedeadas em paraísos fiscais ou jurisdições não cooperantes, propostas essas que aguardam discussão, na especialidade, em sede de Comissão.
Propusemos também medidas para travar a venda de ativos do BES e do GES, como a Tranquilidade ou a Espírito Santo Saúde.
Trazemos hoje a este debate mais três iniciativas que visam dois objetivos essenciais: colocar o sistema financeiro ao serviço do País e garantir que não sejam os portugueses a pagar os buracos dos bancos e os desmandos dos banqueiros.
Propomos o controlo público da banca, através dos meios que se revelem necessários, assegurando a colocação do crédito ao serviço da economia e do interesse coletivo, impondo a sua utilização em benefício dos interesses do grande capital financeiro.
Continuar a atuar apenas sobre a superfície do problema, ou seja, continuar a querer dizer aos portugueses que podem confiar na banca privada porque agora é que é, agora é que a supervisão vai ser boa e mais forte, é, além de um embuste, um risco e um luxo ao qual os portugueses não se podem, nem querem, dar. Viver acima das nossas possibilidades não é ter serviços públicos e direitos, não é ter escolas e hospitais, é pagar pelas aventuras e crimes dos banqueiros que, desde 2009, já consumiram cerca de 15 mil milhões de euros de recursos públicos.
O que ganham os portugueses com a banca privada? Nada! Mas têm tudo a perder.
O que perdem os portugueses com o controlo público da banca? Nada! Mas têm tudo a ganhar.
Os custos que o Estado assume com intervenções no sistema financeiro — financiamento da supervisão, despesas fiscais, perda de influência na política de crédito — não são compensados de forma alguma por algum benefício que possa trazer a banca privada. A banca privada representa, na verdade, um custo brutal para os portugueses e para a economia, agravado pelo facto de estar constantemente a sofrer perdas geradas pela gestão verdadeiramente criminosa que muitos banqueiros fazem em seu favor.
Se é verdade que o controlo público da banca, por si só, não determina o papel que os bancos desempenham, nem as suas opções de gestão, é igualmente verdade que só com esse controlo público se poderão dar os passos necessários para que os bancos, a banca comercial, esteja de facto ao serviço do povo e do País.
Aplausos do PCP.
A rutura com a política de direita, a construção de uma política que afirme a soberania nacional, que assente na valorização de direitos e dos serviços públicos, do trabalho e da produção, implica o controlo público das alavancas fundamentais da economia. A juntar a essa implicação, acresce o facto de só o controlo público permitir que sejam criadas as condições para que a banca e o sistema financeiro não dependam do carácter dos banqueiros, que, como se tem visto, não dá grandes garantias. E enquanto que as opções de gestão pública e a democracia podem determinar o rumo da banca pública, não se pode decretar a bondade de um banqueiro.
Propomos ainda a imobilização e congelamento de ativos do GES e do BES para fazer face aos passivos e compromissos que resultem do balanço atual, reconstituindo a configuração do grupo à data das medidas de blindagem determinadas pelo Banco de Portugal e a reversão das alienações da Tranquilidade, do BESI e da Espírito Santo Saúde, nomeadamente.
Por fim, propomos a alteração do modelo de auditoria externa, tornando-o misto, ou seja, deixando de estar exclusivamente nas mãos de empresas privadas de auditoria, que são pagas pelos bancos, prevendo a existência de meios próprios do Banco de Portugal para realização das auditorias obrigatórias realizadas pelo próprio.
Acrescentar medidas que visem melhorar a qualidade da ilusão ou o desempenho dos ilusionistas, que, no essencial, reforçarão a confiança dos depositantes mascarando os problemas ao invés de os resolver, pode reduzir-se a repetir a fórmula que nos trouxe até aqui e a permitir que o País continue sujeito a novas crises. E parece mesmo que a maioria e o Governo não aprenderam nada com o caso BES: Carlos Costa, que deixa ruir um banco sem qualquer intervenção, é nomeado Governador de novo e Ricciardi, que descapitalizou e lesou um banco, passa por banqueiro bom e continua a gerir o BESI.
O que o PCP propõe neste debate, Srs. Deputados, não é que o Estado, o Banco de Portugal e a CMVM continuem a funcionar como forjadores de confiança na banca privada, mas que sejam o garante da confiança numa banca pública, que esteja ao serviço do povo e do País e que, ao invés de ser um instrumento de domínio do capital financeiro, seja um instrumento de soberania e de sobreposição do poder político ao poder económico.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Pedro Saraiva,
Queria colocar-lhe duas questões muito concretas.
Hoje há duas portas que a banca pode escolher, a porta pela qual todos os processos são supervisionados — bem ou mal são supervisionados — e, depois, uma porta por onde caminha a banca-sombra, em que ninguém fiscaliza nada. E a banca pode escolher. E à medida que carregamos medidas de supervisão na primeira porta, mais a banca vai pela segunda.
A questão que lhe coloco, e o PSD hoje apresenta medidas sobre essa matéria, nomeadamente sobre os offshore, é se devemos aguardar por uma decisão internacional ou se devemos trabalhar para essa decisão, como, aliás, hoje várias forças propõem — o PCP já propôs e o próprio PSD hoje propõe-no —, mas, enquanto se aguarda, veda-se já a segunda porta, nomeadamente através da aprovação da iniciativa do PCP que está, em sede de Comissão, a aguardar a discussão na especialidade.
Portanto, devemos aguardar que as instâncias internacionais resolvam ou devemos pugnar para que resolvam, mas, naquilo que podemos, vedar já as relações comerciais e profissionais e as transferências para offshore?
Uma segunda questão, Sr. Deputado, é a seguinte: 3900 milhões de euros no Fundo de Resolução; 3500 milhões de euros como garantias de dívida garantida no BES, no Novo Banco; 445 milhões de euros de borla fiscal concedida pelo Governo; a exposição da Caixa Geral de Depósitos ao GES, que ainda não está totalmente avaliada ou, pelo menos, publicamente avaliada, tudo isto constitui o total dos custos públicos potenciais com este processo. O PSD mudou-lhe o nome para resolução, para fingir que, como é uma resolução, não tem custos, mas são estes os custos.
A questão que se coloca, Sr. Deputado, é se o PSD vai ou não assegurar que não são os portugueses a pagar pela aplicação da medida de resolução ao BES, nomeadamente aprovando o projeto que o PCP apresenta para a imobilização dos ativos, o congelamento dos bens, para que os bens do GES e do BES possam responder pelo passivo do BES e do GES, garantindo que nenhum português, além daqueles que provocaram as perdas, pague pelos desmandos da banca no caso do BES.

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