Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Debate do Relatório Anual de Segurança Interna — 2010

Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
Estamos a assistir a um debate que tem qualquer coisa de insólito. É porque os Deputados da maioria estão tão empenhados em defender o Governo, em elogiar o Governo, que os elogios até já têm efeito retroactivo, porquanto estão a elogiar um governo que, nesta Câmara, tanto criticaram, mesmo relativamente à política de segurança interna do ano 2010.
Ouvi com atenção o Sr. Ministro Miguel Macedo e estava a pensar o seguinte: «O que é o Deputado Miguel Macedo, enquanto Deputado da oposição, diria relativamente à situação da segurança interna do País, em 2010, se em vez de estar na bancada do Governo, como está hoje
o Ministro Miguel Macedo, ainda estivesse o Ministro Rui Pereira?». Estou a imaginar o Deputado do PSD Miguel Macedo a falar sobre este relatório de segurança interna e a imaginar o que é que ele diria…!
Assim como também me parece previsível que as preocupações tão justamente aqui manifestadas pelo Sr. Deputado Nuno Magalhães, acerca da falta de efectivos policiais no distrito de Setúbal, o que ele não diria, ao verificar que o número de efectivos não aumentou e que a criminalidade violenta, de facto, no distrito de Setúbal, aumentou tal como o Relatório revela…!?
Mas, enfim, pelo tom, «pelo andar da carruagem», parece que, afinal, já não são necessários os efectivos policiais que o CDS tanto reivindicava…
A menos que mantenham essa reivindicação aqui e terão seguramente todo o nosso apoio e a concordância, como tivemos em 2010, na altura em que o CDS tão justamente defendia esse aumento de efectivos.
Sr. Ministro Miguel Macedo, há uma semelhança — mais uma! — entre o discurso que aqui faz hoje e o discurso do seu antecessor, que é o de dizer uma evidência: é que as forças de
segurança dão o seu melhor para garantir efectivamente condições de segurança e de tranquilidade para os cidadãos deste País.
Evidentemente que é assim, mas não é indiferente, para as condições de funcionamento das forças de segurança e para a capacidade das forças de segurança para cumprirem efectivamente as suas missões, que elas tenham efectivos, equipamentos, meios materiais, em condições, de facto, para cumprir as suas missões.
Isso não é indiferente! E o Sr. Ministro não pode vir aqui dizer que, apesar de se reduzirem os efectivos, apesar das condições socioprofissionais dignas e estabelecidas na lei para os profissionais das forças de segurança não serem cumpridas, apesar de a lei de programação de investimentos das forças de segurança não ser cumprida, que tudo continua no melhor dos mundos e que existem todas as condições para que as forças de segurança cumpram as suas missões. Não é assim, Sr. Ministro! As forças de segurança dão o seu melhor, merecem todo o nosso respeito, confiamos na capacidade dos homens e mulheres que servem o País nas forças de segurança, mas temos de dizer que os governos — o anterior e o actual — não cumprem com
as suas obrigações relativamente às forças de segurança!!
Vozes do PCP: — Muito bem!
Isso tem de ser dito e isso prejudica efectivamente a sua capacidade
operacional.
É porque, Sr. Ministro, e retomando o Relatório de Segurança Interna para 2010, efectivamente há preocupações sérias neste Relatório. Em termos de grandes números relativos à segurança, há uma prática de manutenção dos números relativos à criminalidade, mas, se repararmos na criminalidade violenta, encontramos alguns aspectos que não podem deixar de merecer uma atenção particular.
Quando vemos que há um aumento significativo de roubos a ourivesarias, um aumento de 29%, em 2010; quando verificamos que houve um acréscimo de 55% em roubos em residências relativamente a 2009; quando vemos também os números da violência doméstica, que registam também uma evolução negativa de cerca de 2% relativamente a 2009, verificamos que há segmentos da criminalidade que são muito relevantes e que devem merecer uma grande atenção por parte do Governo. E o discurso de auto-satisfação que o Sr. Ministro aqui fez relativamente à política do seu antecessor não nos tranquiliza em relação ao futuro imediato nem ao presente do nosso país, em matéria de segurança interna.
Ainda gostaria de referir um aspecto, no pouco tempo que me resta, que se prende com a execução da lei de programação de instalações e equipamentos das forças de segurança, que foi uma lei emblemática do início da anterior legislatura, mas que não foi emblemática durante toda a legislatura. Isto, porque, como verificamos num relatório de 2010, a lei tornou-se um texto de «ficção», na medida em que a sua execução ficou a menos de metade daquilo que estava previsto no próprio diploma legal.
O seu antecessor passou aqui a «extrema-unção» a esse diploma, deixando claro que ele efectivamente não era para cumprir, ao considerar que ele estava dependente da obtenção de receitas que não foram conseguidas.
É de muito interesse sabermos — e teremos essa oportunidade, provavelmente, no debate sobre o Orçamento do Estado para 2012 — qual vai ser a perspectiva deste Governo relativamente a instalações e a equipamentos das forças de segurança. Sendo que o grau de cumprimento desta legislação em matéria de investimento tem estado a menos de 50% daquilo que estava previsto, gostaríamos de saber qual vai ser a evolução, a menos que o Sr. Ministro aqui venha, daqui por uns tempos, dizer que, apesar de haver um investimento irrisório nas forças de segurança e as instalações e equipamentos continuarem a degradar-se e o número de efectivos continuar a diminuir, tudo vai continuar a correr muito bem.

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