Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Crianças e jovens com necessidades educativas especiais

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

Começo por saudar, em nome do PCP, os mais de 14 000 peticionários, alguns dos quais presentes nestas galerias a assistir a esta discussão, que trouxeram a esta Assembleia, uma vez mais, a discussão de um assunto que envergonha o País e devia envergonhar o Partido Socialista (petição n.º 444/X/3).

E envergonha o País e devia envergonhar o Partido Socialista porque a política do Ministério da Educação, no que respeita às necessidades educativas especiais, é uma política de retrocesso no processo de construção da escola inclusiva; é uma política que desrespeita e contraria a Declaração de Salamanca e os princípios internacionais que têm norteado estas discussões e que, de facto, introduz um retrocesso de décadas naquilo que é o processo de construção de uma escola inclusiva.

O Decreto-Lei n.º 3/2008 não é uma novidade, vem apenas validar aquilo que já era a política deste Governo, nesta matéria.

Já antes de o Decreto-Lei ter sido aprovado, a política deste Ministério da Educação era uma política de brutal redução dos apoios às crianças com necessidades educativas especiais, era uma política orientada exclusivamente por preocupações economicistas, que deixou sem apoios largos milhares de crianças com necessidades educativas especiais.

Este Decreto-Lei de 2008 confirma e valida precisamente estas preocupações. Quando só atende às necessidades educativas especiais de carácter permanente, quando prevê a utilização da CIF, quando prevê a criação de escolas de referência que apenas concentram e «guetizam» estes alunos com necessidades educativas especiais, quando apenas atende a uma perspectiva de categorização das crianças com necessidades educativas especiais em função da deficiência ou da sua incapacidade, este decreto apenas valida uma política que é profundamente errada e contrária aquilo que devia ser a perspectiva de construção de uma escola inclusiva num Estado democrático.

A verdade é que, quando a Sr.ª Deputada Rosalina Martins veio falar na criação dos quadros dos professores de educação especial, a Sr.ª Deputada deveria dizer que, ao mesmo tempo que criaram os quadros, reduziram brutalmente o número de professores de educação especial, porque foi isso o que os senhores fizeram!

Os senhores reduziram brutalmente o número de professores de educação especial!

E a verdade é que este Ministério de Educação e este Partido Socialista ignoram e fazem tábua rasa de todas as críticas dos variadíssimos especialistas.

Ignoram, por exemplo, as críticas do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva, do Centro de Desenvolvimento da Criança Luís Borges, no Centro Hospitalar de Coimbra, da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, do Colégio de Neuropediatria da Ordem dos Médicos, que contrariam a utilização da CIF que o Ministério continua a impor.

Apesar da propaganda do Partido Socialista nesta discussão, a realidade não se altera, Sr.ª Deputada, porque aquilo que continua a acontecer é que, para além das restrições já impostas pela CIF, as equipas de monitorização do Ministério da Educação impõem ainda maiores restrições quando fazem o processo de validação dos processos individuais, impõem ainda maiores restrições na identificação dos alunos com necessidades educativas especiais. Aquilo que o Ministério faz é impor brutais cortes, mesmo depois de os processos individuais terem sido realizados. E a prova disso é que muitos docentes, médicos e psicólogos se recusam, hoje, a participar nesse processo de validação, porque os cortes são impostos administrativamente pelas equipas de monitorização do Ministério da Educação.

E a verdade, Sr.ª Deputada, é que a realidade está à vista.

Temos, hoje, exemplos, nomeadamente no Agrupamento de Escolas Júdice Fialho, de Portimão, com um corte de 77% nos alunos com necessidades educativas especiais, ou no Agrupamento de Salir, em Loulé, com um corte de 74% nos alunos com necessidades educativas especiais.

A realidade está à vista: ao mesmo tempo que os senhores negam os apoios públicos que estas crianças deveriam ter na escola pública.

Como estava a dizer, ao mesmo tempo que os senhores negam os apoios públicos que estas crianças deveriam ter na escola pública, surge o negócio privado de empresas que prestam o serviço que a escola pública não presta, porque os senhores a impedem de o fazer.

Portanto, era isto que se impunha reconsiderar e, nessa medida, importava, de facto, revogar este Decreto-Lei.

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