Neste dia, há 40 anos, era aprovada e promulgada a Constituição da República Portuguesa, emanação do processo libertador da Revolução de Abril e da luta do nosso povo.
É esse acto fundador da democracia portuguesa que aqui hoje comemoramos para, com ele, celebrar uma das mais avançadas e progressistas constituições que o século XX havia de conhecer, e que tem provado ser, nestes anos da sua vigência, um suporte fundamental e indispensável na regulação da nossa vida democrática, mas igualmente um sustentáculo que reforça a legitimidade da luta, dos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor, num Portugal mais fraterno e solidário, mais livre e mais democrático.
Aqui estamos, porque fieis ao nosso compromisso de sempre, a proclamar não apenas a nossa firme determinação em respeitar e defender a Constituição da República, mas a de tudo fazer para dar corpo ao projecto de futuro que transporta.
Celebramos uma Constituição que, sendo inseparável desse imorredoiro processo revolucionário que se inicia em 25 de Abril de 1974 e dos valores que projectou de liberdade, democracia, justiça social, paz e soberania é, essencialmente, resultado da luta dos trabalhadores e do povo português que viram nela reflectidos os seus direitos, as suas aspirações, as conquistas e as profundas transformações e mudanças que protagonizaram, num tempo de viragem e ruptura com a ditadura fascista, a opressão e o colonialismo.
Foi essa luta fortalecida e cimentada na aliança Povo/MFA que pôs em marcha essas grandes transformações que conduziram à liquidação do capitalismo monopolista de Estado, nacionalizou monopólios, realizou a reforma agrária entregando a terra a quem a trabalha, construiu o Poder Local democrático, conquistou direitos para os trabalhadores e para as populações, assumiu a liberdade em toda a sua plenitude.
Foi essa luta e essa profícua aliança que permitiu que a Revolução tomasse um vastíssimo conjunto de medidas a favor dos trabalhadores e do povo, e que deixou a sua marca indelével na Constituição da República Portuguesa.
Neste momento de celebração, permitam-me que daqui preste homenagem aos deputados constituintes que, com o seu honroso trabalho, lhe deram forma e selaram esse compromisso colectivo com o Portugal democrático, de progresso e independente que a Constituição de 1976 consagrou.
Trabalho para o qual o PCP se orgulha de ter dado uma generosa e qualificada contribuição e, posteriormente, nos árduos combates travados em sua defesa, mas também na exigência do respeito pelas suas normas, valores e projecto, e pela sua efectivação.
Permitam-me ainda que neste acto de grande simbolismo para os trabalhadores e o nosso povo, não deixe de declarar o nosso inextinguível reconhecimento aos militares de Abril que devolveram a dignidade e a liberdade ao povo, e o direito a decidir o seu futuro.
A Constituição que hoje celebramos teve desde o momento da sua construção inimigos declarados, mas também inimigos dissimulados como se tornou evidente no decorrer destes quarenta anos da sua vigência.
As forças conservadoras e retrógradas, políticas e sociais, os grandes interesses económicos e financeiros, os grandes senhores da terra, nunca se conformaram com seu projecto libertador e emancipador e viram a Constituição de Abril como um obstáculo à reposição e afirmação dos seus interesses e do seu poder perdido.
A Constituição que hoje celebramos enfrentou, por isso, cíclicas ofensivas que a mutilaram e empobreceram em várias áreas e relevantes aspectos, limitando o seu alcance e conteúdo progressista.
Na verdade, em sete processos de revisão constitucional entretanto ocorridos, na base de acordos entre o PS e o PSD, sempre com o apoio do CDS, alguns aspectos fundamentais da Constituição da República aprovada em 1976 foram sendo eliminados ou descaracterizados e foi aberto o caminho para o desastroso processo de privatizações, para a alienação da soberania nacional a favor das instituições supranacionais da União Europeia, para a inviabilização prática da regionalização, para a liquidação de transformações revolucionárias conquistadas pela revolução de Abril.
Em muitos momentos, as forças políticas que se opuseram à Constituição fizeram dela o bode expiatório dos males do País para iludir as graves responsabilidades da política de direita conduzida por governos do PSD, CDS e PS que explicitamente a afrontavam ou omitiam para servir os seus interesses ilegítimos e que são a verdadeira causa das dificuldades do País e dos portugueses.
Não foi a Constituição da República que impôs o desastroso rumo governativo que conduziu o País à crise e à regressão económica e social.
Estes últimos quatro anos de governo de PSD/CDS e suas práticas de permanente ataque à Constituição, aos direitos e aos princípios nela consignados são um bom exemplo de uma governação realizada à revelia da Lei Fundamental.
Uma governação em consonância com o pensamento do então Primeiro-Ministro, Passos Coelho, que logo que assumiu a liderança do PSD, liderou uma tentativa frustrada de ataque à Constituição com a apresentação de um projecto de revisão constitucional em cujo preâmbulo se pode ler que “a Constituição, tal como se encontra redigida cria muitos obstáculos e entraves às reformas de que Portugal tanto carece” e que propunha liquidar os aspectos fundamentais da Constituição, nomeadamente no plano social e laboral, com a eliminação da exigência constitucional de justa causa para despedimento e com a liquidação de direitos sociais fundamentais, na saúde, na educação e na protecção social.
Estes anos de governo PSD/CDS, em que todos os Orçamentos de Estado contiveram normas declaradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, não foram marcados apenas por uma política governativa de afronta permanente à Constituição, mas também por uma ofensiva visando neutralizar os mecanismos jurisdicionais de fiscalização da constitucionalidade. O ataque ao Tribunal Constitucional a partir do Governo e dos seus apoiantes pretendeu pôr em causa a vigência da própria Constituição e a legitimidade da fiscalização da constitucionalidade das leis.
Ciente de que as políticas que pretendeu levar por diante afrontavam directamente princípios fundamentais constitucionalmente consagrados, a direita lançou uma violenta campanha destinada a procurar impor um estado de excepção não declarado, segundo o qual, em tempos de crise não se poderia invocar a Constituição. Como se não fosse precisamente em momentos de crise e de ameaça aos direitos fundamentais que se deve revelar o valor essencial da Constituição como garantia da inviolabilidade desses direitos.
Assim aconteceu de facto. A declaração de inconstitucionalidade de cortes permanentes nos salários, nas reformas e nas pensões, que permitiu travar algumas das medidas mais gravosas e injustas do Governo PSD/CDS visando empobrecer ainda mais as camadas laboriosas e mais desprotegidas da sociedade, veio demonstrar que a Constituição não foi suspensa como a direita pretendia e que se assumiu como um obstáculo maior aos desígnios de revanchismo social que sempre animaram a direita portuguesa.
A derrota do PSD e do CDS em 4 de Outubro do ano passado e o seu afastamento do poder, é também uma vitória da Constituição com a reposição de valores essenciais que a política de direita tão profundamente afrontou.
A Constituição da República, apesar da gravidade das mutilações e das perversões, emana um claro projecto de uma ampla democracia com uma solução de futuro para Portugal.
Uma democracia assumida em todas as suas dimensões, não em termos de declaração geral, mas concreta – política, económica, social e cultural e que consubstancia o projecto transformador e de modernidade da Revolução de Abril.
Sim! A Constituição da República continua a ser garante de importantes direitos políticos, económicos sociais e culturais dos trabalhadores e do povo.
Nela se inscrevem os direitos dos trabalhadores como intrínsecos à democracia, desde os direitos sindicais aos direitos laborais e à justiça, à segurança no emprego, a uma redistribuição mais justa da riqueza com a efectivação do direito a salários mais justos, a horários de trabalho mais dignos.
Nela se expressa o direito ao trabalho para todos e a execução de políticas económicas de pleno emprego.
Nela se reconhece às mulheres o direito à igualdade no trabalho, na família e na sociedade e importantes direitos às crianças, aos jovens, aos reformados e aos cidadãos com deficiência.
Nela se proclama a exigência da subordinação do poder económico ao poder político e a incumbência ao Estado de dar prioridade às políticas económicas e de desenvolvimento que assegurem o aumento do bem-estar social, a qualidade de vida das pessoas, a justiça social e a coesão económica e social de todo o território nacional.
Nela permanecem como princípios constitucionais, a propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo; o planeamento democrático; a participação das organizações representativas dos trabalhadores na definição das medidas económicas e sociais.
Nela permanecem os princípios de uma organização económica baseada numa economia mista, em que coexistem o sector público, privado, cooperativo e social dos meios de produção, não monopolista nem latifundista.
Nela estão consignadas as obrigações do Estado em relação a domínios tão importantes como os da educação e do ensino, da saúde, da segurança social, da cultura!
Nela subsistem princípios fundamentais para a organização do Estado, como a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público; a autonomia do Poder Local democrático.
Nela se estipulam os justos princípios que devem nortear as relações internacionais e pelas quais Portugal se deve reger – os princípios da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados, o desarmamento e a dissolução dos blocos militares.
Princípios, opções e instrumentos de intervenção que deviam e podiam orientar e garantir uma política de desenvolvimento económico e social ao serviço do povo e do País.
Uma política inspirada nos valores de Abril como claramente o assume a política patriótica e de esquerda proposta pelo PCP aos portugueses.
Uma política que vise assegurar a independência económica do País, assente na utilização dos recursos nacionais e que recupere os instrumentos políticos e económicos que se revelem indispensáveis ao desenvolvimento de Portugal, no plano económico, orçamental e monetário, das relações comerciais e do desenvolvimento do sector produtivo e da defesa da produção nacional.
Uma política capaz de promover a criação de emprego, a valorização dos salários e das pensões, a defesa e afirmação das funções sociais do Estado e dos serviços públicos.
Uma política que salvaguarde e promova o desenvolvimento da cultura portuguesa e a preservação da identidade cultural do povo português.
Uma política que, no plano da União Europeia, rejeite a imposição de políticas comunitárias lesivas do interesse nacional.
Uma política que, afirmando um inabalável compromisso com a Constituição, rejeita uma integração europeia que se caracteriza pela submissão e condicionamento do desenvolvimento de Portugal e, afirme o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino.
Perante a grave situação a que foi conduzido o País nestes últimos anos, Portugal precisa de concretizar, com urgência, uma política que retome na sua plenitude o projecto de sociedade e de organização da nossa vida colectiva que a Constituição consagra.
Nesta nova fase da vida política nacional, marcada pelo afastamento do governo do PSD/CDS e pela nova correlação de forças na Assembleia da República é um tempo de oportunidade que se impõe aproveitar para a construção desse projecto que a vida e a solução dos problemas nacionais reclamam.
A importância da Constituição da República para a construção de um Portugal com futuro, livre, democrático e desenvolvido é para nós inquestionável. A sua actualidade e estreita identificação com as mais profundas aspirações dos trabalhadores e do povo português são a garantia que a sua defesa há-de ser sempre obra do povo que a inspirou e construiu com a sua luta, dos que não perdem a esperança, nem a confiança de ver retomar o seu projecto de uma sociedade melhor, mais justa e mais fraterna que a Constituição da República projecta!
Sim, que viva a Constituição!
Que vivam os valores de Abril!