A história do desenvolvimento do capitalismo em Portugal está intimamente ligada aos grupos económicos que dominaram durante longos períodos de tempo a economia, a produção e a finança, com governos que foram colocando o Estado integralmente ao seu serviço.
A promiscuidade entre os grupos económicos e o Estado durante o fascismo atingiu proporções quase totais.
Após a Revolução de Abril, e enfrentando a postura de alguns grupos económicos que usavam o seu poder para conter os avanços democráticos, foi nacionalizada a banca comercial nacional, em Março de 1975, acabando por ser também um elemento fundamental da política económica do país.
Efectivamente, a capacidade de intervir e controlar publicamente a banca veio a significar também a capacidade de fazer uma gestão política do crédito, da dívida, do investimento, em função dos interesses nacionais, do interesse colectivo, num exercício de soberania e democracia como até aí nunca tinha sido visto em Portugal.
O ataque às conquistas de Abril pelas mãos de governos PS, PSD e CDS veio pôr em causa este rumo. Sob a capa do «modernismo» que anunciava um capitalismo aberto, globalizado e humano.
Foi este «modernismo» que norteou a política de direita ao longo dos últimos 40 anos, promovendo as privatizações das principais alavancas da economia, designadamente da Banca, com as consequências aqui referidas anteriormente na situação actual da banca e dos seus trabalhadores, mas igualmente com reflexos profundos e graves na situação do país.
Na verdade, a privatização das grandes instituições financeiras e de crédito foi feita à custa do país, com prejuízo da produção nacional, acompanhada da promoção da especulação e da extorsão. Sempre com o apoio do Estado, ou melhor, dos partidos que alternaram no governo.
O desenvolvimento do capitalismo, a busca do agravamento da exploração e da extorsão, as contradições inerentes ao próprio sistema e a definição de medidas que permitam manter os objectivos deste sistema predador, encontraram sequência no enquadramento político e legislativo europeu, na união económica e monetária e na efectiva captura do poder político pelo poder financeiro, sempre acompanhada de mecanismos ditos de regulação e supervisão que, na prática, funcionam como cortinas que procuram esconder a podridão.
O Grupo Espírito Santo é apenas um exemplo. Apenas uma consequência do sistema, dos resultados das opções de classe de sucessivos governos, do caminho para onde nos querem conduzir.
O caso do Banco Espírito Santo e do Grupo Espírito Santo, é um dos que, como poucos, reúne com tanta clareza o conjunto de aspectos que resultam do funcionamento do sistema financeiro em capitalismo, desde o funcionamento interno do banco e do grupo, às suas relações com o chamado sistema de supervisão, passando pela sua relação com o tecido económico onde actua e onde tem interesses.
O rol de ilegalidades cometidas impunemente, os ricos fabricados pela evasão fiscal e pela concessão de crédito sem garantias e a sucessão de operações cobertas pelas regras da política de direita levaram ao colapso de um grupo económico e financeiro que, só pela sua dimensão, representava uma ameaça para a estabilidade do sistema financeiro.
A proposta do PCP para a constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão do BES e de todo o Grupo Espírito Santo permitiu uma percepção pública sobre a realidade do mundo do capital financeiro, bem como sobre o comportamento e funcionamento do interior de um grupo monopolista que foi, durante décadas, alimentado pelos próprios governos, fazendo uso de instrumentos do Estado. Mas também permitiu à Assembleia da República aprofundar o conhecimento sobre procedimentos, insuficiências do sistema financeiro e do chamado sistema de supervisão, bem como compreender a natureza predatória dos grandes grupos económicos e financeiros.
O caso BES mostra claramente a incompatibilidade entre a banca privada e uma política de investimento e de crédito ao serviço de interesses comuns e colectivos. Mostra como ao longo dos anos se utilizou o dinheiro dos depósitos (que era dinheiro dos clientes) para a especulação financeira, para financiar projectos das empresas dos grupos bancários e dos amigos, sem segurança de retorno desses créditos. É a banca privada a facilitar a concessão de créditos aos sectores e às empresas que quer e, assim, a desviar o financiamento do sistema financeiro para os seus próprios negócios ou negócios dos seus accionistas, deixando milhares de PME a definhar por falta de crédito.
Sendo claro desde há muito o rumo que a situação levava, impunham-se medidas de defesa e salvaguarda do interesse nacional, como o congelamento e imobilização de activos, empresas e até património, tanto do GES como dos seus principais accionistas, bem como a nacionalização de empresas como a Tranquilidade e a Espírito Santo Saúde. Mas o Governo limitou-se a «deixar o mercado funcionar», remetendo-se para o papel de «entidade reguladora», papel esse que a Constituição da República Portuguesa não lhe atribui.
Ideológica e politicamente submisso ao poder financeiro e ao processo de acumulação capitalista, o Governo não tocou nos privilégios dos banqueiros e dos grandes accionistas do BES, não defendeu o país, nem os seus recursos, nem o seu povo. O governo PSD/CDS apenas interveio para tentar prolongar a vida do BES, derretendo recursos públicos para limpar o banco de activos problemáticos e depois o vender, já livre de problemas, a um qualquer banco maior.
Sabemos e identificamos os verdadeiros responsáveis: são aqueles que ao longo de muitos anos foram os principais accionistas e os gestores.
Mas eles não agiram sem cobertura, apoio e protecção política e legislativa. Por isso, foram igualmente responsáveis pelo colapso do GES aqueles que, ao longo de décadas, protegeram e elevaram o Grupo a colosso económico e financeiro, bem como os que ao longo de décadas sustentaram as opções políticas de direita que alimentaram a ilusão de que a banca privada pode ser disciplinada, apesar de serem visíveis os comportamentos lesivos do interesse colectivo no interior de várias instituições bancárias que são geridas ao sabor dos interesses privados dos accionistas e dos grupos que esses accionistas influenciam.
Sendo verdade que há uma incapacidade operacional e intrínseca das autoridades ditas de supervisão, os sucessivos governos alimentaram o GES e o BES com negócios e louvaram os seus líderes. O GES cresceu até ao seu gigantismo conhecido apenas por ter crescido na sombra do poder e na promiscuidade e rotatividade de quadros entre a política e o GES/BES, mostrando até que ponto chegava a partilha de quadros e de objectivos.
Sem ser surpresa, o resultado da comissão parlamentar de inquérito pôs a nu os expedientes e procedimentos, mas falhou na responsabilização política da União Europeia e dos Governos da República que alinham sem defender a soberania nacional nos seus diversos planos.
Apesar de ter ficado claro, não consta das conclusões que a União Europeia, o Euro, e a imposição de mecanismos de supervisão europeus foram contrários ao interesse nacional em inúmeras situações. Da mesma forma que ficou clara a utilização de offshores e a complacência legal e política foi determinante para saquear o banco.
A banca privada não cumpre o papel de principal instrumento de apoio ao desenvolvimento económico e social. A sua lógica de funcionamento tem sido a obtenção do lucro fácil e a distribuição de dividendos pelos principais accionistas – só no caso do BES foram distribuídos quatro mil milhões em dividendos ao longo de pouco mais de duas décadas, fazendo deles um usufruto estritamente privado, apesar de ter sido socializado o prejuízo resultante.
Tal como afirmamos na declaração realizada no final da Comissão Parlamentar de Inquérito: «Mais do que acrescentar camadas de verniz a um sistema financeiro podre, para melhor encobrir as suas práticas de acumulação, ou para criar a ilusão de que são legítimas, importa afirmar com audácia que nenhuma extorsão é legítima, que nenhuma especulação sobre o trabalho e o interesse nacional são legítimas, independentemente do quadro regulatório em que se realizem.»
Por isso, afirmamos que só o controlo público permite manter uma banca nacional, com um efectivo papel na dinamização da economia e na salvaguarda da nossa soberania.
Controlo público da banca e de todo o sistema financeiro que reclama uma ruptura com a política de direita, a rejeição das limitações e dos constrangimentos externos e o cumprimento da Constituição da República.
Constituição que foi promulgada há 40 anos, que reflecte o projecto libertador de Abril, cuja projecção no futuro de Portugal é fundamental para a concretização da política patriótica e de esquerda que o PCP propõe aos trabalhadores e ao povo.
Uma política que, a par do controlo público de sectores e empresas estratégicas, assuma a renegociação da dívida e estude e prepare o caminho para a libertação dos constrangimentos do Euro; que assuma a efectiva valorização dos salários e pensões; que opte por uma política orçamental justa, baseada numa componente fiscal de aumento da tributação dos lucros e dos dividendos do grande capital e de alívio dos trabalhadores; que garanta a defesa e recuperação dos serviços públicos.
Uma política patriótica e de esquerda que assuma uma política soberana e a afirmação do primado dos interesses nacionais.
Um caminho exigente, difícil, mas possível com o reforço do PCP, o desenvolvimento e intensificação da luta de massas, o alargamento da corrente de rejeição da ingerência e de exigência de uma política vinculada aos valores de Abril.