Saudações aos nossos convidados e a todos os presentes neste Seminário sobre o tema «Controlo público da banca, condição para o desenvolvimento da soberania nacional», primeira iniciativa de um ciclo que se vai prolongar durante os dois próximos meses e que pretender abordar, debater e responder a alguns dos principais constrangimentos ao desenvolvimento do País.
É inquestionável que o País enfrenta há muito tempo sérios e complexos problemas que se têm apresentado cada vez mais agravados e têm arrastado paulatinamente o País para o declínio.
Esse agravamento dos problemas está bem patente na prolongada situação de degradação económica e social no País a que assistimos nos últimos anos em resultado das políticas de deliberado empobrecimento das classes e camadas não monopolistas.
Uma situação que se tem caracterizado, entre outros aspectos, por uma degradação acentuada do tecido produtivo nacional, uma preocupante regressão económica e um enorme défice de produção e de emprego, um acumular de défices de investimento público e privado, por uma dívida insustentável, por uma sangria permanente de recursos humanos jovens e pelo aumento da pobreza e das desigualdades sociais e regionais.
A situação a que o País chegou, para ser efectivamente alterada precisa, quanto a nós, de uma verdadeira ruptura com o rumo até hoje seguido por sucessivos governos do PSD, CDS e PS.
Sem desperdiçar nenhuma oportunidade para repor direitos e rendimentos em que o PCP está empenhado, precisa, particularmente, num processo coerente e articulado, ir dando resposta e resolver um conjunto de graves constrangimentos que a política de direita criou e alimentou, e que estão a bloquear e a paralisar o desenvolvimento do País, entre os quais está, o da dívida e do serviço da dívida que mobiliza recursos numa dimensão insuportável, os que resultam da integração monetária no euro e aquele que hoje aqui nos trás e que resulta da dominação financeira da banca privada. Um problema que assume neste momento uma nova e preocupante actualidade.
Nesta nova fase da vida política nacional, marcada pelo afastamento do governo do PSD/CDS e pela nova correlação de forças na Assembleia da República, a superação destes constrangimentos e problemas precisa de ser encarada de frente, conscientes que somos de que eles serão tanto mais difíceis de resolver quanto mais se adiar no tempo a sua solução.
No que diz respeito ao sector bancário privado é hoje muito claro que ele não serviu o País, nem os portugueses.
Pelo contrário, apenas pensou no lucro dos seus accionistas sem olhar a meios, incluindo os mais ilegítimos e corruptos.
De facto, como aqui foi evidenciado a banca privada em Portugal nunca fez parte da solução de nada, pelo contrário, fez sempre parte dos problemas mais graves do País. A privatização da banca, nacionalizada e desenvolvida a partir da Revolução de Abril, foi, e é, factor de desequilíbrio, de instabilidade, de degradação económica e social.
Desequilíbrio, instabilidade e degradação, porque concentrou riqueza na oligarquia financeira, no capital monopolista, nos grandes grupos económicos e na grande propriedade fundiária urbana e rural.
Porque desinvestiu e aspirou riqueza dos sectores produtivos, das pequenas e médias empresas, para a especulação financeira, a bolha imobiliária e os sectores não transacionáveis de lucro resguardado.
Porque instituiu um crédito usurário, o aumento das taxas, dos spreads, das comissões, dos abusos nos serviços bancários, em desfavor dos clientes, das famílias, dos micro pequenos e médios empresários, dos produtores.
Porque canalizou vultuosos recursos nacionais para o estrangeiro, agravando a dependência externa do País, e transferiu riqueza do interior para o litoral urbano, agravando o desordenamento interno do território.
Porque foi incapaz de financiar a economia e, pelo contrário, descapitalizou as próprias instituições, tornou-se dependente do socorro público, lesou o Estado com os auxílios e a perda de receitas fiscais, aumentou o défice e a dívida pública, agravou a situação financeira do País, acumulou milhares de milhões de euros de lucros privados e de prejuízos públicos.
Porque facilitou a evasão fiscal, a fuga de capitais, o recurso aos offshores, promoveu a desregulamentação financeira e dos mercados públicos, e a privatização de empresas do sector empresarial do Estado.
Porque parasitou o financiamento público e comunitário, obteve injustificáveis benefícios fiscais, espoliou patrimónios públicos e privados e incitou a contenção salarial, a precariedade e a destruição do emprego bancário.
Porque financiou e privilegiou ilegitimamente os respectivos grupos empresariais, escondeu contas, multiplicou sociedades para iludir a fiscalização, expôs-se a activos tóxicos, manipulou o mercado, praticou uma gestão aventureira, incompetente, danosa e mesmo fraudulenta.
Porque se atascou em corrupções, tráficos de influências, ilegalidades, práticas dolosas, deploráveis comportamentos éticos, saque pessoal de rendimentos e capitais, negócios obscuros e ilícitos, numa lastimosa sucessão de escândalos financeiros e que são em si mesmo inseparáveis do capitalismo monopolista contemporâneo.
Porque acentuou a promiscuidade com as pressões sobre e a subordinação do poder político, a par da intensa manipulação da opinião pública.
Não! Repetimos mil vezes, a banca privada nunca foi parte da solução! Foi sempre parte do problema do País. Desequilíbrios e desigualdade, instabilidade social, degradação da situação nacional, tais foram os resultados naturais, expectáveis e confirmados da constituição, do reforço e da promoção da banca privada em lugar da banca pública.
Portugal precisa de uma banca que, em vez dos desequilíbrios, contribua para corrigir o enviesamento especulativo dos fluxos financeiros, a dependência externa, a divergência com a União Europeia, as assimetrias regionais, as desigualdades sociais.
Portugal precisa de uma banca que, em vez de assegurar a estabilidade e o reforço dos lucros dos grandes grupos económicos, da alta finança, dos senhores do dinheiro, à custa da instabilidade do rendimento das famílias dos trabalhadores e do povo, do desemprego, da precariedade, da pobreza e da miséria, contribua, ao contrário, para assegurar a estabilidade e o reforço dos rendimentos, das condições de vida e dos direitos da população.
Portugal precisa de uma banca que, em vez de comprometer a sua soberania e agravar a sua situação económica, defenda a autonomia e independência nacionais, o seu mercado interno, o investimento produtivo, a expansão e modernização da sua capacidade industrial, a criação de emprego, o crescimento económico, o desenvolvimento social.
Portugal precisa, em resumo, de um grande reforço do sector público bancário, que assegure o controlo público e discipline o mercado financeiro, que salvaguarde a solvabilidade e reoriente a actividade da banca nacional.
Duas coisas vão ficando mais claras aos olhos da população.
A primeira é que se faz muita gala na banca privada – e infelizmente o PS não se desliga do PSD e CDS nesse coro –, mas a verdade é que, sem o Estado, sem a intervenção do Estado, sem os auxílios financeiros, os amparos fiscais e as garantias do Estado, o sistema bancário português estaria ainda mais profundamente debilitado, senão em colapso, em resultado dessa gestão essencialmente orientada para a especulação e para a sistemática engorda do capital accionista.
Uma intervenção do Estado, cuja factura tem sido paga e bem paga pela população em geral e pelos trabalhadores da banca em particular, vítimas de uma opção, orientação e práticas que permitiram destruir milhares de empregos, forçar o rebaixamento das condições de trabalho e a liquidação de direitos.
A necessidade de conter os grandes riscos sistémicos que persistem para a economia, de impedir mais transferências de prejuízos privados para o povo português, de garantir a solvência, a liquidez e o funcionamento regular das instituições financeiras, de assegurar uma efectiva regulação, supervisão e fiscalização da banca, exige o controlo público do sistema financeiro.
Reclamamos, a propósito, que a reparação dos prejuízos das instituições financeiras privadas, sobretudo se por acção dolosa dos seus proprietários ou representantes, se faça com o capital e as reservas das próprias e, além disso, com os recursos, os activos e os patrimónios dos respectivos grupos económicos e dos principais accionistas, em vez do dispêndio público.
A segunda coisa que vai ficando clara é que, numa tendência que converge cada vez mais rapidamente para o seu desenlace, a banca ou é pública ou não é nacional. O capital transnacional tem um peso crescente, e crescentemente dominante, no sector, agravando o trespasse de riqueza para o estrangeiro e a perda de soberania do País.
A privatização das instituições financeiras conduz, mais cedo ou mais tarde, à sua aquisição ou domínio pelos megabancos europeus, expurgadas dos activos tóxicos e recapitalizadas com fundos públicos, como na entrega do Banif ao Santander.
A banca pública é a única possibilidade de garantir o interesse público e nacional, de evitar gravosas orientações determinadas pelos centros do capital financeiro transnacional, de limitar as distorções da concorrência pela grande concentração bancária privada, de recuperar uma alavanca imprescindível para o desenvolvimento soberano do País.
Com o euro o País perdeu a soberania monetária, deixou para uma entidade externa, o BCE, a faculdade de emitir moeda. Mas com a privatização e progressivo domínio estrangeiro da banca deixa igualmente para centros de comando externos o controlo da criação monetária pela banca comercial.
Um problema que, como aqui se chamou a atenção, se agrava com a União Bancária e o chamado “mecanismo único de supervisão” que constitui mais um inaceitável golpe na soberania nacional e uma forma política de agilizar o processo de centralização e concentração de capital no plano da União Europeia e com o qual se visa a promoção do encerramento de bancos de menor dimensão, a fusão, a concentração de depósitos e investimentos nos grandes colossos financeiros.
O novo mecanismo de resolução bancária, com a contribuição dos accionistas, credores e grandes depositantes para o custo dos resgates, em vez do suporte pelo Estado do custo dos resgates é outra mistificação.
Não precisamos de um mecanismo europeu único de supervisão e de resolução bancária para fazer recair os custos da resolução da banca sobre quem deve, prioritariamente os donos privados e os credores do banco.
Não precisamos de figurinos de regulação formatados pelo BCE, orientados pela bitola dos grandes bancos europeus, para que os trabalhadores portugueses, aparentemente, não tapem com os seus impostos e a degradação dos serviços públicos os buracos da banca.
Precisamos é de vontade e coragem políticas.
A supervisão e a resolução bancárias únicas alienam ainda mais a capacidade de resolvermos, da maneira que a cada momento considerarmos mais adequada à nossa realidade, as dificuldades dos bancos portugueses, debilitam ainda mais a capacidade de controlo do Estado português sobre o sistema bancário nacional, aumentam a dependência e a submissão às pressões do BCE e, muito mais grave, promovem a dominação monopolista dos grandes grupos financeiros continentais.
Como aqui foi salientado e numa perspectiva mais vasta, a necessidade de travar a especulação financeira, de canalizar as poupanças e recursos para o investimento na produção nacional, de impulsionar o crescimento e defender a soberania, reclama que a moeda, o crédito e outras actividades financeiras essenciais sejam progressivamente postas sob controlo e domínio públicos, ao serviço dos interesses nacionais.
Com o alargamento daqueles que, connosco, defendem uma solução pública para a banca nacional, insinuaram-se duas concepções opostas, a nosso ver erradas. As novas instituições públicas, de dimensão significativa como o Novo Banco, de que propusemos a nacionalização definitiva, nem devem ser integradas e concentradas na CGD, fazendo o sector bancário do Estado coincidir com um mega banco, nem as novas instituições públicas devem ser fraccionadas num conjunto desmembrado, irrelevante e ineficiente de bancos regionais.
Concebemos um sector público, progressivamente alargado e reforçado, articulado e equilibrado, constituído por instituições distintas e autónomas bem dimensionadas, eventualmente com especializações geográficas e funcionais diferenciadas, que mantêm entre si uma certa emulação e estão, juntamente com os remanescentes segmentos privados, mistos ou intervencionados do sector financeiro sob uma acrescida regulação, supervisão e fiscalização públicas das autoridades nacionais.
Aprendemos com a valiosa experiência das nacionalizações e do desenvolvimento do sector empresarial financeiro público que, diga-se de passagem, apesar dos seus erros, da gestão e da orientação da política de direita, contrastou bem com o vazamento continuado de recursos públicos para tapar os buracos da actual banca privada.
Uma grande experiência histórica que, apesar das insuficiências e das dificuldades a que foi sujeita, mostrou que é possível uma reorganização do sistema bancário no interesse, não dos lucros e da acumulação dos grupos económicos nacionais e estrangeiros que o instrumentalizam, mas da economia nacional, do povo e do País.
O progressivo alargamento da banca pública pode combinar ritmos e formas diversas. Nomeadamente nacionalizações, intervenções de emergência para defender o interesse público, resoluções bancárias, negociações, aquisições de núcleos accionistas em condições favoráveis e eventualmente até a preços simbólicos. O caminho da reconstituição de um poderoso sector público financeiro é o de um reforço simultaneamente quantitativo, com o aumento da quota de mercado, e qualitativo, com a articulação e a reorientação do sistema e a forte regulamentação pública.
Mas é fundamental não desperdiçar oportunidades. A nacionalização definitiva do Novo Banco, como já propôs o PCP na Assembleia da República, provisoriamente alocado no Fundo de Resolução, na verdade já pago – com a contribuição e as garantias estatais, a contribuição da CGD e a perda de receitas fiscais dos bancos contribuidores do Fundo – permitiria elevar desde já o peso do sector público no mercado bancário claramente acima dos 40%. Para além de salvaguardar o emprego, os balcões e o importante papel no financiamento das pequenas e médias empresas, de tranquilizar os depositantes e consolidar a instituição.
Nada pode justificar, e muito menos a legislação comunitária que o proíbe, a subsidiação pelo Estado português, traduzida na diferença entre os auxílios públicos e a receita de uma venda apressada, ao grupo económico privado, certamente estrangeiro, que comprasse o Novo Banco.
E como na intervenção de abertura se afirmou, o problema não está em optar entre capitais deste ou daquele País, em maioria ou em exclusividade, nem na divisão negociada e concertada do mercado bancário entre grupos económicos. O problema está no domínio desses grupos e desse capital sobre o sector bancário nacional.
O povo português não tem, nem deve pagar a entrega de instituições saneadas com fundos públicos aos grandes tubarões bancários transnacionais. Como na recente compra do Banif pelo Santander que, na verdade, se tratou de uma recapitalização deste à custa das verbas públicas despejadas naquele.
O Estado português não tem que ficar com os prejuízos e, ainda por cima, ficar sem os bancos.
Portugal precisa de preparar e concretizar outro caminho. Precisa de outras soluções para os seus problemas. Precisa de se libertar das amarras da submissão e da dependência.
De facto, nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno e a alienar a sua independência e soberania nacionais e a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas sócio-económicas.
É nossa profunda convicção que Portugal não está condenado ao atraso. É possível e necessário realizar outra política, invertendo o caminho que tem sido seguido. Há propostas, e muitas aqui hoje foram apresentadas, evidenciando a existência de uma política alternativa às políticas de direita, capaz de resolver os problemas do desenvolvimento do País.