Projecto de Resolução N.º 501/XI/2ª

Visa o reforço dos meios e competências da autoridade para as condições do trabalho e a garantia da eficácia da sua intervenção

Visa o reforço dos meios e competências da autoridade para as condições do trabalho e a garantia da eficácia da sua intervenção

A realidade laboral portuguesa caracteriza-se hoje pelas condições de crescente precariedade vividas pelos trabalhadores e pelo desrespeito pelos seus direitos. Esta realidade tem como principal causa as opções de sucessivos governos que vêm atacando e reduzindo os direitos dos trabalhadores, promovendo a alteração do quadro legal sempre em prejuízo destes, e que têm o seu expoente máximo no Código do Trabalho e no anunciado Pacto para a Competitividade.

Mas se, por um lado, as alterações à legislação laboral têm contribuído de forma decisiva para a degradação das condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, por outro lado, o incumprimento dessa legislação contribui igualmente para a preocupante realidade em que vivemos. As situações de incumprimento da legislação laboral e das regras da contratação colectiva, em matérias como os vínculos contratuais, os horários de trabalho, as condições de saúde, higiene e segurança no trabalho, o trabalho infantil, os direitos de maternidade e paternidade, ou os direitos dos representantes dos trabalhadores assumem hoje uma tal dimensão que não será demais dizer que o combate a estas situações é o combate que se impõe travar contra a recuperação de formas de exploração dos trabalhadores características do século XIX.

A frequência com que surgem relatos de entidades patronais que impõem horários de trabalho ou vínculos contratuais ilegais, ou ocorrem acidentes de trabalho provocados pela falta de condições de segurança, denunciam a dimensão das ilegalidades cometidas nas relações laborais em Portugal. Tomemos como exemplo a evolução dos acidentes de trabalho em Portugal entre 2000 e 2007:

Anos Totais N.º de pessoas expostas
aos riscos
2000 222 .780 4.222.0

2001 237.104. 5.098.8

2002 248 .097 5.106.5

2003 229 .410 5.118.0

2004 234 .109 5.122 8

2005 228 .884 5.122 6

2006 237 .392 5.159 5

2007 237 .409 5.169 7

Fonte: DGEEP – Direcção-Geral de Estatística do Trabalho, Emprego e For mação Profissional/ GEP

De acordo com o Relatório da ACT de 2009, último disponível, o ano de 2008, «deram entrada no Centro Nacional de Prevenção de Riscos Profissionais, 4719 Participações Obrigatórias e 4541 Requerimentos Iniciais. No que se refere à doença profissional certificada a trabalhadores do regime geral, verificou-se a seguinte distribuição por tipo de incapacidade:
- 1859 casos foram reconhecidos como doença profissional com incapacidade;
- 1315 casos foram reconhecidos como doença profissional sem incapacidade;
- 1236 casos foram avaliados como sem doença profissional.»

As mulheres foram as mais atingidas pela doença profissional com 2569 casos a contrastar com os 1841 casos registados em homens.

A Autoridade para as Condições do Trabalho, com a sua actividade inspectiva, fiscalizadora e sancionatória, é por isso um instrumento fundamental para o combate às práticas ilegais que marcam diariamente a realidade laboral e que afectam milhares de trabalhadores. A intervenção daquela entidade em torno dos problemas concretamente identificados nos locais de trabalho permite frequentemente prevenir ou corrigir de forma célere, situações de duvidosa legalidade ou mesmo de atropelo da Lei.

No ano de 2009 os inspectores do trabalho efectuaram 81213 visitas de inspecção em função de objectos de intervenção, em estabelecimentos, locais de trabalho e sedes de entidades empregadoras.

As visitas da ACT efectuadas no ano de 2009 abrangeram um total de 654 985 trabalhadores, sendo 265 831 (40,6 %) do sexo feminino e 3 89 154 (59,4 %) do sexo masculino. 91 849 (14 %) dos trabalhadores abrangidos são contratados a termo, 968 (0,1%) trabalhadores independentes. Do universo de trabalhadores abrangidos, 11 34 3 (1,7%) são trabalhadores estrangeiros:

N.º Tipo de visita %
56534 Visitas de iniciativa própria 69,6
13420 Visitas a pedido de terceiros 16,5
11259 Segundas visitas de inspecção 13,9
81213 Total de visitas 100

N.º Origem %
10999 Trabalhadores 58,7
2472 Sindicatos 13,2
1254 Empresas 6,7
3998 Outras entidades 21,4
18723 Total 100

Origem 20 05 % 2006 % 2007 % 2008 % 2 009 %
Trabalhadores 7.60 1 42,7 8.280 43, 2 6.678 44,7 8150 48,9 10 999 58,7
Sindicatos 2.45 2 13,8 2.892 15,1 2.370 15,9 2343 14,1 2 472 13,2
Empresas 1.53 8 8,6 1.369 7,1 896 6,0 894 5,4 1 254 6,7
Outros 6.21 1 34,9 6.620 34, 5 4.981 33,4 5288 31,7 3 998 21,4
Total 17.8 02 100 19.161 10 0 14.925 100 16675 100 18 723 100
Fonte: Relatório Anual de Actividades da ACT – Área Inspectiva – 2009

No ano de 2009 e em resultado da acção inspectiva desenvolvida, foram autuadas 14 583 infracções, a que corresponde um montante mínimo de coimas de 18.791.088,00€ e um máximo de 58.629.838,00€.

Os sectores da construção civil, serviços prestados às empresas, comércio a retalho, indústria hoteleira, transportes e armazenagem concentraram, em 2009, 68,2 % do total de infracções autuadas.

A acção inspectiva realizada em matéria de trabalho não declarado ou irregular foi ainda exercida, em visitas inspectivas cujo objecto inicial não tinha por fim essa matéria, tendo sido constatado que «continuam a ter uma dimensão considerável os fenómenos de não declaração de trabalhadores, nomeadamente à Administração do Trabalho, à Administração Fiscal e à Segurança Social, sendo também significativo o recurso à celebração de contratos de prestação de serviços que podem dissimular uma verdadeira relação de trabalho, com as suas características próprias de subordinação jurídica, técnica e económica. Por outro lado, o recurso à celebração de contratos de trabalho a termo e a utilização de trabalho temporário fora dos condicionalismos legais previstos para cada um dos casos, foi objecto de atenção porquanto a estas formas de contratação está associado um elevado nível de precariedade que merece ser objecto de uma intervenção abrangente de acordo com os objectivos atrás enunciados.» (in Relatório Anual de Actividades da ACT – Área Inspectiva – 2009)

Os dados respeitantes ao ano de 2009 relativos a apuramentos constantes deste relatório referem-se em boa medida a trabalho não declarado. Foi, assim, apurado um montante global de € 4.289.749 a favor da segurança social. Foram, também, apurados € 15.387.196 respeitantes a salários devidos a 12.222 trabalhadores.

Sendo relevante a actividade da ACT, a realidade demonstra que ela ainda é muito insuficiente. Na verdade, diversas denúncias dos trabalhadores e das suas organizações representativas não deixam qualquer dúvida que ainda há muito por fazer. A precariedade, cujo volume e severidade, não param de aumentar constituem um grande desafio que importa enfrentar de uma forma sistemática, organizada e com os meios adequados.

A conflitualidade laboral, por força da aplicação do Código do Trabalho, de acordo com a OIT, tende a aumentar, sendo absolutamente necessário capacitar as forças inspectivas para fazer face a estas situações.

O PCP, acredita que é possível fazer muito mais no combate as ilegalidades, aos abusos que são cometidos contra quem trabalha.

A ACT tem por missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através do controlo do cumprimento das normas em matéria laboral, e para o cumprimento de tal missão urge atribuir mais competências à ACT, nomeadamente na área jurídica, permitindo que, detectadas situações ilegais, esta possa proceder à reposição imediata da legalidade das situações verificadas, cabendo às entidades patronais contestar essas medidas em juízo.

Tendo isto em conta, é fundamental que a Autoridade para as Condições do Trabalho disponha de condições de funcionamento adequadas às exigências das suas funções. Perante uma realidade tão complexa e exigente como a que vivemos e com a perspectiva da sua complexificação no futuro, a importância da intervenção inspectiva, sancionatória mas também reparadora desta Autoridade exige a adequada afectação de meios, nomeadamente no que respeita ao número de inspectores e às competências, indo, aliás, de encontro às exigências expressadas pelo Sr. Inspector-Geral do Trabalho.

Feitas as contas, considerando que os 572 lugares do quadro incluem 39 lugares a extinguir quando vagarem – 533, ACT continua a manter um quadro com vagas por preencher, embora tenham existido medidas no sentido desse reforço, estando actualmente 365 inspectores em funções (mais 123 do que em 2008). Acresce ainda a dificuldade com a falta de técnicos superiores que, levantados os autos de contra-ordenação, acabam por não chegar a tribunal por inexistência de meios humanos, sendo que em 2010 apenas existiam 74 técnicos superiores.

Assim sendo, o reforço do número de inspectores, de técnicos de superiores e das competências da Autoridade para as Condições do Trabalho é hoje uma condição fundamental para que esta inspecção cumpra cabalmente as funções que lhe estão atribuídas.

Nestes termos, a Assembleia da República resolve, nos termos do nº 5 do artigo 166º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1. Sejam adoptadas as medidas necessárias ao preenchimento das vagas do quadro de inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho;
2. Sejam adoptadas as medidas necessárias ao aumento do número de técnicos superiores da ACT;
3. Sejam adoptadas, com carácter de urgência, as medidas necessárias a garantir o cumprimento das orientações da Organização Internacional do Trabalho em matéria de inspecção do trabalho, nomeadamente a existência de pelo menos um inspector por cada 10.000 trabalhadores;
4. Sejam definidas orientações e adoptado um programa de formação regular, que permita a adequação permanente dos procedimentos inspectivos a uma intervenção eficaz, em matéria de inspecção do trabalho, no quadro dos princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa de defesa dos direitos dos trabalhadores aí consagrados;
5. Sejam atribuídas mais competências à ACT, designadamente jurídicas, no sentido de actuação imediata aquando da verificação de ilegalidades no sentido da sua reparação automática, invertendo o ónus da prova, cabendo às entidades patronais o recurso judicial.
6. Promover a articulação sistemática de envio de informação por parte da Direcção-Geral de Finanças à ACT no que diz respeito às declarações de rendimentos do trabalho dependente e independente.

Assembleia da República, em 25 de Março de 2011

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