Projecto de Resolução N.º 838/XV/1

Valorização dos arqueólogos e demais trabalhadores do Património Cultural

Exposição de motivos

O Património Cultural tem sido um sector amplamente negligenciado, quer do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores, quer no que diz respeito à salvaguarda do património no nosso país.

No plano laboral, estima-se que cerca de 70% dos trabalhadores do sector privado em exercício de funções na Arqueologia preventiva têm vínculos precários, encontrando-se uma grande parte a trabalhar a falsos recibos verdes. Impera, portanto, uma conjuntura de forte instabilidade e crescente precarização, a que se alia a falta de condições de higiene e segurança nos locais de trabalho, o assédio laboral e a não remuneração de horas de trabalho, nomeadamente na fase de redação de relatórios. Acresce uma vergonhosa política de baixos salários, com muitos profissionais a auferirem valores líquidos mensais iguais ou mesmo inferiores ao Salário Mínimo Nacional. Este cenário tem levado muitos trabalhadores do sector a abandonarem a profissão.

É preocupante, no sector público, a falta de trabalhadores em várias estruturas, nomeadamente museus, palácios e monumentos, laboratórios e serviços da DGPC, situação que tende a agravar-se com a iminência da aposentação de vários quadros, muitos deles especializados. A falta de trabalhadores, particularmente em funções de carácter permanente e especializado, não pode ser colmatada através da atribuição de bolsas de doutoramento ou de projetos de voluntariado, de que é exemplo o Programa de Voluntariado da DGPC. É igualmente inquietante a falta de condições técnicas e infraestruturais de várias valências afetas à DGPC, comprometendo mesmo a missão de salvaguarda do património. Continua por resolver a gestão dos espólios arqueológicos e a criação e/ou manutenção de mecanismos eficientes de gestão de inventários e documentação, nomeadamente as infraestruturas informáticas.

Quando se implementa uma profunda reconfiguração orgânica da gestão do património cultural, muitas são as apreensões sentidas pelas estruturas representativas do sector e seus profissionais. Ainda no mês passado foram aprovadas duas alterações, em conselho de ministros:

- Um decreto-lei que procede à criação do Património Cultural, I. P., no âmbito da reorganização da DGPC. De acordo com o Governo, “este instituto público terá como objetivo corrigir problemas criados pelas sucessivas reformas das últimas décadas, tornando a gestão do património cultural nacional mais ágil e eficaz. Terá como principais competências a salvaguarda, investigação, conservação e restauro, valorização, divulgação e internacionalização do património cultural imóvel e imaterial.”

- A criação de uma nova entidade pública empresarial, a Museus e Monumentos de Portugal, E. P. E. Já esta entidade, diz o Governo, “tem como objetivo introduzir uma lógica empresarial na gestão dos museus, mais orientada para o público, com maior capacidade de inovação e de resposta aos desafios atuais e com maior capacidade de projetar as coleções e o património nacional no país e internacionalmente.” Esta empresa, a quem será garantida autonomia, terá um conselho de curadores, que será composta pelos maiores mecenas do país.

Uma outra questão problemática diz respeito à transferência de competências técnicas específicas, anteriormente integradas nas DRC, em estruturas com um espectro de atuação abrangente, sem a especialização técnica e científica necessária como são as CCDR, antevendo-se a diluição das exigências e procedimentos particulares fundamentais no tratamento e gestão do património cultural. Esta medida é controversa também pelo potencial risco de conflito de interesses e falta de transparência que acarreta, uma vez que se aglutinam no mesmo organismo competências que carecem de total independência, como sejam a execução e, simultaneamente, a fiscalização de projetos. Por clarificar permanece a relação entre tutelas, concretamente a articulação entre as CCDR e a DGPC doravante.

Estas decisões vêm comprovar a orientação do Governo no sentido da privatização da gestão do património cultural, tornando-a mais complexa e centralizada. E não são mais do que medidas de desresponsabilização do Estado no que respeita ao património cultural.

A inexistência de uma estratégia articulada de âmbito nacional e o subfinanciamento crónico neste sector têm sujeitado o património material à incúria, ao abandono e mesmo à destruição ativa de muitos monumentos e sítios arqueológicos. À mercê de interesses mercantilistas e de uma visão de rentabilidade económica, o património cultural vê-se, não raras vezes, subordinado à vertente turística. O Governo PS continuou o rumo de privatização e alienação de património público, inviabilizando a sua salvaguarda e valorização e a ele vedando o acesso e fruição à generalidade da população. A linha de desresponsabilização do Estado nas suas funções sociais, concretamente no que diz respeito à conservação, estudo e divulgação do património cultural, acentuou-se com a transferência da gestão de alguns museus, monumentos e sítios arqueológicos para as autarquias locais. Uma falsa descentralização, num processo que não garante os recursos financeiros para suprir as necessidades de meios técnicos e humanos há muito identificadas e que, pelo contrário, tenderá a agravá-las.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de Resolução:

Resolução

A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República:

  1. A contratação de trabalhadores, com vínculo estável e permanente, para os museus, monumentos, laboratórios e serviços da Direção Geral do Património Cultural (DGPC) onde estão identificadas necessidades de reforço das equipas;
  2. A implementação de medidas efetivas de combate à precariedade e aumento dos salários;
  3. A execução de Planos Regionais de Intervenções Prioritárias em todo o território;
  4. A criação de um Programa Nacional de Emergência do Património Cultural, tendo em vista o diagnóstico e a monitorização das reais necessidades de intervenção e salvaguarda do património material;
  5. A criação de organismos de gestão do património cultural com efetiva presença no território;
  6. O reforço dos meios de intervenção da DGPC com vista ao aumento do acompanhamento e fiscalização no terreno;
  7. A elaboração de planos de investigação programada em Arqueologia, integrados no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, cujo financiamento deverá ser reforçado para dar resposta às necessidades do país;
  8. A definição de uma estratégia de gestão e acomodação descentralizada dos espólios arqueológicos;
  9. A criação de mecanismos eficientes de gestão e atualização de inventários e documentação e sua disponibilização via infraestruturas digitais.
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