Projecto de Lei N.º 936/XV/2

Valoriza as longas carreiras contributivas, garantindo a antecipação da pensão sem penalizações aos beneficiários que completem 40 anos de descontos

Exposição de Motivos

O direito à reforma é um direito inseparável da valorização dos trabalhadores e do trabalho e da riqueza que estes produzem através da força do seu trabalho, bem como da existência de uma Segurança Social pública e universal que assume um papel fundamental na garantia dos direitos de todos os portugueses.

A doutrinação do regime fascista entendia que “saber ler, escrever e contar é suficiente para a maior parte dos portugueses”.1 Após a aquisição destes saberes os jovens procuravam trabalho, pelo que entravam muito novos na vida de trabalho, muitas vezes aos 14 anos, mas noutras com idade inferior.

Da Revolução de Abril e das suas históricas conquistas uma das mais importantes é seguramente o direito à proteção social na velhice, no desemprego, na doença, como direitos fundamentais e universais.

Consagraram-se na lei importantes instrumentos de proteção social – subsídio de desemprego, pensão social, melhorias significativas nos regimes dos trabalhadores agrícolas, importantes e significativas melhorias nas prestações familiares. Foi a partir destas opções que se afastaram perspetivas assistencialistas e se consagrou a proteção social como direito fundamental e obrigação constitucional do Estado.

O sistema público, universal e solidário da Segurança Social é recente face aos anos de contribuições da generalidade dos trabalhadores que hoje passam à condição de reformados.

São inúmeros os exemplos ainda hoje de longas carreiras contributivas de trabalhadores que iniciaram a sua vida laboral aos 14, 15 e 16 anos. Esta realidade é particularmente vivida pelos trabalhadores de sectores especialmente desgastantes, com horários de trabalho longos e desregulados e, com sequentemente, com maior propensão para ocorrência de acidentes de trabalho.

Os trabalhadores formavam e formam longas carreiras contributivas, mas não têm direito a poder aceder à reforma, ou aceder à reforma sem penalização, segundo as regras legais.

Esta realidade é socialmente injusta conduzindo a que se exige uma vida de trabalho muito longa, muitas vezes quando os trabalhadores têm débeis condições de saúde causada pelo trabalho.

Na verdade, estes trabalhadores ainda que com 40 anos de contribuições, se decidirem reformar-se antes dos 66 anos e 4 meses de idade, sofrem brutais reduções no valor das suas pensões por decorrência dos baixos salários e da aplicação do fator de redução imposto pelos mecanismos de flexibilização da idade da reforma.

Um trabalhador com 40 anos de contribuições para a segurança social carrega uma vida de trabalho, na esmagadora maioria dos casos uma vida de exploração, tanto por via dos baixos salários (que dão lugar a reformas de baixo valor), como por via das sucessivas alterações à legislação laboral sempre para piorar e desregular os direitos dos trabalhadores.

Não é justo, nem socialmente aceitável que depois de 40 anos de trabalho alguém seja obrigado a trabalhar até ao limite das suas forças, para sobreviver até chegar à idade legal de reforma, num quadro marcado por elevado nível de desgaste físico e emocional, sujeito a intensos ritmos de trabalho e quando cumpriu 40 anos de descontos para a segurança social.

Nem é aceitável a utilização dos indicadores da esperança média de vida para justificar aumentos de idade de reforma e a imposição do fator de sustentabilidade, que penalizam brutalmente os valores de pensão.

Assim, no contexto de uma política de valorização do trabalho, o PCP entende ser da mais elementar justiça o direito do trabalhador com 40 anos ou mais de descontos poder optar pelo direito à reforma sem quaisquer penalizações ou reduções, independentemente da idade, a quem tenha no mínimo 40 anos de carreira contributiva.

É ainda necessário aumentar os salários de hoje e através deles gerar mais receita para a Segurança Social. Mais e melhores salários gerarão melhores reformas e o acesso a um conjunto de bens que muitos reformados não consegue aceder devido ao valor da sua reforma.

As longas carreiras contributivas refletem o valor intrínseco da vinculação dos trabalhadores à segurança social e dos seus descontos ao longo de uma vida de trabalho no financiamento da proteção social que lhe é devida, e no assegurar da solidariedade intergeracional.

Com esta proposta, o PCP valorizando as longas carreiras contributivas, está a contribuir para estimular o pagamento dos descontos para a segurança social, para combater a evasão contributiva, inserindo-se assim no reforço do sistema público de segurança social. É um contributo fundamental na valorização do trabalho e dos trabalhadores, na defesa da dignidade de todos aqueles que têm uma vida inteira de trabalho e um passo de progresso e justiça social.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

Com vista à valorização das longas carreiras contributivas, a presente lei garante a antecipação da idade de acesso à pensão de velhice, sem penalizações, aos beneficiários que tenham completado 40 anos civis de registo de remunerações.

Artigo 2.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio

São aditados ao Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, na sua redação atual, a alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º, o art.º 24.º-A e o n.º 4 do art.º 25.º, com a seguinte redação:

«[…]

Artigo 20.º

(…)

  1. (…):
    1. (…)
    2. (…)
    3. (…)
    4. (…)
    5. (…)
    6. O cumprimento de 40 anos civis de registo de remunerações relevantes para cálculo da pensão, independentemente da idade.
  2. (…)
  3. (…)
  4. (…)
  5. (…)
  6. (…)
  7. (…)
  8. (…)
  9. (…)

[…]

Artigo 24.º-A

Acesso à pensão de velhice com 40 anos civis de registo de remunerações

  1. A antecipação da idade de pensão de velhice, no âmbito das longas carreiras contributivas, previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 20.º, pode ocorrer a partir do momento em que o beneficiário complete 40 anos civis de registo de remunerações relevantes para o cálculo da pensão, independentemente da idade do beneficiário.
  2. O fator de sustentabilidade previsto no art.º 64.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, na sua redação atual e nos n.ºs 2 a 5 do artigo 20.º e no art.º 35.º do presente Decreto-Lei não é aplicável às pensões resultantes da antecipação prevista no número anterior.

[…]

Artigo 25.º

(…)

  1. (…)
  2. (…)
  3. (…)
  4. No regime de flexibilização da idade de pensão de velhice previsto na alínea f) do artigo 20.º, o suporte financeiro da antecipação da pensão é garantido pelo Orçamento da Segurança Social.

[…]»

Artigo 3.º

Produção de efeitos

Aos beneficiários que preencham as condições previstas na alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º que tenham requerido a pensão à data da entrada em vigor da presente lei e esta ainda não tenha sido definitivamente atribuída, deve ser aplicada a presente lei caso se mostre mais favorável.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

1 José-Augusto, O Ano X, Lisboa 1936, Editorial Medina, Lisboa 2010, página 47.

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