O objectivo principal de qualquer sistema fiscal é sem dúvida a cobrança de impostos que permitam fornecer ao Estado os recursos financeiros indispensáveis para poder desempenhar cabalmente as funções económicas e sociais que lhe estão constitucionalmente atribuídas, tal como referem a alínea b) do artigo 81º e cito “ Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico, promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal” e o artigo 104 nos seus nºs 1, 2 e 3 em que a nossa Constituição da República reforça a ideia de que o imposto sobre as pessoas visa a diminuição das desigualdades e é progressivo, a tributação das empresas incide sobre o seu rendimento real, a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos e a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.
Entendemos, ao contrário do que o poder dominante pretende fazer crer junto da opinião pública, que os níveis de carga fiscal no nosso país não são excessivos, a carga fiscal é aliás inferior à média europeia, tendo em conta as funções que o Estado deve desempenhar. O problema fundamental é outro e diz respeito à forma como essa carga fiscal tem vindo a ser distribuída entre os portugueses.
Sob a tese de impostos a mais, construíram-se as premissas para opor acriticamente a despesa pública à carga fiscal, premissas sob a capa das quais se tem fundado a política de destruição de direitos e de funções sociais do Estado. Não há, em Portugal, impostos a mais em abstracto, o que há é um peso fiscal insuportável e crescente sobre os rendimentos dos trabalhadores, dos reformados, das famílias, dos micro e pequenos empresários e simultaneamente, uma desoneração escandalosa da tributação do grande capital, dos seus lucros e da especulação financeira.
Ao longo das últimas décadas, sucessivos governos PSD/CDS e PS têm prosseguido sistematicamente políticas de direita, impondo uma política fiscal cada vez mais injusta e iniqua.
Esta política fiscal tem vindo a acentuar progressivamente a injustiça na distribuição da riqueza nacional. À diminuição da parcela da riqueza distribuída em salários acresce agora uma redução das reformas e pensões, assim como dos apoios sociais. É hoje muito claro para trabalhadores, reformados e suas famílias que a par do desemprego a enorme carga fiscal que se abateu sobre eles em especial em 2013, constituem os principais factores que conduziram à forte quebra registada nos seus rendimentos.
São elementos dessa política a concentração cada vez maior da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, o peso crescente dos impostos indirectos na receita fiscal, a concessão de benefícios fiscais ao grande capital, traduzindo-se num escandaloso favorecimento dos grandes grupos económicos à custa da crescente carga fiscal sobre os trabalhadores, reformados e famílias, assim como dos micro e pequenos empresários e a não tributação do património mobiliário e de grande parte do património imobiliário (só as habitações próprias que a esmagadora maioria dos portugueses se viu obrigado a comprar são efectivamente e de forma exagerada tributadas anualmente em sede de IMI).
Ao longo dos últimos anos o PCP não se tem cansado de denunciar as injustiças e iniquidades fiscais impostas por Governos do PS, PSD e CDS, tendo combatido todas e cada uma das medidas fiscais que acentuaram o desequilíbrio na distribuição do rendimento, propondo alternativas para uma tributação mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento económico e social do país.
Uma nova e alternativa política fiscal, articulada com a dimensão orçamental, exige que a tributação evolua para assegurar o investimento e sustentar o financiamento das funções sociais do Estado, rompendo com o favorecimento da banca e dos grupos económicos e aliviando a carga fiscal sobre os trabalhadores e o povo.
Foi exactamente esse o objectivo do Projeto de Lei que apresentámos no final do passado mês de Novembro na Assembleia da República: desonerar fiscalmente os trabalhadores, reformados e pensionistas e as famílias, assim como as micro e pequenas empresas, e obrigar o grande capital a um esforço fiscal mais elevado e adequado.
Relativamente à desoneração fiscal dos trabalhadores reformados e pensionistas e das famílias, vale a pena referir os traços fundamentais da nossa proposta:
Em sede de IRS, propusemos a criação de 10 escalões de tributação do rendimento, reduzindo de forma significativa a tributação dos baixos e médios rendimentos. Propusemos a eliminação da sobretaxa extraordinária, o aumento das deduções à colecta para os rendimentos baixos e médios, o aumento do montante a abater ao rendimento a colectar, a isenção do pagamento do imposto aos cidadãos com rendimentos muito baixos. Propusemos a generalização do princípio do englobamento dos rendimentos, para garantir que a tributação incide sobre o rendimento real.
Em sede do IVA, propusemos a redução da sua taxa normal de 23% para 21% e propusemos um cabaz de bens essenciais taxados a 6%, os quais incluiriam a energia eléctrica, o gás natural e o gás de botija.
Em matéria de IMI, propusemos a manutenção da cláusula de salvaguarda e relativamente às pessoas de muito baixo rendimento, propusemos o que ficassem isentas deste imposto, estendendo essa isenção aos cidadãos com elevado grau de deficiência.
Relativamente à desoneração fiscal das micro e pequenas empresas.
Em sede de IRC, a nossa proposta foi no sentido da criação de uma taxa de 12,5% para lucros inferiores a 15.000 euros. Propusemos a eliminação do pagamento especial por conta, assegurando a sua devolução sem custos para as empresas que não paguem IRC, enquanto este se mantiver e propusemos ainda o alargamento da possibilidade de recurso a um regime simplificado associado à introdução de coeficientes técnico e científicos para apurar o rendimento.
Em sede de IVA, propusemos a generalização do IVA de caixa nas relações com o Estado e alargamos o actual regime de IVA de caixa a todas as micro empresas que o pretendam. Propusemos também a reposição da taxa de 13% para a restauração e reduzimos o IVA da energia eléctrica e do gás natural para 6%.
Paralelamente a estas propostas de desoneração fiscal dos trabalhadores, das famílias e das micro e pequenas empresas, avançámos com um conjunto de propostas visando uma tributação mais adequada dos lucros dos grandes grupos económicos e das grandes fortunas e o combate à especulação financeira.
Em sede de IRC, propusemos a reposição da taxa normal de 25% e a criação de uma nova taxa de 35% para lucros acima dos três milhões de euros. Propusemos ainda um conjunto de normas que impedissem o planeamento fiscal por parte dos grandes grupos económicos e financeiros e estabelecemos o princípio da utilização dos resultados contabilísticos para o apuramento da taxa de IRC.
Em sede de IRS, propusemos ainda o aumento da taxa do imposto para os rendimentos muito elevados, tributando os rendimentos colectáveis entre 105 mil e 152 mil euros a uma taxa de 50%, os rendimentos entre 152 mil e 500 mil euros a uma taxa de 60% e acima de 500 mil euros a uma taxa de 75%.
Em sede de IVA, propusemos a criação de uma nova taxa de 25% para bens e serviços de luxo.
Em sede do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a nossa proposta passava pelo fim de todos os benefícios ao offshore da Madeira e aos fundos de investimento, bem como o fim da isenção de 50% do IMI e do IMT pago pelos fundos imobiliários.
A par destas medidas, propusemos ainda medidas para uma mais efectiva taxação do grande capital, nomeadamente, o Imposto sobre Transações Financeiras, abrangendo as transacções em mercado regulado, em mercado não regulado e fora do mercado, consignando parte da receita deste imposto ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, e o Imposto sobre Património Mobiliário, incidindo sobre as participações de capital nas empresas e títulos financeiros como poupanças, títulos de dívida privada e outros instrumentos financeiros associados à especulação, tributando o património a partir dos 100 mil euros.
Por fim, propúnhamos que a contribuição sobre o sector bancário deixe de estar consignada ao Fundo de Resolução da Banca.
Como era de esperar o nosso projecto de reforma fiscal, praticamente silenciado por todos os grandes órgãos de comunicação social, acabou por ser chumbado por PSD e CDS e teve a abstenção do PS.
E a propósito desta abstenção do PS e do seu comportamento na discussão da reforma do IRS, não deixa de ser significativo que aqueles que agora, com a aproximação das eleições legislativas aparecem transmitindo a ideia de um reposicionamento à esquerda, quando se desce ao concreto aí estão eles a mostrar a sua verdadeira face e a aprovar a reforma do IRC, como fizeram o ano passado e que este ano fará com que a receita de IRC baixe mais de 200 milhões de euros, ou a fazer depender a viabilização da reforma do IRS, aprovada por PSD e CDS, do quociente familiar, como fizeram agora. Aceitando em contrapartida a manutenção da redução do nº de escalões, o aumento das taxas por escalão e a manutenção da sobretaxa de IRS, alterações introduzidas em 2013 e que foram responsáveis por um enormíssimo aumento do IRS, hoje suportado por trabalhadores, reformados e pensionistas.
O PS hipocritamente está preocupado com o facto de um filho de um pobre valer menos umas centenas de euros no cálculo do rendimento colectável dos seus pais, do que vale um filho de um rico, mas em contrapartida não está preocupado com o facto do trabalhador, pai desse filho pobre, pagar muito mais IRS do que, o pai do filho rico paga pelos dividendos, pelos juros e pelas mais-valias ou pelos capitais que colocou num paraíso fiscal e esta é que a questão fundamental na reforma do IRS.
As propostas de reforma fiscal por nós apresentadas na AR, como demonstrámos na altura traduzir-se-iam num acréscimo considerável da receita fiscal, garantindo o adequado financiamento das funções sociais do Estado, ao mesmo tempo que aliviariam a carga fiscal sobre os trabalhadores e os reformados e sobre as micro e pequenas empresas.
Estas propostas do PCP não só dão expressão a uma política fiscal mais justa e mais adequada às necessidades de desenvolvimento económico e social do país, como demonstram que é possível ao Estado arrecadar um volume de receitas fiscais bem superiores pondo a pagar impostos aqueles que efectivamente o devem fazer.
Esta será a reforma fiscal que um governo patriótico e de esquerda terá de implementar, quando o povo português assim o quiser.