Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Debate «Tratado transatlântico (EUA-UE) - Uma ameaça contra os trabalhadores e os povos»

TTIP - Uma ameaça contra os trabalhadores e os povos

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Como ficou demonstrado nas intervenções anteriores, coloca-se com toda a acuidade a necessidade da denúncia dos reais objectivos e consequências do chamado «Acordo de Parceria Transatlântico de Comércio e Investimento», vulgarmente conhecido como Tratado Transatlântico ou TTIP – representando esta iniciativa mais um contributo do PCP nesse sentido.

O TTIP, como aqui foi salientado, é um acordo de livre comércio que está a ser negociado pelos Estados Unidos da América e a União Europeia, de forma sigilosa e opaca, nas costas dos povos.

Recorde-se que só com a crescente exigência do conhecimento público das negociações e após a divulgação à revelia da União Europeia do mandato de negociação do Conselho à Comissão Europeia, é que esta se viu forçada a divulgar elementos, embora parcelares e incompletos, sobre a agenda e o conteúdo das negociações em curso com os Estados Unidos, constatando-se então a assídua e activa presença nestas negociações das confederações e dos representantes do grande capital ligados à banca e à indústria – automóvel, do armamento, farmacêutica ou agro-alimentar, entre outras.

Saliente-se que se trata de uma negociação realizada pela União Europeia, que após o Tratado de Lisboa – e entre outras gravosas alterações por este introduzidas – assumiu a política comercial comum como sua «competência exclusiva», à custa do cerceamento da soberania de Estados que, como Portugal, estão a ser penalizados pelas consequentes limitações na defesa dos seus interesses nacionais, em benefício dos grandes grupos económicos e financeiros e do directório das grandes potências, sob a liderança da Alemanha.

A concretizar-se, o Tratado Transatlântico significará a criação do maior espaço de livre comércio, do maior bloco económico do mundo, envolvendo cerca de 40% do comércio mundial.

O TTIP que está em negociação entre os Estados Unidos e a União Europeia não é um acto isolado. Para compreender a sua razão de ser e todo o seu alcance há que ter presente o contexto em que este se insere, isto é, uma situação internacional marcada pelo aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e por um amplo processo de rearrumação de forças que está a verificar-se à escala mundial.

Neste quadro, o TTIP inscreve-se na resposta dos Estados Unidos e da União Europeia à sua crise, visando assegurar a rentabilidade do grande capital transnacional pela via de uma inaudita centralização e concentração do capital, da completa mercantilização da vida económica, social e cultural, e da imposição de uma regressão social de dimensão civilizacional.

O Tratado Transatlântico é, assim, e como o debate evidenciou, um instrumento com o qual os Estados Unidos e a União Europeia procuram assegurar os interesses do grande capital norte-americano e europeu.

Perante a crise de sobre-produção e sobre-acumulação, com a situação de estagnação económica que se perspectiva – com períodos de recessão ou de crescimento anémico – para os Estados Unidos e a União Europeia, os grandes centros do imperialismo procuram dar um novo ímpeto à intensificação da exploração e desvalorização da força de trabalho, à extensão do seu domínio a acrescidas esferas de negócio, ao ataque à soberania dos Estados e à própria democracia política formal, através da liberalização do comércio e do investimento que o TTIP permitiria.

Deste modo, o Tratado Transatlântico aponta, entre outros aspectos, para: a eliminação ou redução das barreiras pautais ao comércio de mercadorias, como os direitos aduaneiros; a eliminação ou redução de outras barreiras ao comércio de bens e serviços e ao investimento, nomeadamente as que decorrem das constituições, legislações e regulamentações nacionais; a gradual aproximação entre os regulamentos e normas da União Europeia e dos Estados Unidos; ou o estabelecimento de regras e princípios comuns entre os Estados Unidos e a União Europeia que possam ser arremessados contra outros processos de negociação bilateral, regional ou multilateral.

Nas diversas intervenções ficou patente que, se concluído e ratificado, o TTIP significaria um novo patamar no domínio do grande capital, no espaço transatlântico, teria gravosas consequências para a economia e o emprego e representaria um novo desenvolvimento na ofensiva contra os direitos laborais e sociais, a protecção do ambiente, a segurança alimentar, os serviços públicos e a soberania e independência nacionais.

O TTIP encerra sérias ameaças ao emprego e aos direitos laborais e sindicais, servindo de pretexto e de suporte à desvalorização dos salários, à degradação das condições de trabalho, ao incremento da precariedade, ao alastramento da desprotecção no trabalho, ao ataque à contratação colectiva.

O TTIP encerra sérias ameaças a diversificados sectores da indústria transformadora e agro-alimentar nacional, que ficarão expostos a uma acrescida concorrência e a novos condicionamentos, não sendo as vantagens nalguns subsectores que compensarão impactos globais negativos em pequenas e médias explorações agrícolas, na agricultura familiar e em pequenas e médias empresas.

O TTIP encerra sérias ameaças no plano ambiental, da segurança alimentar e da saúde pública, estando em negociação as normas que proíbem, restringem ou controlam o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados, a utilização de determinados fertilizantes e pesticidas químicos, o uso de hormonas de crescimento, antibióticos ou de compostos clorados, entre outros exemplos, sempre favoráveis aos interesses das grandes transnacionais da indústria e do agro-negócio.

O TTIP encerra sérias ameaças aos serviços públicos, às funções sociais do Estado, sendo encarado como uma oportunidade para assegurar as condições que permitam um novo assalto do grande capital a serviços públicos e aos sistemas públicos de prestação de cuidados de saúde, de ensino e de segurança social – assalto que, devido à resistência e luta dos trabalhadores, não conseguiram impor anteriormente com a denominada «Directiva Bolkestein» de liberalização dos serviços na União Europeia.

O TTIP constitui uma séria ameaça à soberania nacional, ao regime democrático consagrado na Constituição da República Portuguesa, à capacidade de um Estado definir as suas políticas económicas e sociais. O chamado mecanismo de resolução de litígios entre os Estados e os grandes grupos económicos e financeiros é justamente considerado um dos mais gravosos pontos da agenda em negociação, mecanismo que já está previsto noutros acordos de liberalização de investimentos. Trata-se de um mecanismo que possibilitaria às grandes transnacionais mover processos judiciais contra os Estados com base nas normas do TTIP, sempre que estas considerem que a legislação ou a regulamentação adoptada pelas instituições soberanas dos Estados firam os seus interesses. Processos que decorreriam em «tribunais arbitrais», com prevalência e à margem dos princípios constitucionais, legislação e tribunais nacionais, isto é, da soberania dos Estados. São conhecidas diversas situações em que grandes empresas transnacionais processaram Estados, exigindo avultadas e inaceitáveis indemnizações, quando estes adoptaram soberanamente medidas em defesa da sua economia, da salvaguarda da saúde pública ou por razões ambientais.

O Tratado Transatlântico, assim como outros recentes tratados de livre comércio e de investimento de âmbito bilateral e regional, constituem a forma com que os Estados Unidos e a União Europeia procuram contornar o impasse que se verifica nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), que visavam o avanço da liberalização do comércio e do investimento ao nível internacional.

Um impasse na OMC que é inseparável do processo de rearrumação de forças no plano mundial e do crescente choque de interesses entre as grandes potências imperialistas e a emergência e gradual afirmação dos denominados países emergentes – com particular significado para os países reunidos na dinâmica dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) – e de importantes processos de cooperação e integração regional que se desenvolvem numa base soberana, solidária, equitativa e socialmente orientada. Processo de rearrumação de forças que, não isento de contradições, tem-se constituído como um factor de contenção à instauração da «nova ordem mundial» hegemonizada pelo imperialismo norte-americano e seus aliados.

Deste modo, o Tratado Transatlântico constitui um meio através do qual os Estados Unidos, de mão dada com a União Europeia, procuram contrariar o seu declínio relativo – nomeadamente no campo económico – e confrontar as denominadas economias emergentes. Aliás, a ambição que está por detrás e move o TTIP foi expressa com singular clareza por Hillary Clinton, ao caracterizar este Tratado como a «NATO económica». Isto é, com o TTIP os Estados Unidos visam não só atenuar inerentes contradições e disputas no quadro da concertação-rivalidade com a União Europeia, como utilizar este Tratado para impor e assegurar o seu domínio hegemónico ao nível mundial.

Assim, a partir do acordo entre os Estados Unidos e a União Europeia, que este Tratado Transatlântico materializaria, institucionalizar-se-ia um dito «novo direito global» e uma dita «governança mundial», impostos ao mundo sob a determinação e à medida do grande capital norte-americano e europeu.

Embora os Estados Unidos e a União Europeia afirmem a intenção de prosseguir as negociações com vista à conclusão de um acordo até o final de 2015, há que ter presente que estas não são isentas de contradições, pois os interesses comuns de classe coexistem com interesses específicos e diferenciados, por vezes antagónicos, entre o grande capital norte-americano e europeu.

No entanto, seria um erro adoptar uma atitude expectante face a uma eventual prevalência das contradições sobre os esforços de concertação, pois a derrota do TTIP exige e passa, essencialmente, pela ampliação da luta dos trabalhadores e dos povos contra este Tratado.

Daí a necessidade de intensificar a denúncia dos reais objectivos do TTIP, assim como das suas gravosas consequências para os trabalhadores, o povo e o País, assim como para os trabalhadores e os povos norte-americano e dos diferentes países na União Europeia, ampliando o movimento pela sua rejeição.

Quanto maior a consciência do real significado e consequências do TTIP para os trabalhadores, para diversificadas camadas e sectores, para o povo português, que serão profundamente atingidos por este, mais forte será a resistência à sua imposição.

Não esquecemos que houve anteriores tentativas de imposição de gravosos acordos e tratados contra os povos que foram derrotadas em resultado da denúncia dos seus objectivos e de amplas mobilizações populares. Recordemos o fracasso do chamado «Acordo Multilateral de Investimentos», conhecido como «AMI» – que o Tratado Transatlântico procura agora recuperar em inaceitáveis aspectos – ou a rejeição da chamada «Área de Livre Comércio das Américas», a «ALCA», que os Estados Unidos queriam impor a todo o continente americano.

Aos apologistas do TTIP, que acenam uma vez mais com o hipotético crescimento da economia, do emprego e do rendimento, recordamos-lhes idênticas promessas aquando da adesão à CEE, da criação do «mercado único» ou da União Económica e Monetária – do Euro – que, como então alertámos, a realidade iria comprovar a sua falsidade.

Tal como os Tratados - de Maastricht a Lisboa-, tal como a União Económica e Monetária, tal como o Tratado Orçamental e demais políticas, instrumentos e mecanismos da União Europeia, também o TTIP é um instrumento de exploração e de opressão ao serviço do grande capital.

Tal como cada etapa no processo de integração capitalista europeu teve e continua a ter profundas e gravosas consequências para o povo português e para o País, também o TTIP representará maiores imposições e condicionamentos, e acrescidas dependência e submissão de Portugal ao domínio e aos ditames do grande capital transnacional, dos Estados Unidos e das grandes potências da União Europeia.

Como salientámos, se concretizado, este Tratado representaria um novo ataque à soberania e independência nacionais.

Perante os inaceitáveis objectivos e as gravosas consequências do TTIP, o PCP reafirma a sua rejeição deste Tratado e o seu empenho na luta pela derrota deste.

E não venham confundir a posição do PCP, de recusa de acordos e tratados lesivos da soberania e interesses nacionais, com a defesa de uma qualquer solução autárcica e isolacionista.

Para o PCP, a internacionalização da economia, a profunda divisão internacional do trabalho, a interdependência e cooperação entre Estados e os processos de integração correspondem a realidades e tendências de evolução não exclusivas do capitalismo. Em função da sua orientação, características e objectivos, tais processos podem servir os monopólios e as transnacionais, ou podem servir os trabalhadores e os povos.

O PCP considera que nada pode obrigar Portugal a aceitar a posição de Estado subalterno, a alienar a sua independência e soberania nacionais, e a renunciar ao direito de optar pelas suas próprias estruturas socio-económicas e pelo seu próprio regime político.

Recusando a posição de abdicação nacional do Governo PSD/CDS e o silêncio cúmplice do PS, que perante o TTIP procura fugir às suas responsabilidades, como quem procura passar por entre os pingos da chuva, o PCP afirma claramente que basta de gravosas abdicações de soberania, de empobrecimento da democracia, de inaceitáveis imposições supranacionais que colidem com os interesses e as legítimas aspirações dos povos.

O PCP continuará a tomar iniciativas no sentido de exigir ao Governo PSD/CDS que informe claramente o povo português acerca da sua posição no processo de negociação e do desenrolar deste, assim como o necessário, sério e participado estudo das consequências do TTIP para o País.

O PCP continuará a desenvolver iniciativas com o objectivo de dar a conhecer os reais objectivos e consequências deste Tratado e a colocar a exigência de que seja aberto um amplo debate público acerca da natureza e objectivos do TTIP.

A realidade aí está a demonstrar a razão do PCP, ao evidenciar que uma das mais fortes exigências que emerge do mundo em mudança em que vivemos é a da pujante afirmação da riqueza das diferenças, das identidades nacionais, do reconhecimento do direito das nações a um poder político soberano, da aspiração à igualdade de direitos e a novas formas de cooperação mutuamente vantajosas e reciprocamente enriquecedoras.

As soluções para o desenvolvimento do País não passam pelo aprofundamento de novos e mais graves condicionamentos, novas perdas de soberania, novos espartilhos que são um obstáculo ao seu desenvolvimento soberano e uma das principais causas do seu actual declínio.

Pelo contrário, Portugal precisa e com urgência de se libertar das fortes amarras que o condicionam e o têm conduzido à situação de crise grave em que se encontra, em resultado de uma política nacional a favor do capital monopolista e de uma integração europeia de submissão e condicionamento nacional, onde pesam, nomeadamente, as imposições do mercado único e do Euro.

Como o claramente o afirmámos no Encontro Nacional deste Sábado - “Não ao declínio nacional. Soluções para o País” -, Portugal precisa de romper com urgência com a política de direita e afirmar a concretização de uma política alternativa e de uma alternativa política, ao actual rumo de desastre e ruína nacional.

Uma política alternativa, patriótica e de esquerda que recupere os instrumentos políticos e económicos que se revelem indispensáveis ao seu desenvolvimento no plano económico e monetário, das relações comerciais e do desenvolvimento do sector produtivo, e da defesa da produção nacional.

Uma política patriótica e de esquerda que, no plano da União Europeia, rejeite a imposição de políticas comunitárias lesivas do interesse nacional e destruidoras do aparelho produtivo.

Uma política que assegure e afirme o pleno direito do povo português de decidir do seu próprio destino e de ver assegurada a prevalência dos interesses nacionais.

Uma política dirigida à solução dos graves bloqueios que estão a fechar os caminhos do desenvolvimento, como são os constrangimentos resultantes da dimensão de uma dívida pública e externa insustentáveis, da integração monetária no euro, da dominação financeira da banca privada.

Três grandes constrangimentos na superação dos quais a política patriótica e de esquerda se apresenta com soluções exequíveis e viáveis e que passam por uma solução integrada de renegociação da dívida, estudo e preparação do País para se libertar da submissão ao euro e pela recuperação do controlo público da banca.

Sim, temos soluções e há outro caminho!

Há uma política alternativa, capaz de responder aos problemas do País e às aspirações dos trabalhadores e do povo.

Política de que o PCP é portador, e parte insubstituível e indispensável de uma verdadeira alternativa política.

Uma política baseada: na promoção e valorização da produção nacional e na criação de emprego; na recuperação para o controlo público de sectores e empresas estratégicas, designadamente do sector financeiro; na valorização dos salários, pensões e rendimentos dos trabalhadores e do povo; na defesa dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, designadamente dos direitos à educação, à saúde e à protecção social; numa política fiscal que desagrave a carga sobre os rendimentos dos trabalhadores e das micro, pequenas e médias empresas e tribute fortemente os rendimentos e o património do grande capital, os seus lucros e a especulação financeira; na rejeição da submissão às imposições do Euro e da União Europeia.

Temos afirmado que está nas mãos dos trabalhadores e do povo dar força à exigência de uma política que lhes devolva o direito à plena realização das suas vidas. Que está nas suas mãos e na sua luta dar força e apoiar um verdadeiro projecto alternativo para o País. Um projecto que o PCP dá garantias de concretizar na acção e convergência de todos os democratas e patriotas em ruptura com a política de direita.

Esta força que está pronta para assumir todas as responsabilidades que o povo lhe queira confiar!

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