Intervenção de

Tributação automóvel - Intervenção de Honório Novo na AR

Reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação e abolindo, em simultâneo, o imposto automóvel, o imposto municipal sobre veículos, o imposto de circulação e o imposto de camionagem

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,

A ausência de consulta prévia, mesmo quando é politicamente obrigatória para a elaboração das propostas de lei, começa a ser um hábito do Ministério das Finanças, hábito esse que sublinho negativamente.

Esta proposta de lei, como se sabe, altera receitas municipais. Aliás, altera mesmo a lei das finanças locais recentemente aprovada. No entanto, a Associação Nacional de Municípios, segundo indicações que consegui recolher, recebeu a proposta de lei anteontem. Portanto, Sr. Secretário de Estado, esta situação não pode acontecer. É mau para todos: para o Governo, para as instituições e para o debate parlamentar.

É verdade que a proposta propõe uma norma transitória que assegura a neutralidade de receitas para os municípios em 2007. Correcto! Mas, Sr. Secretário de Estado, não fico com nenhuma certeza quanto ao futuro. Como é que as receitas municipais vão ser asseguradas em 2008, em 2009, ao nível que teriam caso se mantivesse o imposto municipal respectivo?

Já agora que se fala em autarquias, gostava de lhe colocar uma outra questão. Não há receitas do novo imposto de circulação dos veículos das classes C e D para as autarquias. Ora, julgo que uma das razões que o Governo invoca para tributar este tipo de veículos tem a ver com a sua responsabilidade na degradação da rede viária ou por causa dessa degradação. Ora, sabendo-se que a maior parte da rede viária é da responsabilidade dos municípios, não considera que uma afectação, ainda que parcial, das receitas dos impostos destes veículos aos municípios seria uma forma eventual de, no futuro, obviar à diminuição das receitas locais?

Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe colocar outras questões completamente diversas. A esta proposta falta um estudo de impacto fiscal. Penso que o Governo tinha de ter apresentado elementos ou estudos de impactos das suas alterações. Portanto, a questão que coloco é a seguinte: está o Governo em condições de garantir que daqui a dois, três ou quatro anos a soma das receitas obtidas pelo novo ISV e pelo novo IUC não será maior, e significativamente maior, que a receita dos actuais impostos sobre os veículos automóveis no presente? Sr. Secretário de Estado, posso garantir-lhe que tenho em minha posse muitos elementos que garantem exactamente o contrário. Gostava, pois, que o senhor tivesse uma posição clara sobre esta matéria.

Uma outra questão central tem a ver com a transferência de incidência da cilindrada para as emissões de CO2. O Sr. Secretário de Estado não desconhece que os carros mais caros e mais potentes, com maior incorporação tecnológica, são e serão comparativamente menos poluentes. Ora, isto significa que podemos ter uma reforma fiscal que, comparativamente com a actual situação, vai penalizar mais os carros menos caros e aliviará a carga fiscal sobre os carros mais caros.

Sr. Secretário de Estado, considera justas as soluções, mesmo suportadas num argumento defensável, que é a defesa do ambiente, que vão penalizar mais o comprador do Renault Clio do que o comprador do Mercedes 220? Creio que ninguém entenderá esta evolução e importa perceber qual é a opinião do Governo sobre a sua disponibilidade de alterar esta anormalidade que, pelos vistos, está prevista e inserida na proposta de lei.

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

O Governo apresenta-nos, hoje, uma proposta de lei para substituir vários impostos sobre veículos e criar um imposto único de circulação e um imposto sobre veículos.

No que respeita ao novo imposto sobre veículos, o Governo pretende, no fundamental, transferir a incidência do imposto da cilindrada para as emissões de CO2 e, igualmente, fazer transferir parcialmente o momento de liquidação do imposto do momento da aquisição para o seu uso ao longo da vida. Estas são alterações muito profundas que têm de ser analisadas e debatidas com rigor e com todas as instituições interessadas.

É, por isso, obrigatório que o Governo e, sobretudo, a maioria parlamentar, que, agora, está a ouvirme, assumam, aqui e desde já, o compromisso não só de que serão fornecidos, na especialidade, estudos de impacto, que, aliás, o Sr. Secretário de Estado aqui anunciou e invocou mas que são desconhecidos, que permitam demonstrar a neutralidade fiscal a médio e longo prazos e não apenas em 2007 ou 2008, mas também de ouvir, sobre esta matéria, todas as entidades e instituições, cuja opinião e análise importa conhecer em sede parlamentar.

É também inquestionável que a solução final tem de cumprir, pelo menos, dois outros objectivos.

O primeiro é, naturalmente, o que decorre de procurarmos e incentivarmos soluções tecnológicas ambientalmente sustentáveis.

Não obstante a bondade e relativa consensualidade em torno deste primeiro objectivo, ele não pode iludir nem subestimar, a qualquer preço, efeitos colaterais perniciosos ou, mesmo, inaceitáveis, como seja, por exemplo, a menorização dos aspectos tecnológicos dos construtores relativamente à segurança rodoviária ou na constatação de que maiores potências e velocidades também provocam, nestas situações, emissões adicionais muitíssimo relevantes, que não podem nem devem ser secundarizadas ou esquecidas nas soluções concretas a adoptar.

Este objectivo também não pode iludir a possibilidade de os veículos mais potentes, com melhores soluções tecnológicas e, por isso, mais caros e também mais inacessíveis à maioria dos portugueses, poderem passar por esta proposta de lei a ser comparativamente menos penalizados fiscalmente do que os veículos mais baratos e que são adquiridos por quem, muitas vezes, na impossibilidade de poderem aceder aos transportes púbicos, adquire veículos chamados utilitários.

O segundo objectivo final a obter, intimamente ligado com este aspecto último de natureza social que acabo de referir, tem a ver com as soluções concretas finais da transferência fiscal do imposto automóvel.

Parece que o Governo aposta para um período médio de cinco anos, até ao final do qual se propõe, embora não tenha hoje demonstrado se será conseguido, garantir a neutralidade fiscal das suas propostas.

Sucede, porém, que, segundo parece, a partir desse período de vida médio, o contribuinte passará, mesmo para os veículos automóveis ambientalmente adequados já, a pagar mais, e bem mais, do que no passado.

As propostas do Governo não podem ou, pelo menos, não devem impor, de forma indiscriminada e generalizada, a mudança do parque automóvel de cinco em cinco anos, ameaçando os portugueses - a todos! - de que, se não o fizerem, passarão a pagar mais imposto pela sua detenção, mesmo que o automóvel seja ambientalmente sustentável. As propostas do Governo não podem impor, por via fiscal, a renovação da frota automóvel, mesmo quando boa parte dos portugueses enfrenta, também por causa dos governos e noutro plano, momentos bem difíceis e o País não arranca no seu crescimento económico.

Por isso, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, é evidente que o PCP se dispõe a participar na melhoria da proposta de lei, apresentará, certamente, soluções e propostas alternativas, aguardará, por parte do Governo, disponibilidade para corrigir alguns dos aspectos atrás enunciados, na certeza de que a proposta final não poderá, quanto a nós, nunca, mesmo que sob o bom argumento das soluções ambientais, aprovar soluções concretas que acarretem ou mais sobrecarga fiscal ou, ainda por cima, que imponham sobrecarga fiscal socialmente injusta e, de novo, penalizadora de quem menos pode.

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