Intervenção de

Tratado Constitucional da União Europeia - Intervenção de Honório Novo na AR

Declaração política tecendo considerações sobre a proposta do denominado Tratado Constitucional da União Europeia 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Foi
notória a desorientação que marcou a cimeira que, no passado
fim-de-semana, preparou em Viena o Conselho Europeu que daqui a 15 dias
vai prolongar o debate sobre o «futuro da Europa» congeminado no
rescaldo do «não» francês e holandês à proposta para um novo Tratado da
União Europeia.

Apesar do desencontro de posições e da generalizada confusão (umas vezes real,outras
certamente aparente), é cada vez mais nítida a estratégia que está por
trás deste período de debate e de reflexão: tentar ressuscitar o
autodesignado «Tratado Constitucional», procurar «fazer entrar pela
janela ‘europeia’» uma proposta que viu claramente encerrada a «porta
jurídica» que lhe permitiria entrar em vigor.

O
«rabo do gato» do «Tratado Constitucional», escondido na gaveta da
burocracia comunitária em Junho de 2005, começa a dar sinais de vida e
a mexer-se com mais nitidez por trás da aparente bondade e da virtual
autenticidade do debate em curso, e por trás das recentemente
reformuladas «estratégias de comunicação com os cidadãos europeus»
obviamente destinadas a «vender» melhor uma certa imagem da União
Europeia.

Importa, por isso, enumerar aqui e agora os truques e os expedientes que estão a ser e irão ser usados para tentar impor o «Tratado Constitucional». Há
uns que, decididamente, apostam em esperar para conhecer os resultados
das eleições em França e na Holanda previstas para o primeiro semestre
de 2007. Esperam ansiosamente poder ter condições políticas para
repetir referendos, quiçá repeti-los tantas vezes quantas as
necessárias para que os seus resultados sejam os «desejáveis e
convenientes»!

Giscard d’Estaing — esse emérito presidente de uma Convenção fechada e discriminatória, onde, como se sabe, os resultados finais favoráveis foram obtidos por uma espécie de processo inovador
de telepatia — afirmou recentemente que «era preciso dar uma segunda
oportunidade ao documento, repetindo a votação, pois o eleitorado tem o
direito a mudar de opinião e a considerar que cometeu um erro» ao ter
rejeitado o tratado. Escusado será dizer que para Giscard d’Estaing
esta «segunda oportunidade» seria para a «sua» França e não para usar,
por exemplo, nos referendos positivos realizados na Espanha ou no
Luxemburgo ou para dar, até, uma primeira chance aos que não puderam (mesmo querendo) pronunciar-se através do voto (como vai suceder em breve na Finlândia).


outros que insistem em tentar acrescentar à proposta de tratado um
qualquer anexo, quiçá, um protocolo adicional que, nada mudando,
permita «vender» a franceses e holandeses — porventura a ingleses e
dinamarqueses, ou até mesmo aos portugueses, quem sabe?… — a ideia de que aquilo já não é o que…, obviamente, continuará a ser!…

Há ainda outros — como ficou bem explícito neste último fim-de-semana em Viena — que
apostam numa nova maquilhagem, deixando o tratado de chamar-se
constitucional para passar a ter um outro rótulo e uma roupagem mais
facilmente vendável.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Todos
estes truques mostram bem quanto é insuportável a falta de respeito
pelos resultados expressos e, igualmente, mostram a total ausência de
pudor na tentativa de adulterar, ou esconder, as regras que o Tratado
hoje em vigor prevê para a sua própria alteração e
que impõem, de forma evidente e lapidar, a unanimidade dos 25
Estados-membros como fórmula única — repito, fórmula única — para a sua
substituição.

Mas há também outros que têm uma espécie de «plano B» que não se deixa enredarnestes
truques nem nestes expedientes e que quer aplicar o tratado, mesmo que
ele não esteja ratificado e não tenha existência legal.

Há, assim, quem queira seleccionar partes do texto da proposta em discussão, nãoesperar
por qualquer ratificação, tentar fazer passar a ideia de que não
necessitam da aprovação dos Estados-membros, de que não precisam de
passar pelo crivo da ratificação parlamentar ou referendária, e fazer
avançar todas as orientações mais preocupantemente federalistas que
estão inscritas na proposta de tratado, seja no plano institucional, no
plano das políticas gerais, ou no plano da concretização de orientações
de base militarista que não servem, certamente, os interesses da paz e
da convivência entre os povos.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:

Seja
qual for o modo e a opção, o que é inaceitável é que se tente
ressuscitar a proposta de tratado, ou que se passe a aplicar o seu
texto, e que eventualmente se prossigam processos de ratificação sem
sentido nem validade jurídica à luz do Tratado em vigor que neste
aspecto terá de ser escrupulosamente cumprido.

Há que respeitar os resultados e o quadro jurídico vigente que não admite a ratificação de
tratados por três quartos, quatro quintos ou cinco sextos de quotas de
aprovação, mas que, pelo contrário, exige de forma inequívoca a
unanimidade.

Quanto a nós, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o caminho deve ser outro. Há que abandonar
esta proposta pretensamente constitucional; uma proposta que visa
consolidar a natureza federal da União, que institucionaliza o
directório das grandes potências através da dominação da lógica do peso
populacional sobre o conceito inalienável da igualdade entre
Estados-membros, que institucionaliza os poderes exorbitantes do Banco
Central Europeu e as normas do Pacto de Estabilidade que estão na base
dos crescimentos económicos medíocres e do disparo do desemprego.

Há que parar para reflectir; parar para simplificar textos; parar para pôr de pé uma interligação eficiente
com os parlamentos nacionais para que estes assumam um papel autêntico
de fiscalização efectiva da construção europeia. Mas há sobretudo que
parar para alterar substancialmente as principais políticas
comunitárias para que estas passem a servir os povos e não apenas
alguns interesses, para voltar a colocar no centro do debate e das
preocupações europeias os problemas do desenvolvimento, da coesão e do
emprego, os problemas da paz, da cooperação e do diálogo entre os pov
os! 

(…)  

Sr. Presidente,

Antes
de mais, quero agradecer aos Srs. Deputados Luís Fazenda e Armando
França as questões que colocaram e, se me permitem, começo pela ordem
inversa.
Sr.
Deputado Armando França, felizmente, não somos só nós que levantamos
muitas dúvidas ao processo e à proposta de tratado constitucional. Como
o senhor bem sabe, acompanham-nos milhões de franceses, milhões de
holandeses e milhões de pessoas que, pela Europa fora, queriam ter-se
pronunciado, através do voto, sobre a proposta de tratado
constitucional mas não lho permitiram, por uma ou outra razão.

Portanto,
Sr. Deputado Armando França, se há aqui alguém que, porventura, anda
menos bem acompanhado do que pensa, será V. Ex.ª e algum vanguardismo
fundamentalista que faz do «andar para a frente» sistemático o seu leitmotiv, a razão da sua vivência e a sua auto-justificação política. Sr.
Deputado Armando França, o processo de ratificação é claro: dos 17
países que procederam à ratificação, houve 4 que referendaram, sendo
que metade disse «não» e a outra metade disse
«sim». Curiosamente, dos 8 países que restam, 6 são aqueles que já
haviam optado pelo referendo pediu para parar, não viesse algum
«terramoto» adicional paralisar completamente o processo de construção europeia de alguns — de alguns, Sr. Deputado! — e não o processo de construção
europeia feito à base da cooperação, do entendimento e do diálogo, que
é o nosso projecto, o projecto da coesão e do desenvolvimento
económico, o projecto que rejeita o Pacto de Estabilidade, o projecto
que rejeita o Banco Central Europeu, o projecto que pretende que a
coesão económica e social volte a ser o paradigma desta Europa.

Sr. Deputado Luís Fazenda, é verdade que o tema virtual da reunião de Viena do último fim-de-semana
não nos pode fazer esquecer de que aquelas contradições são, em minha
opinião, mais virtuais do que reais. O que se pretende é relegar para
2007, 2008 ou 2009 o processo de ratificação formal, mas, na prática,
ir começando, desde já, a aplicar partes do tratado, sem que elas
passem pelo crivo obrigatório da ratificação, é fazer «andar para a
frente» algumas políticas, no plano militar, no plano da defesa, no
plano económico e social, que são aquelas políticas que estiveram,
estão e estarão, certamente, na base, por um lado, do fechamento da
União Europeia e, por outro, da desconfiança crescente das pessoasrelativamente à construção europeia que atravessamos. 

  • União Europeia
  • Assembleia da República
  • Intervenções