Projecto de Lei

Transporte ferroviário

 

Elimina as restrições ao exercício de direitos e liberdades democráticas no transporte ferroviário

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Exposição de motivos

O Artigo 52.º da Constituição da República Portuguesa determina que «todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania, aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para a defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral».

Acresce que, o artigo 17.º determina que «todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações».

Tais artigos, inseridos no Título II - Direitos, liberdades e garantias - são de aplicação directa e são exercidos pelas pessoas sem quaisquer impedimentos ou necessidade de autorizações.

Muitos têm sido os relatos de atropelos aos direitos e liberdades democráticas dos cidadãos, nomeadamente dos jovens e dos trabalhadores, que têm vindo a sentir um inadmissível clima intimidatório aquando do exercício dos seus direitos fundamentais.

Liberdades básicas e pedras angulares da sociedade livre e democrática como a liberdade de expressão e o direito de reunião e manifestação têm sido atacadas sendo prioritária a defesa dos direitos democráticos através quer do seu exercício quer da sua concretização por parte do Estado.

Ora, o Governo PS, protagonista de vários e infelizes episódios de cerceamento de direitos, a pretexto do regime jurídico aplicável ao contrato de transporte ferroviário de passageiros e bagagens, volumes portáteis, animais de companhia, velocípedes e outros, previsto no Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março, insere, no âmbito dos deveres e obrigações dos passageiros, uma norma que briga frontalmente com os mais elementares direitos dos cidadãos, ferindo o texto constitucional.

Entre as mais diversas proibições previstas em relação aos passageiros (uso do sinal de alarme fora do caso de perigo iminente, entrar ou sair da carruagem quando esta esteja em movimento, passar de uma carruagem para outra em andamento, quando não haja comunicação interna, ocupar lugar reservado a pessoas com mobilidade condicionada, grávidas e pessoas com crianças de colo, debruçar-se das janelas durante a marcha do comboio, entre tantas outras relacionadas com a condição de passageiro), eis que surge a proibição de recolha de assinaturas e de afixação de cartazes e distribuição de panfletos sem autorização do operador.

Assim, por via de decreto-lei o PS pretende operar uma revisão constitucional impedindo que os cidadãos - livremente e sem impedimentos ou discriminações - manifestem o seu pensamento e exerçam o direito de petição. Fica assim sujeito a uma contra-ordenação aquele que recolha assinaturas com fins políticos e sociais ou que distribua propaganda política sem autorização. São vários os exemplos do exercício do direito de petição: abaixo-assinados reclamando o cumprimento de direitos, a melhoria das condições de vida, petições aos órgãos de soberania exigindo acções concretas em defesa dos direitos das populações.

Apenas para citar casos directamente relacionados com o transporte ferroviário, destacam-se iniciativas como as do Movimento de Defesa do Ramal da Lousã; da Associação "Comboios XXI" mobilizando os Utentes da Linha Braga/Porto; da Comissão de Utentes da Linha de Sintra; ou da Comissão de Utentes dos Transportes da Margem Sul quanto ao serviço e estações do chamado "comboio da ponte"; ou da Petição pela renovação, requalificação e valorização da linha de caminho de ferro do Vale do Vouga; ou ainda do Movimento por Melhores Comboios na Linha do Sado, com uma acção de anos que em muito contribuiu para a concretização da electrificação da linha.

Todas estas organizações dos utentes dos transportes, de Norte a Sul do país, foram e são exemplos concretos de mobilização e intervenção cívica em defesa do transporte ferroviário e da sua qualidade. Todas elas recorreram em determinados momentos - algumas recorrem ainda no presente - a iniciativas como Petições, inclusivamente dirigidas ao Parlamento. Quase sempre mereceram a saudação expressa dos deputados por tais iniciativas, nalguns casos motivaram a intervenção das instituições e resultaram na adopção das medidas concretas que exigiam.

Tudo isto aconteceu porque as populações se organizaram, promoveram recolhas de assinaturas em estações e em comboios, distribuiram documentos de informação e propaganda para divulgar as suas justas reivindicações. Fazer tudo isto sem a autorização do operador será pelos vistos inaceitável e perigoso para o Governo, que assim decidiu determinar a proibição de tais actos.

No mesmo momento em que os cidadãos se dirigem à Assembleia da República para exercer o seu direito de petição (algumas das quais ainda se encontram em apreciação parlamentar), o Governo restringe o exercício desse mesmo direito.

Aliás, é a própria lei que garante o exercício do direito de petição (Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto) para defesa dos direitos dos cidadãos, da Constituição, das leis ou do interesse geral, mediante a apresentação aos órgãos de soberania, ou a quaisquer autoridades públicas, com excepção dos tribunais, de petições, representações, reclamações ou queixas, que prevê, no seu artigo 6º que «nenhuma entidade, pública ou privada, pode proibir, ou por qualquer forma impedir ou dificultar, o exercício do direito de petição, designadamente na livre recolha de assinaturas e na prática dos demais actos necessários.». Não pode agora vir o Governo impedir ou sujeitar a autorização o exercício deste direito fundamental.

Assim, em defesa do primado da Constituição, dos direitos, liberdades e garantias de todos, o PCP propõe a alteração deste Decreto-Lei no sentido de garantir o exercício efectivo dos direitos constitucionais e políticos de todos, garantindo que se cumpre a Constituição.

O que propomos é muito concretamente que se ponha termo à proibição, actualmente em vigor no transporte ferroviário, de recolher assinaturas sem autorização do operador e de proceder a qualquer espécie de publicidade e distribuir ou afixar cartazes, panfletos ou outras publicações sem autorização do operador.

Não estão em causa neste projecto de lei as discordâncias de fundo que o PCP mantém relativamente a este decreto-lei n.º 58/2008, de 26 de Março. Com este diploma, o Governo consumou um forte ataque aos direitos das populações e dos utentes, e mesmo ao próprio transporte ferroviário enquanto serviço público. Desde a política de tarifário e preços até às regras de prestação de serviço, supressão ou atrasos, etc., muito há para apontar e corrigir nesse diploma. Mas neste caso trata-se especificamente da defesa dos direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos, que foram manifestamente ameaçados e condicionados.

Nestes termos, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março

O artigo 6º do Decreto-Lei n.º 58/2008, de 26 de Março passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 6º

(...)

1 - ...;

2 - ...;

a) ...;

b) ...;

c) ...;

d) ...;

e) ...;

f) ...;

g) ...;

h)...;

i) ...;

j) ...;

l) ...;

m) ...;

n) ...;

o) ...;

p) ...;

q) Fazer peditórios, organizar colectas ou realizar inquéritos sem autorização do operador;

r) ...;

s) ...;

t) ...;

u) Proceder a qualquer espécie de publicidade e distribuir ou afixar cartazes, panfletos ou outras publicações que não tenham carácter de propaganda política, nos termos da lei, sem autorização do operador;

v) ...;

x) ...;

z) ...;

aa) ...;

ab) ...;

ac) ....;

3 - ...;

4 - ...;

5 -    »

Artigo 2º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte após a sua publicação.

Assembleia da Republica, em 15 de Abril de 2009

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