Projecto de Lei N.º 63/XVI/1.ª

Suspende a atribuição de licenças de TVDE até à conclusão do processo de avaliação e revisão do regime legal vigente

Exposição de motivos

A Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, que criou o «Regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica» [regime TVDE], inscreve no seu artigo 31.º a determinação de que a 1 de novembro de 2021 fosse realizada uma avaliação a esse regime, seguida de uma alteração da Lei, se necessária.

O IMT apresentou esse Relatório de avaliação em setembro de 2022 (mas com data de dezembro de 2021), cujos méritos não iremos abordar aqui, embora seja de referir a falta de auscultação de muitas das entidades interessadas. Um documento, ainda assim, com matéria suficiente para apoiar uma discussão em torno da Lei n.º 45/2018 que levasse à sua alteração.

O PCP colocou publicamente a necessidade de rever o regime TVDE nas duas últimas legislaturas. De ambas as vezes o Governo PS/António Costa se furtou ao debate, primeiro prometendo a apresentação de uma proposta de alteração à lei, e depois, já com a maioria absoluta, assumindo que esperava uma diretiva de Bruxelas antes de cumprir a Lei portuguesa.

São evidentes as consequências negativas da introdução e aplicação da lei em vigor para o TVDE. A lei como está não agrada a quase ninguém: não agrada a motoristas e restantes profissionais do TVDE; não agrada ao sector do táxi; não agrada às autarquias; não agrada aos clientes nem às Associações de Defesa dos Consumidores. O modelo TVDE – de recorte liberal – é o de uma “lei da selva” de motoristas e pequenos empresários a competir entre si, a destruir mutuamente a sua rentabilidade, a ser obrigados a reduzir sistematicamente as suas próprias remunerações, enquanto a multinacional retira uma renda fixa e crescente pelo acesso à plataforma digital. É um modelo que só agrada à UBER e às restantes multinacionais, e tal tem sido suficiente. Mas não pode continuar a ser.

Desde o início da sua aplicação que a precariedade no sector aumentou, aumentando com ela a exploração dos trabalhadores do sector. Esta lei provocou um aumento brutal da oferta onde existe mais procura e rentabilidade, enquanto eliminou nas regiões e períodos onde essa procura ficou colocada em causa. Como consequência, reduziram-se as remunerações e os rendimentos dos profissionais, criando-se em troca uma renda segura para umas poucas multinacionais.

Mesmo os municípios, a quem o Governo chegou a prometer um outro papel na regulação do regime, continuam a sentir as consequências negativas do atual enquadramento legal e as dificuldades que ele cria à sua intervenção, particularmente nos locais onde o número de licenças disparou, e está a criar e a amplificar problemas, económicos, sociais, urbanísticos, ecológicos, entre outros.

As consequências de se ter chegado a dois regimes – Táxi e TVDE – para a mesma atividade económica, o transporte remunerado de passageiros em veículo ligeiro, foram negativas, desde logo para o sector do táxi, que sofreu de uma concorrência desleal, mas também para o conjunto de trabalhadores e profissionais atraídos para o novo sector. Como é apanágio dos processos de liberalização, só ganharam as multinacionais.

Coloca-se, cada vez mais, a necessidade de acelerar a revisão do atual enquadramento legal, sendo da mais elementar prudência suspender de imediato a emissão de novas licenças ao abrigo do mesmo.

A revisão do regime de TVDE deve ter em conta um conjunto de princípios:

  • Contribuir para eliminar a exploração dos motoristas, pugnando por um regime legal que garanta direito a salário, rendimentos, direitos e qualidade de vida aos seus trabalhadores e a todos os profissionais do sector;
  • Dar às autarquias a competência para regularem a atividade, nomeadamente a de fixarem contingentes municipais ou intermunicipais;
  • Retirar às multinacionais os instrumentos para fazerem qualquer tipo de dumping, seja económico seja social, nomeadamente através da imposição de preços abaixo dos custos de produção reais ou da «aceitação voluntária» de descontos obrigatórios pelos operadores e trabalhadores;
  • Reduzir o número de carros a operar, que estão a criar problemas graves, particularmente em Lisboa, Porto e Algarve, quer no plano ambiental, com emissões poluentes e consumos de energia e de recursos muito superiores ao necessário, quer na fluidez do tráfego em geral e dos transportes públicos em especial.

É indispensável que o processo de avaliação e revisão da lei em causa seja desbloqueado sem mais perdas de tempo; e que sejam corrigidos os graves problemas que resultaram da aplicação dessas normas e opções. Para isso, há que passar da etapa da avaliação (com o relatório do IMT que foi anunciado) para a etapa da alteração à lei – e isso implica um processo legislativo que o Governo deve iniciar o quanto antes na Assembleia da República.

Ora, até que esse processo legislativo chegue a bom termo, é imperiosa uma intervenção do Estado, quanto mais não seja para que a situação não se degrade e não alastre ainda mais – e isso exige reforçar a fiscalização, quer da atividade operacional, quer ao nível das relações laborais, mas desde logo numa moratória à emissão de licenças TVDE. É preciso suspender imediatamente a atribuição de novas licenças, para que esta situação desregrada não se torne ainda mais grave. É essa a medida que desde já o PCP propõe com a presente iniciativa.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

(Objeto)

A presente lei suspende a atribuição de licenças para início de atividade de transporte individual de passageiros em veículos descaraterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE) até à finalização do processo de revisão da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto.

Artigo 2.º

(Suspensão da atribuição de licenças)

É suspensa a atribuição de licenças para início de atividade de TVDE até à entrada em vigor da lei que proceda à alteração da Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto.

Artigo 3.º

(Entrada em vigor)

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

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