Nota da Comissão Política do Comité Central do PCP

Sobre a proposta de rede de serviços de urgência

Sobre a proposta da rede de serviços de urgência, elaborada pela Comissão Técnica de Apoio ao Processo de Requalificação das Urgências e, sem prejuízo de uma avaliação concreta caso a caso, o Partido Comunista Português considera desde já o seguinte:

Estamos perante uma proposta que, à semelhança de outras que têm sido encomendadas pelo Ministério da Saúde, procura apenas apresentar um disfarce técnico para uma conclusão que é sobretudo política e que visa justificar o encerramento de um conjunto de urgências, penalizando sobretudo as populações mais isoladas, mas também dos grandes centros urbanos, como é evidente na proposta de encerrar a urgência do Hospital Curry Cabral em Lisboa.

A proposta não tem em conta a realidade física, as instalações e os equipamentos existentes, os meios de socorro e os recursos humanos e, sobretudo, as enormes dificuldades de acesso aos cuidados primários de saúde que se têm agravado nos últimos meses com o encerramento de SAP’s, CATUS e extensões de Centros de Saúde. A aplicação cega da proposta levaria a um afastamento silencioso dos mais carenciados das urgências que actualmente dão resposta às suas necessidades de cuidados de saúde.

Ao invés da política que tem vindo a ser seguida pelo Governo, é imperioso fazer-se uma aposta prioritária nos cuidados de saúde primários, realizando uma planificação dos serviços segundo os princípios da proximidade e da racionalidade, conjugada com uma adequada rede de serviços de urgência, com vista a melhorar as condições de acessibilidade e de resposta às necessidades das populações.

Ao contrário da propaganda o que se deve comparar é o que existe com o que se propõe. Existem 73 hospitais com serviço de urgência e 103 Centros de Saúde com atendimento urgente de 24 horas (de acordo com o anuário da saúde 2003); portanto há 176 pontos da rede de urgência da rede fixa. Com a proposta agora apresentada passam a ser 42 os hospitais de Urgência Polivalente e Médico Cirúrgica e passam a existir 41 urgências básicas em hospitais e centros de saúde, sendo que alguns poderão encerrar entre as 0 e as 8 horas. Num quadro em que a cobertura do País já é deficitária, isto significaria o encerramento de 93 pontos fixos de urgência, isto é, a redução dos actuais 176 pontos de urgência de 24 horas para 83 pontos, dos quais uma parte não funcionaria 24 horas por dia.

Actualmente o que existe são 450 mil pessoas que vivem a mais de 60 minutos de um serviço de urgência. Com esta proposta 1 milhão de pessoas ficariam a mais de 30 minutos, ficando por saber quantas ficarão a mais de 60 minutos de uma urgência polivalente. Por outro lado é sobejamente conhecida a situação de muitos serviços de urgência de hospitais que há muito têm a sua capacidade de atendimento esgotada, realidade que é simplesmente ignorada pela proposta.

Quanto aos meios de socorro, ao contrário daquilo que é afirmado na propaganda, o primeiro socorro com suporte avançado de vida não está garantido em vastas regiões do país. Tendo em conta que existem apenas 35 Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação localizadas em 16 distritos do Continente, a maior parte dos quais apenas com uma viatura e porque entre a vida e a morte cada minuto conta, estas viaturas, por si, só não constituem alternativa às dezenas de urgências que se propõe encerrar.

A política do Governo de encerrar dezenas de serviços de urgência, determinada por razões economicistas, pela obsessão do défice, pelo cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento e pela necessidade de concentrar recursos humanos - que há muito se sabe serem escassos - é indissociável do rápido desenvolvimento do mercado de saúde como resultado de um compromisso com os grupos privados, levando a que estes vão ocupando o espaço do SNS e a que centenas de profissionais passem para este sector. Esta situação certamente se agravará com a proposta do Governo sobre as carreiras médicas, bem como com a teimosa manutenção de numerus clausus nas escolas de medicina e enfermagem, situações que o PCP há muito previu e preveniu.

Em consequência da estratégia neoliberal para a saúde resultará uma maior concentração dos serviços de saúde, em contradição com os princípios que presidiram à criação do nosso SNS e que proporcionaram ganhos em saúde que são conhecidos, colocando-o como o 12º melhor do Mundo.

Por tudo isto o PCP considera que a proposta não se conjuga com a realidade portuguesa e, tal como outras, procura dar cobertura técnica à violenta ofensiva contra os serviços públicos de saúde. A sua aplicação agravaria as desigualdades existentes no acesso aos cuidados de saúde que, em muitas situações, já hoje se faz segundo o estatuto económico e social dos portugueses.