1 - O governo anunciou ontem a intenção de concessionar a privados trinta imóveis históricos, cujo uso se destina à actividade hoteleira e turística. Trata-se de entregar, por um período que pode ir até 50 anos, um conjunto de monumentos, património cultural decorrente da nossa história colectiva, a grupos privados para montarem o seu negócio, em detrimento da plena fruição pública.
Para o PCP, é inaceitável que se avance com esta medida, ainda para mais tratando-se de uma matéria que diz respeito à memória colectiva de um povo. Trata-se de um conjunto de edifícios com características históricas e valor simbólico e cultural, alguns com centenas de anos de existência, que encerram em si elementos sobre períodos e episódios importantes da nossa história colectiva, razão pela qual não podem ser alienados ou alteradas as suas características, nomeadamente físicas e de usos, apenas por mera vontade do governo e de interesses privados, independentemente de pressões que estes possam exercer.
2 - Pelo simbolismo que encerra, não podemos deixar de criticar de forma veemente o facto de o governo ter colocado nesta lista a Fortaleza de Peniche, ignorando a importância histórica e cultural de um espaço onde não é possível conciliar a actividade hoteleira e turística com a necessidade de preservar integralmente as suas características prisionais históricas. A concretizar-se a concessão da Fortaleza, estamos perante um dos mais significativos ataques à memória colectiva dos portugueses, particularmente sobre um período da nossa história contemporânea que deve ser do conhecimento das futuras gerações e, simultaneamente, de uma manifestação de desprezo para com a luta antifascista em Portugal que se desenvolveu durante quase meio século. O que deveria estar a ser discutido neste momento era a valorização e divulgação do espaço enquanto testemunho da sua função prisional durante o fascismo, designadamente, com a actualização e enriquecimento do projecto de musealização existente, e não a concessão a privados.
3 – O argumento avançado para concretizar este negócio, de que mais vale concessionar do que deixar cair, não pode vingar, apenas e tão só, representa uma forma de fugir à responsabilidade do Estado face ao património cultural em Portugal, responsabilidade fixada na própria Constituição da República Portuguesa. Em vez de alienar ou concessionar, o que o governo deve fazer é elaborar um programa de recuperação progressiva do património, disponibilizar as verbas necessárias para a sua concretização e colocar esse património ao serviço do povo português e de quem nos visita. O caminho não pode passar por transformar o património num negócio em que quem lucra são os grupos privados à custa da memória e da história colectiva do nosso país
4 – O PCP rejeita o programa ontem anunciado. Exigimos a suspensão dos concursos já lançados ou a lançar, a paragem da alienação de bens patrimoniais do Estado, nomeadamente o património classificado e a sua entrega a gestões privadas, e o início de um debate alargado sobre o património cultural, a sua recuperação e utilização, que culmine com a aprovação e implementação de um Programa Nacional de Emergência para o Património Cultural.
5 – A política do Património não pode estar sujeita ou subordinada ao "mercado" e à política de turismo. Antes, a política para o património deve intensificar a ligação cultural entre as populações e o património, integrar o património edificado na vida e quotidiano do país, resultando numa valorização e preservação vivida e fruída colectivamente. É através dessa vivência colectiva do património que se deve valorizar e afirmar o País na oferta turística e não através da concessão ou privatização de importantes componentes do património, delas alheando o povo e os hábitos culturais.