Declaração de João Frazão, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

Sobre o Pacote Florestal em consulta pública

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A Comissão Política do PCP sublinha que, no caminho da ruptura necessária com a política de direita de quatro décadas, as medidas para valorizar a floresta têm de se centrar no rendimentos dos produtores; na defesa dos Baldios e do seu uso e gestão pelos povos, com os apoios necessários; na elaboração do Cadastro Florestal investindo os meios necessários para tal tarefa; na atribuição de mais meios públicos – humanos, técnicos, financeiros e materiais – às estruturas do Estado que intervêm na floresta; na inversão da diminuição do peso relativo do sobreiro e do pinheiro e de espécies autóctones, face ao eucalipto.

Só assim se assegurará, no quadro de uma política patriótica e de esquerda, o objectivo de garantir o aproveitamento e preservação dos recursos hídricos e agroflorestais do solo e áreas de uso agrícola e o ordenamento florestal que privilegie o uso múltiplo, as economias locais e a função ambiental da floresta.

Estando a terminar o processo de discussão pública sobre a chamada Reforma Florestal, da iniciativa do Governo PS, no seguimento da primeira avaliação sobre a matéria, sem prejuízo da intervenção especializada no quadro do debate de cada uma das propostas de lei, na Assembleia da República, considera-se oportuno assinalar os seguintes aspectos:

1. O Governo PS decidiu avançar sozinho, sem qualquer consulta prévia às estruturas que estão no terreno, designadamente às confederações que representam os pequenos e médios produtores, que continuam sendo a maior parte. É necessário sublinhar que a política florestal teve durante anos um amplo consenso na Assembleia da República, que levou à aprovação por unanimidade da Lei de Bases da Floresta, a partir de uma proposta do PCP. Consenso apenas quebrado pelo anterior Governo PSD/CDS que decidiu impor diversas alterações a partir da sua maioria na Assembleia da República. O processo em curso carece assim de participação conhecedora e crítica de experiência feita, que a consulta à ANMP e ANAFRE não substitui.

2. Conforme o PCP tinha prevenido, o Governo PS anuncia a intenção de levar a cabo uma reforma profunda da política florestal, mas não lhe assegura o necessário investimento público e nem se consegue perceber o potencial de mobilização de investimento privado. Registe-se, a título de exemplo, o caso do cadastro florestal, em que, inventando uma nova figura, o cadastro simplificado, se procura passar o ónus e os custos da realização dessa importantíssima tarefa, que se estimava que teria um custo de cerca de 700 milhões de euros, para os proprietários florestais e designadamente os mais pequenos. Realidade tanto mais estranha quanto ainda há dias assistimos ao anúncio, com pompa e circunstância, de apoios na ordem dos 18 milhões de euros para “o aumento da produtividade do eucalipto”, sem que se perceba porque não é suportado pelas empresas de celulose.

3. Este “Pacote Florestal” não assume a necessidade do reforço dos meios humanos e materiais das estruturas do Ministério da Agricultura e Pescas para a intervenção nas Florestas. Os milhares de projectos que aguardam análise técnica bem o demonstram. O trabalho de ordenamento da floresta, o acompanhamento das medidas do Sistema de Defesa das Florestas contra Incêndios, a coordenação da intervenção das equipas de Sapadores Florestais, o aconselhamento dos produtores sobre as melhores práticas e espécies, o apoio aos Baldios, a atenção directa e reforçada às Matas Nacionais e às Áreas Protegidas exigem na concepção, direcção e intervenção operacional mais e mais qualificados profissionais. Exigem a adequada clarificação das responsabilidades e funções (competências e atribuições) do aparelho de Estado, a sua adequada distribuição e hierarquização, e os meios necessários em cada uma das estruturas. Qualquer Política Florestal, tem de começar por questionar as medidas economicistas do anterior Governo, que fundiu o Instituto de Conservação da Natureza com a Direcção Geral das Florestas e prosseguiu a desastrosa política de redução de efectivos (Mobilidade Especial), apenas para poupar nos custos, com prejuízos, quer para a defesa da natureza e da sua biodiversidade, quer para a floresta, enquanto actividade económica.

4. Apesar da insistência do PCP, esta “Reforma” não faz qualquer abordagem sobre o preço da produção lenhosa, questão absolutamente crucial para assegurar o interesse dos proprietários e a gestão activa da floresta. Nem uma única medida para assegurar um preço justo da madeira à produção, desde logo combatendo o autêntico duopólio da indústria de celulose, que impõe preços concertadamente irrisórios à madeira nacional, enquanto paga preços muito mais elevados, algumas vezes o dobro pela madeira importada de Espanha e de outras origens. Idem no mercado do pinho dominado pela indústria de aglomerados monopolizada pela SONAE. O mesmo para madeiras nobres, como o carvalho, castanheiro, nogueira e freixo, hoje completamente desvalorizadas e destinadas, quantas vezes, pura e simplesmente a lenha. E poder-se-ia ainda referir a situação da cortiça completamente dominada pelo Grupo Amorim.

Como o PCP tem insistentemente assinalado, sem assegurar um preço justo à produção da matéria lenhosa, sem combater, práticas comerciais agressivas e importações sem controlo, a floresta portuguesa, incluindo de espécies autóctones, esta não será defendida.

5. O conjunto das propostas de lei em debate são marcadas, no essencial, não tanto pela vontade de alterar políticas, mas sim de alterar os seus protagonistas, designadamente transferindo competências para as Câmaras Municipais. A centralidade da floresta e a dimensão nacional dos problemas que lhe estão associados, impõem a manutenção da responsabilidade da política florestal no âmbito da Administração Central do Estado. O que não exclui a necessidade da intervenção e participação das autarquias locais no quadro geral do SNDFCI e no âmbito das suas próprias atribuições e competências na gestão e ordenamento do seu território. Exige a reconstituição de um corpo suficiente de guardas-florestais e não a sua completa extinção, pondo fim a um crime político de sucessivos governos PS, PSD, CDS – o desmantelamento iniciou-se em 1996 - cujo preço para o País pode hoje ser avaliado. Em sentido inverso, assinale-se também a grave subestimação do papel do associativismo dos produtores florestais e compartes dos baldios, claramente marginalizado no quadro dos programas, projectos e medidas propostos.

6. A completa ausência de referência aos Baldios em dez diplomas sobre a floresta, colocam legítimas preocupações. Importa registar que os Baldios, representam cerca de meio milhão de hectares de floresta nacional, 10% do total, ocupando, particularmente no Norte e Centro do País, uma importante faixa do território, onde é, ou será executada uma boa parte da rede primária da defesa da floresta, ou onde o Governo tenciona executar o Plano de Fogo Controlado. Os Baldios são um tipo de propriedade, a comunitária, que se encontra consagrada na Constituição da República Portuguesa e que, não obstante a notável obra realizada, só não deu um maior contributo para o desenvolvimento da floresta e a prevenção e combate dos incêndios florestais, pelos ataques que sucessivos Governos lhes moveram!

7. A Comissão Política assinala que a proposta de Lei relativa ao Sistema de Protecção contra Incêndios, prevê, para as Forças Armadas, missões de natureza distinta do seu âmbito de acção e que podem, nalguns casos extravasar o legalmente estabelecido.

8. O Governo PS, na senda do Governo PSD/CDS, insiste na tese das chamadas terras sem dono conhecido, com o desígnio de encontrar um bode expiatório para os incêndios florestais, aliviando-o de responder às suas causas reais e, simultaneamente, justificar a sua expropriação a favor do Estado, e mesmo de interesses privados. Para lá de ser um alvo errado, pôr em causa direitos da pequena propriedade – porque é disso que se trata – por razões burocrático-administrativas ou mesmo a ausência temporária do proprietário (por emigração por exemplo) criará focos de instabilidade e justa indignação. Acresce que as disposições em concreto da proposta de Lei que cria o Banco de Terras prevêem mecanismos, seja de ressarcimento de eventuais despesas ou benfeitorias por possíveis arrendatários dos terrenos, seja da não possibilidade de disposição a todo o tempo dos terrenos por parte dos proprietários, que representam um esbulho inaceitável da pequena propriedade, particularmente dos emigrantes.

O Estado tem no Código Civil os mecanismos legais necessários para responder a possíveis situações de abandono, sendo desnecessárias quaisquer novas normas que facilitem um processo que deve ter o máximo de protecção e rigor jurídico.

Por outro lado, Governo não faz qualquer ressalva à introdução de prédios rústicos do Estado no Banco de Terras, sendo portanto admissível, como atempadamente chamámos à atenção, a entrega das matas nacionais a interesses privados da indústria da madeira, opção da qual discordamos em absoluto. De acordo com essa proposta, é legítimo perguntar se uma qualquer indústria de aglomerados, pode vir a gerir o Pinhal de Leiria? E a resposta, é que pode!

9. Com a criação das Sociedades de Gestão Florestal, associada a maiores benefícios fiscais por alteração do respectivo Estatuto, o Governo aposta no alargamento da presença do grande capital na gestão da floresta, promovendo, e mesmo premiando com dinheiros públicos, a “empresarialização” da gestão e uma maior concentração da propriedade. Registe-se que já hoje as principais empresas da fileira florestal (eucalipto/pinho/cortiça) dominam, por propriedade ou arrendamento, muitos milhares de hectares de floresta e que os projectos inseridos na Reforma do Governo irão acrescentar mais hectares a esses grupos monopolistas inevitavelmente à custa dos pequenos proprietários e compartes dos Baldios.

Note-se que num momento em que se procura retirar benefícios fiscais aos Baldios, cuja riqueza criada é colocada ao serviço das populações, há a disponibilidade para isentar os grupos económicos do pagamento de avultados impostos.

10. A solução encontrada para a realização do Cadastro Florestal, instrumento consensualmente aceite como indispensável a um bom ordenamento da floresta portuguesa, sucessivamente prometido e adiado pelos diversos Governos, não assegura a conclusão dessa tarefa, antes a adiando sine die. A criação de um sistema de informação cadastral simplificada, ao qual não são afectados os meios humanos e financeiros necessários, a partir da acção voluntária e onerosa por parte dos proprietários, não poderá ter um resultado diferente das experiências-piloto já realizadas, em que a maior parte das parcelas se encontram por cadastrar, o que é diferente de não terem dono ou sequer dono conhecido.

A Comissão Política do PCP considera que a proposta de “Reforma Florestal” agora apresentada pelo Governo PS é um conjunto de medidas que passam ao lado dos principais problemas da floresta portuguesa e que dando continuidade a políticas de anteriores governos contribuirão mesmo para os agravar. Mesmo algumas medidas positivas anunciadas não passarão de boas intenções, por falta de resposta aos estrangulamentos, natureza e características estruturais – nomeadamente o peso da pequena propriedade - da floresta portuguesa.

O Governo PS persiste na desvalorização do papel do Estado, continuando o esvaziamento humano de estruturas da Administração Central e a rarefacção de meios financeiros para a floresta. Desvaloriza a importância e o papel dos pequenos produtores e compartes dos Baldios e das suas associações. E não será o grande capital e a empresarialização privada da gestão florestal que poderá responder aos problemas da floresta que o País tem.

O Governo PS não é capaz de ver os problemas da floresta portuguesa como resultado da destruição da pequena e média agricultura e desaparecimento de muitos milhares de explorações familiares, com um papel único na ocupação do território, como consequência da desertificação do mundo rural e do interior do País. Isto é, assumir esses problemas como fruto da PAC e suas desastrosas reformas, produto de políticas agroflorestais, orçamentais e de serviços públicos contra os agricultores e o mundo rural.

(Com cortes de leitura)

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